A aguardada CPI da Covid, enfim, será aberta — graças ao Supremo

Depois de sentar em cima do pedido de 31 senadores por dois meses, Rodrigo Pacheco vai instaurar comissão para investigar responsabilidade de Bolsonaro & cia na crise sanitária

O ministro Luís Roberto Barroso decidiu ontem pela abertura da CPI
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No dia em que o Brasil registrou 4.249 mortes, atingindo um novo recorde na pandemia, o ministro do STF Luís Roberto Barroso determinou a instauração da CPI da Covid no Senado. A decisão atende ao pedido dos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Cidadania-GO) que conseguiram coletar 31 assinaturas a favor da comissão –quatro a mais do que o necessário para sua abertura – mas, no meio do caminho, encontraram Rodrigo Pacheco (DEM-MG). 

Então recém-eleito, com apoio do governo, o presidente do Senado resolveu segurar o início da investigação que mira exatamente as omissões e sabotagens de Jair Bolsonaro e sua equipe ao longo da crise sanitária. Ontem, o pedido completou 63 dias dormitando na sua gaveta.  

Acontece que, como explicou Barroso, a CPI é um direito das minorias parlamentares garantido pela Constituição brasileira. Para ser instaurada, precisa de apoio de pelo menos um terço dos membros da casa legislativa; indicação de um fato determinado a ser apurado; e prazo certo de duração. Cumpridos os três requisitos, não cabe ao presidente da casa legislativa travar a CPI.

Mas foi exatamente este o caminho trilhado por Pacheco – que tentou se justificar dizendo que adotou um “juízo de conveniência e oportunidade” para não instalar a CPI. Para ele, o momento é “inapropriado” e a investigação pode representar “o coroamento do insucesso nacional do enfrentamento da pandemia”. Em documento enviado a Barroso, ele chegou a recorrer a filigranas burocráticos (disse que não havia a cópia deste documento e a certificação da assinatura daquele outro entre os papéis apresentados ao Supremo). Ontem, prometeu cumprir a decisão. 

“Os requisitos da Constituição são claros, e foram preenchidos. O presidente Pacheco infelizmente se recusava a fazer a leitura e a instalação fazendo um juízo de valor que não cabe a ele fazer, dizer se é conveniente ou não”, disse Alessandro Vieira, um dos autores do pedido ao STF, ao Estadão.

Em nota, o líder da minoria, senador Jean Paul Prates (PT-RN), afirmou: “É lamentável que o Congresso dependa de uma decisão do Judiciário para garantir o direito da minoria. É urgente que se apurem as ações e omissões do governo no enfrentamento da pandemia.”

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AM) foi na mesma linha: “Esperamos com urgência o início dos trabalhos para apurar os responsáveis pelo genocídio em curso no Brasil e por este atoleiro sanitário. Temos pressa! Há vidas em risco!”

Jair Bolsonaro recebeu a notícia com cinismo e ameaças. O presidente, que dias antes havia ironizado a primeira vez que o país ultrapassou a marca das quatro mil mortes (“Agora eu sou genocida”) e acusado governadores de falta de humanidade por adotarem medidas de isolamento social, disse que “o Brasil está sofrendo demais e o que menos precisamos é de conflitos” à CNN Brasil

Na mesma entrevista, ele afirmou que “seria bom se todo mundo jogasse dentro das quatro linhas” da Constituição e que a “população está cada vez mais se conscientizando”.

Não por acaso, a expressão foi usada horas antes, em uma cerimônia do Exército em que foi mais explícito: “Nós atuamos dentro das quatro linhas da nossa Constituição. Devemos e sempre agiremos assim. Por outro lado, não podemos admitir quem porventura procura sair deste balizamento”.

Na cerimônia, ele voltou a dizer “meu Exército”, mentiu que “ainda” integra a força, disse que o país vive uma “fase imprecisa” e que as Forças Armadas seguirão em “perfeita sintonia com os desejos da nossa população”. 

A decisão de Luís Roberto Barroso tem precedente. Em 2005, o então ministro Celso de Mello determinou que o Senado instalasse a CPI dos Bingos. 

Barroso liberou o processo da CPI da Covid para julgamento no plenário virtual do STF. A análise do caso começará na sexta-feira de semana que vem, e os ministros terão até a sexta seguinte para votar. Até lá, a decisão tomada ontem fica valendo.

A CPI tem o poder de convocar autoridades para prestar depoimentos, quebrar sigilos telefônico e bancário de alvos da investigação, indiciar culpados e encaminhar ao Ministério Público pedido de abertura de inquérito. 

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