Governo trava debate sobre quebra de patentes no Senado

Em sessão com choro, senadores se revoltam com adiamento da votação de projetos de lei que propõem a quebra temporária de patentes de medicamentos e vacinas contra a covid-19 durante a pandemia

Waldemir Barreto/Agência Senado
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Estavam para ser votados ontem, no Senado, dois projetos de lei que sugerem a quebra temporária de patentes de vacinas contra a covid-19 no Brasil. Mas não foram: apesar de eles terem amplo apoio em diferentes bancadas, a análise foi adiada por pressão do governo.

De manhã, um grupo de representantes da Casa Civil, do Itamaraty e dos ministérios da Saúde e da Economia se reuniu com o relator, senador Nelsinho Trad (PSD-MS), para argumentar contra a aprovação.

Mais tarde, foram os líderes do governo no Senado e no Congresso, Fernando Bezerra (MDB-PE) e Eduardo Gomes (MDB-TO), que fincaram pé. De acordo com eles, seria preciso pesar melhor os prejuízos que tal mudança traria à ‘reputação’ brasileira no exterior.

No fim, Nelsino Trad pediu mais tempo

E o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), retirou o tema de pauta, prometendo retomá-lo nos próximos dias. 

O projeto principal é de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), e propõe quebrar a patente de vacinas, testes e medicamentos para enfrentamento da pandemia. 

Foi apensada a ele outra proposta, de autoria de Otto Alencar (PSD-BA), Esperidião Amin (PP-SC) e Kátia Abreu (PP-TO), que prevê a licença compulsória do medicamento remdesivir. 

O clima esquentou na sessão. Paulo Paim e Nelsinho Trad choraram. 

Kátia Abreu se indignou: “Quanto à questão da patente, eu sou uma liberal, agora não sou uma liberal estúpida. Eu estou vendo o país chegar aos cacos. Eu não estou interessada em que o Itamaraty ou o governo brasileiro ache que isso vai dar uma afetação na reputação do Brasil. Se fosse para a gente falar em reputação aqui, nós precisaríamos de uma sessão e meia do Senado Federal para falar sobre reputação de governo, em todas as áreas, pelo que fizeram com o país e sua imagem no exterior. Vir falar de reputação numa hora dessas?

Os argumentos

Se eventualmente os projetos passarem no Congresso, a tendência é que os ministérios recomendem veto presidencial. Um dos argumentos é que o projeto de Paulo Paim suspende apenas algumas obrigações do TRIPS, acordo que regula direitos de propriedade intelectual no mundo, o que seria contra o ordenamento jurídico internacional. Segundo o governo, todo o acordo TRIPS teria que ser denunciado, o que traria insegurança jurídica para outros detentores de patentes, inclusive fora da área da saúde.

O ‘prejuízo à reputação’ se daria por se tratar de uma decisão isolada, que nada tem a ver com o debate que se arrasta há meses na Organização Mundial do Comércio (OMC), puxado pela Índia e África do Sul e com apoio da Organização Mundial da Saúde.

Segundo o governo, o fato de o Brasil bancar sozinho essa decisão poderia ter o efeito contrário, e inviabilizar o fornecimento de novas vacinas no futuro, por conta da tal insegurança jurídica. “Está se querendo se tomar uma decisão unilateral que não foi tomada nem pela Índia, nem pela África do Sul. O que esses países querem é uma decisão multilateral, para que possamos fazer isso no âmbito da OMC”, disse Bezerra. 

Bom… Ocorre que, como sabemos, o governo brasileiro tem se colocando insistentemente contra essa iniciativa coletiva.

Os técnicos do governo responsáveis por negociar com o Senado afirmam ainda que a quebra não permitiria acelerar a vacinação no país. Uma fonte anônima disse ao Valor que o Ministério da Saúde consultou laboratórios públicos e farmacêuticas brasileiras sobre o caso, e que a resposta deles, incluindo a da Fiocruz, foi que a fabricação de imunizantes não seria acelerada com a mudança.

Não temos conhecimento sobre se laboratórios brasileiros têm capacidade técnica para produzir no curto prazo vacinas de tecnologia mais nova, como as de mRNA (da Pfizer e da Moderna).

Segundo a mesma reportagem, “não bastaria o licenciamento compulsório de uma vacina ou medicamento, mas dominar cientificamente o ciclo de produção. O Brasil precisaria redescobrir e reproduzir a forma como são feitas vacinas de empresas como a Pfizer ou a Janssen, o que supostamente levaria meses ou anos. Além disso, faltariam insumos e capacidade produtiva dos laboratórios”. 

A avaliação de quem estuda patentes e acesso a medicamentos, no entanto, é bem diferente, até porque há vacinas mais fáceis de reproduzir.

No Intercept, o chefe do Departamento de Política de Medicamentos e Assistência Farmacêutica da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, Jorge Bermudez, diz que a aprovação do projeto em questão poderia ter efeitos benéficos imediatos: “no caso das vacinas para covid-19, o Brasil poderia trazer para o território nacional a produção de vacinas de maior reprodutibilidade e menor complexidade”.

Ele defende que “sem dúvidas” o licenciamento compulsório facilitaria a concorrência e acesso a esses produtos.

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