O futuro tenebroso que querem para o SUS
Estudo aponta: com envelhecimento da população, Brasil deveria investir 12,8% do PIB em saúde, em 2060. Mas índice pode cair a 2% com o congelamento dos gastos sociais. Leia também: no EUA, luta pela saúde universal ganha força
Publicado 04/11/2019 às 10:04 - Atualizado 04/11/2019 às 13:00

Por Maíra Mathias e Raquel Torres
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O FUTURO NÃO DEMORA
 Pouco mais de um mês depois de estrear um blog no jornal Folha de S. Paulo, o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) de Armínio Fraga lançou seu primeiro relatório,  com o tema do futuro do financiamento da saúde no Brasil. A projeção é  feita com base nos últimos dados da Conta Satélite do IBGE para a saúde,  referentes a 2015, e traça cenários de financiamento para 2060. Há  quatro anos, o consumo final de bens e serviços de saúde ficou em R$ 546  bilhões, sendo o gasto público 42% desse total que equivaleu a 9,1% do  PIB brasileiro. No cenário base do estudo, o gasto total deveria chegar a  12,8% do PIB em 2060 – um crescimento de R$ 1 trilhão em relação a  2015, sendo R$ 459 bilhões correspondentes “às necessidades do setor  público”, segundo os autores. O envelhecimento da população é o  principal fator de pressão nos gastos, responsável, nesses cálculos, por  um aumento de R$ 299 bilhões em 2060, sendo R$ 133 bi no SUS. 
Mas a realidade, pelo menos a atual, não aponta para a  concretização deste cenário base. O estudo separa as necessidades de  financiamento das tensões futuras entre necessidades e gastos. Para  isso, simula outros cenários que levam em conta não só a Emenda  Constitucional 95, que congela os gastos públicos federais com políticas  sociais até 2036, mas um hipotético congelamento também nos níveis  estadual e municipal. No primeiro cenário, o teto federal leva a um  retração de 7% da participação pública no financiamento da saúde em  relação ao gasto total em 2060, com a proporção dos gastos estaduais e  municipais ganhando uma relevância absurda e chegando a 80%. Mas no  cenário extremo, de congelamento de gastos no setor público como um  todo, o Brasil ficaria mais próximo da média de alguns dos países mais  pobres do mundo, localizados na África Subsaariana, com menos de 2% do  PIB se convertendo em gasto público na saúde.
Os autores – Rudi Rocha, Isabela Furtado e Paula  Spinola – destacam três mensagens sobre o futuro da saúde no país: “Em  primeiro lugar, as necessidades de financiamento da saúde deverão  aumentar ao longo do tempo, não apenas em termos absolutos, mas como  proporção do PIB. Isso demandará um esforço da sociedade para a  mobilização de recursos e, não menos importante, para seu uso cada vez  mais eficiente. (…) Em segundo lugar, apesar da pressão futura, mesmo  sem quaisquer ganhos de eficiência, de acordo com as projeções do  cenário base deste estudo, as necessidades de financiamento do setor  público demandariam um incremento de gastos em torno de 1,6 pontos do  PIB em 2060. (…) Neste sentido, não encontramos evidências de que a  trajetória das necessidades de financiamento do SUS seja inerentemente  insustentável. Devido a sua escala, pela capacidade de coordenação da  prevenção e promoção da saúde através da atenção básica, e pelo enorme  potencial em termos de ganhos de produtividade, o SUS poderia contribuir  para a sustentabilidade do sistema mesmo sob um espaço fiscal restrito.  Em terceiro lugar, é possível que um cenário de restrições para os  gastos públicos, em particular de gastos federais, implique no aumento  da segmentação público-privada no financiamento e na provisão da saúde  no país, levando a potenciais perdas de equidade no sistema. Neste caso,  caberia à sociedade brasileira ponderar em que medida estaria disposta a  ceder ainda mais em termos de equidade em saúde em detrimento a outros  gastos. Também seria importante identificar em que medida e quão  duradoura será a restrição fiscal pela qual passa o setor público no  país, e refletir sobre suas implicações de longo-prazo para a saúde.”
O PLANO DE 20 TRILHÕES
Falando em financiamento, Elizabeth Warren, que é favorita na corrida democrata para as eleições presidenciais em 2020 nos EUA, finalmente detalhou o plano “Saúde para Todos”.  Ela estima que será necessário um orçamento de US$ 52 trilhões num  período de dez anos para transformar o esquema público que existe hoje  nos EUA, no qual apenas maiores de 65 anos e pessoas que precisam de  assistência social por questões de saúde são elegíveis para o seguro  público, em algo parecido com um sistema de saúde universal. Mas segundo  o plano, grande parte desse total de US$ 52 tri já é gasto pelo governo  federal, estados e cidades, deixando uma lacuna de US$ 20,5 trilhões  na próxima década. Grande entusiasta de reformar o capitalismo mirando  monopólios da tecnologia, Warren prometeu que essa diferença sairá dos  bolsos de bilionários e grandes empregadores – “nenhum centavo da classe  média”, é um dos slogans do texto. Importante reconhecer que a ideia  original de “Saúde para Todos” foi formulada por outro pré-candidato  democrata, o socialista Bernie Sanders.
LOCOMOTIVA DO EMPREGO
 O Instituto de Estudos de Saúde Suplementar lançou na sexta a primeira edição do Relatório de Emprego da Cadeia Produtiva da Saúde que, a partir de agora, deve ser elaborado mensalmente pela entidade. O levantamento mostra  que existem 5,1 milhões de pessoas empregadas formalmente no setor,  sendo 3,6 milhões de trabalhadores com carteira assinada na iniciativa  privada e 1,5 milhão de servidores estatutários no SUS nos três níveis  de governo. A marca revela um aumento de 3,4% no número de postos de  trabalho em relação a agosto de 2018, um saldo de 166,6 mil  contratações. Esse número representa 36% dos novos empregos gerados no  Brasil no período. De modo que se excluídos os empregos gerados na  saúde, a taxa de 1,1% registrada no país ficaria em apenas 0,8%. O  Sudeste concentra quase metade de todos os empregos do setor, com 46,8% –  o equivalente a 2,4 milhões de postos, sendo 515,5 mil deles de  servidores públicos. Em seguida, aparece a Região Nordeste, com um  milhão de empregos, sendo 563,7 mil CLT e 453,8 mil estatutários. 
NOVA COMPRA
 A Alphabet, empresa que controla a Google, anunciou a compra do Fitbit por US$ 2,1 bilhões. Segundo o Stat, o acordo transforma imediatamente o mercado de smartwatches e rastreadores de dados de saúde e bem estar,  colocando a Google diretamente contra a Apple. Com a compra, os dados  de quem usa Fitbit passam automaticamente para a empresa – que promete  não deixar os anunciantes usarem esse material para segmentar anúncios.
A reportagem diz que, nos últimos meses, a Fitbit vem construindo “agressivamente” um negócio de saúde: trata-se de uma divisão da empresa chamada Fitbit Health Solutions.  Há mais de um ano, ela lançou o Fitbit Care, destinado a empregadores e  planos de saúde que pagam para monitorar e treinar pessoas com  condições crônicas, incluindo obesidade, diabetes e hipertensão. Em  agosto, foi anunciado o Fitbit Premium, que ainda não foi lançado. A  ideia é cobrar dos consumidores por treinamentos e dicas extraídos a  partir de dados dos seus dispositivos, como smartwatches.
EMBOSCADA NO MARANHÃO
 Na sexta-feira, Paulino Guajajara e Laércio Souza Silva saíram para  caçar na Terra Indígena Arariboia, no Maranhão. Membros do grupo  Guardiões da Floresta – formado por mais de cem indígenas que, desde  2016, monitoram o território para combater a retirada ilegal de madeira e  focos de incêndio –, eles foram surpreendidos por uma emboscada: cinco  madeireiros começaram a atirar. Paulino, de 26 anos, morreu; Laércio  conseguiu fugir, baleado no braço e nas costas. Segundo a PM, não há  indícios de confronto. A terra indígena tem 413 mil hectares, onde vivem  cerca de seis mil indígenas Guajajara, ou Tenetehar, e Awá-Guajá  livres, ou seja, em situação de isolamento voluntário.
Laércio esteve depois com o cineasta Taciano Brito e com liderança indígena Fabiana Guajajara, que, por sua vez, relataram a conversa à Agência Pública.  “Esse recado é nosso. Aqui dentro do nosso território todos somos  guardiões. As mulheres, as crianças, os idosos. Laércio falou. Eu estou  falando. O que eles querem é nos intimidar, é nos calar é fazer ter  medo. E o que a gente precisa dar como resposta é dizer que, independente de quem morra, independente do que aconteça  a gente vai dar continuidade à luta. E que hoje morreu um Paulino mas é  uma semente. Laércio disse: ‘hoje caiu uma semente chamada Paulo mas  vai germinar mais guerreiros’. Isso não vai nos enfraquecer”, afirmou  Fabiana.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) publicou nota  responsabilizando o Estado brasileiro. O texto lembra que essa não foi a  primeira emboscada na região da aldeia Lagoa Comprida – em 2007, o  indígena Tomé Guajajara foi assassinado; no ano seguinte, madeireiros  invadiram a aldeia Cabeceira, atirando contra os indígenas; em 2015, um  agente do Ibama foi atacado a tiros e sobreviveu. Mas afirma também que  vem denunciando o aumento recente das invasões, ao mesmo tempo em que o  Ibama e a Funai estão sendo desmantelados neste governo: “De tal forma  que não nos cabe apenas exigir a apuração do fato em si,  mas denunciar quem tem incentivado e permitido invasões a Terras  Indígenas associadas a atentados, assassinatos, ameaças, esbulhos,  incêndios criminosos. E quem tem incentivado é o próprio presidente,  como ele mesmo admitiu no caso das queimadas.”
PRINCIPAL SUSPEITO
 Na sexta, a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão  em empresas ligadas à companhia proprietária do navio Boubolina, que se  tornou o principal suspeito de causar o vazamento de óleo que atinge o  litoral do Nordeste. Segundo a Marinha e o Ministério da Defesa, a  investigação que chegou ao resultado contou com estudo de influência das  correntes oceânicas, análise de tráfego marítimo, uso de  geointeligência e análise química dos resíduos. No sábado, a grega Delta  Tankers, empresa proprietária da embarcação, negou a acusação e afirmou que ainda não havia sido procurada pelas autoridades brasileiras.
Também no sábado, a Marinha, ANP e Ibama confirmaram que manchas de óleo atingiram o Parque Nacional de Abrolhos. Enquanto isso, o ministro do Meio Ambiente foi flagrado relaxando numa praia no litoral paulista. Na véspera, ele tinha sido denunciado à Comissão de Ética da Presidência da República pela bancada do PSOL na Câmara por propagar fakenews.
CEM ANOS DE FOME
 Uma longa reportagem no El País espanhol examina o cenário da fome na Guatemala.  Lá,19% da população sofre de insegurança alimentar e a desnutrição  crônica afeta 46,5% das crianças – a maior taxa da região da América  Latina e Caribe. Entre 1995 e 2015, essa taxa foi reduzida em 8,5%. Mas,  nesse ritmo, levaria um século para erradicar o problema, segundo um  relatório da Oxfam.
A falta de nutrientes suficientes durante a primeira  infância impede o desenvolvimento físico e cognitivo normal. E mesmo a  pífia redução no percentual de desnutrição crônica não acontece por  igual: nas regiões pobres e indígenas, ela aumenta. A proporção de  crianças menores de cinco anos afetadas pelo atraso no crescimento subiu  de 60,7% em 2016 para 67,8% em 2019. Ao mesmo tempo, 37% do país não  tem saneamento e 61% não tem água potável em casa, o que leva a mais  doenças… E a Guatemala destina penas 2,2% do PIB à saúde (no Brasil  são 8%, sendo que os gastos públicos são 3,8%).
NO AR
 Depois que os níveis de poluição do ar dispararam na sexta-feira, Nova  Deli declarou estado de emergência em saúde pública. O governo começou a  distribuição de milhões de máscaras para crianças, proibiu construções,  cancelou as aulas até amanhã e impôs uma diminuição de veículos  particulares circulando. Para o ministro-chefe, Arvind Kejriwal, a culpa  é de agricultores que queimam sobras de palha após a colheita de grãos.  Mas cientistas e ativistas apontam que não se pode responsabilizar uma  fonte isolada: também entrariam na conta fatores como as emissões de  chaminés da indústria, a incineração de resíduos urbanos e a fumaça de  veículos poluentes. E especialistas criticam as medidas emergenciais do governo no site Health Policy Watch.  Por exemplo, uma decisão do Ministério do Meio Ambiente de instalar  filtros modernos em usinas da região até 2017, que potencialmente  reduziria os níveis médios de poluição em 30%, foi adiada por mais de  dois anos e deve permanecer estagnada até 2020. Além disso, veículos que  fornecem grande parte do transporte público ainda funcionam com motores  mais poluentes. E, não menos importante, a poluição vinda das queimas  da agricultura cresceu, à medida que cultivos variados foram  substituídos gradualmente pelo arroz, produzido principalmente para  exportação e sugando recursos hídricos escassos.
BEM MAIS VULNERÁVEIS
 De posse de dados de cem milhões de brasileiros, pesquisadoras da  Fiocruz, UFBA e UFF investigaram os determinantes sociais e econômicos  na incidência de hanseníase. E descobriram que a vulnerabilidade social é  praticamente um fator de risco para a doença. Ser negro pode elevar o  risco de contrair a enfermidade em até 40%, e crianças e jovens negros  com até 15 anos têm 92% mais chances de ter hanseníase do que brancos na  mesma faixa etária. Pessoas em situação de miséria ou pobreza (que não  dispõem de nenhuma renda ou que ganham até cerca de R$ 250 mensais)  acabam tendo um risco 40% maior do que aqueles que recebem mais de um  salário mínimo. O estudo também destaca que a população das regiões  Norte e Centro-Oeste tem, aproximadamente, oito vezes mais chance de  contrair hanseníase do que habitantes da região Sul. Quando a observação  fica circunscrita a crianças, as que que vivem no Norte, tem  probabilidade 34 vezes maior se desenvolver a enfermidade do que  crianças de Santa Catarina, do Paraná e Rio Grande do Sul. Os resultados foram publicados no Lancet Global Health em julho, mas viraram notícia apenas agora, graças à reportagem da Agência Brasil. 
AGENDA
 Começa hoje o Congresso Brasileiro de Agroecologia, em Sergipe. Vai até o dia 7. 
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