Saúde: em xeque o financiamento da atenção básica

Gestores discutem hoje o tema, sem nenhuma transparência. Propostas e pauta da reunião não foram divulgadas e há risco de diminuição de recursos para municípios. Leia também: ministros dizem que óleo vazado não faz mal à saúde

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Por Maíra Mathias e Raquel Torres

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DIA DECISIVO PARA ATENÇÃO BÁSICA

O assunto tinha saído da pauta da reunião da Comissão Intergestores Tripartite, instância que junta Ministério da Saúde e representantes dos gestores estaduais e municipais de saúde. Mas ontem, começou a circular em grupos de WhatsApp o documento do que será discutido hoje, daqui a pouquinho, em Brasília. E está lá a discussão e pactuação da proposta do governo federal de mudança no financiamento da atenção primária à saúde.

Ontem, nove entidades do movimento sanitário entregaram uma carta dirigida ao ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, alertando sobre os riscos da proposta. Entre eles, o fato de que a mudança deve diminuir o montante de recursos investidos em vários municípios, como temos falado por aqui. Aliás, o Conasems – entidade que representa os secretários municipais de saúde – sofre pressão da sua base para adiar a pactuação na CIT.  

O documento também pede algo básico: que a Pasta forneça documentação formalizada sobre a sua proposta. Isso porque, até agora, só o que se conhece são slides de power point apresentados por autoridades do Ministério. A falta de transparência, de fato, atravessa a discussão. Quem quis saber sobre a pauta da reunião de hoje não encontrou a informação na área do site do governo reservada à CIT. (Aliás, a última atualização por lá foi feita em agosto.)

O Conselho Nacional de Saúde, por seu turno, acusa mais uma vez os gestores de passarem por cima das atribuições do controle social ao sinalizarem decisão sobre uma mudança tão grande no financiamento da atenção básica sem antes sequer apresentar a proposta ao plenário, composto por representantes da sociedade civil, entidades científicas, trabalhadores e prestadores de serviços do SUS.

A reunião começa às 9h e vai até meio dia. Normalmente, pode ser assistida ao vivo pelo DataSUS

ELEMENTAR

Ontem, Mandetta participou de uma audiência pública na Câmara. E comentou sobre o vazamento de óleo no Nordeste. Indo contra a avaliação de especialistas que vem sendo divulgadas nas últimas semanas, o ministro afirmou que não existe “nenhum elemento” que leve a Pasta a confirmar que o petróleo cru faz mal para a saúde. E é isso que leva o Ministério da Saúde a não fazer “nenhum tipo de intervenção, nem por princípio de precaução”. Ainda de acordo com ele, “dois ou três laboratórios diferentes” estão coletando amostras, como espécies de animais e plantas, de diferentes biomas. 

A colega de Esplanada, Tereza Cristina, também estava na audiência. Segundo a ministra da Agricultura, que sempre gosta de dar opinião sobre assuntos de saúde, os voluntários na limpeza das praias que passaram mal foram afetados pelo material usado para retirar o óleo: “Como disse o ministro Mandetta, não temos nada no laboratório que possa dizer que ela é tóxica. Ela é suja, ela é ruim, enfim, tem que resolver o problema, mas o que aconteceu com essas pessoas foi, se não me engano, benzeno”. 

Enquanto isso, a Fiocruz divulgou uma nota sobre o vazamento com uma avaliação bem diferente: “Chama a atenção o fato de que os dados divulgados sobre os locais atingidos apontam para situações e níveis de contaminação diversos: diferentes grupos populacionais, como militares e defesa civil, pescadores e marisqueiras, voluntários, entre outros, estão expostos aos riscos de contaminação, seja pela inalação, pelo contato dérmico ou pela ingestão de alimentos contaminados.” Não é a primeira instituição científica a fazê-lo. Na semana passada, por exemplo, o Programa de Pós-Graduação em Saúde, Ambiente e Trabalho da Universidade Federal da Bahia defendeu que o governo declarasse estado de emergência em saúde pública no Nordeste. 

Falando em Ministério da Agricultura, um dia depois de proibir a pesca de lagosta e camarão, a Pasta voltou atrás. Diz ter chegado à conclusão de que não tem havido contaminação das espécies marinhas que justifique a paralisação da atividade pesqueira. 

E, segundo o presidente interino Hamilton Mourão, as investigações do governo sobre o culpado pelo vazamento “estão chegando lá”. Mas qualquer anúncio só vai ser feito depois que Jair Bolsonaro voltar ao Brasil. O comandante da Marinha, Ilques Barbosa Junior, confirmou que a apuração se aproxima da hipótese de que um navio mercante tenha sido responsável pelo acidente. 

Por outro lado, causou incerteza a divulgação de que pesquisadores das universidades federais de Alagoas (Ufal) e do Rio de Janeiro (UFRJ) detectaram, separadamente, por satélite da Agência Espacial Europeia uma gigantesca mancha de óleo no mar, próxima ao litoral sul da Bahia. E, pelo padrão da mancha, eles afirmam que o mais provável é que ela tenha vindo do fundo do oceano. Tanto a Marinha, quanto o Ibama negaram que a mancha seja óleo. 

PASSOU NA COMISSÃO

Quem chegou a acompanhar um pouco do debate na comissão especial da Câmara dos Deputados que discute a mudança no marco legal do saneamento viu que o assunto divide muito opiniões. A oposição tentou obstruir a votação e ganhar tempo, mas depois de oito horas de debate, o projeto de autoria do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) foi aprovado. O PL é apoiado pelo setor privado, que ganha espaço no setor, e também pela equipe econômica do governo Bolsonaro, pró-privatização, e criticado por pesquisadores e entidades que representam as empresas públicas de água e saneamento e os municípios.  Agora, a proposta segue para votação no plenário da Casa. E, como foi modificada pelos deputados, precisa voltar para o Senado. 

CHEGANDO NOS RICOS

A febre tifoide, que causa febre, dor de cabeça, dor abdominal e constipação ou diarreia, é uma doença bacteriana associada à falta de saneamento básico e às más práticas de higiene. Mas a bactéria está se espalhando pelas fronteiras internacionais e, além de casos no Paquistão, Índia e Bangladesh, sua presença já está sendo relatada em países como Estados Unidos, Alemanha, Canadá, Austrália e Reino Unido. “O retorno da febre tifoide é um choque para os sistemas de saúde nos países mais ricos. Entre o final do século 19 e a década de 1950, melhorias sanitárias, vacinas eficazes e antibióticos eliminaram a febre tifóide endêmica da maioria dos países de alta renda. Porém, após uma vida de relativa segurança, a perspectiva de que a doença cause novamente a morte em hospitais ricos não é mais uma ideia estranha”, descrevem Claas Kirchhelle e Samantha Banderslott, pesquisadores da Univerisidade de Oxford, no site The Conversation.

Por quê? Segundo os autores, o fato é que a doença nunca saiu de cena no mundo, mas se tornou negligenciada depois que conseguiu ser controlada nos países de alta renda. A negligência agora mostra seu preço, num tempo em que há intensas viagens internacionais e, junto a isso, uma forte resistência das bactérias aos tratamentos. Uma cepa paquistanesa – a XDR – tem se mostrado resistente a todos os antibióticos disponíveis, exceto a azitromicina.

BEM CRUEL

Foi nos anos 1940, na Suécia: crianças e adultos com deficiências intelectuais foram deliberadamente entupidos com doces para que cientistas descobrissem o que acontecia com seus dentes. Na época, havia uma epidemia de cáries no país, mas ainda não se sabia o que causava o problema, embora houvesse pistas – já que, em orfanatos, onde as crianças não tinham acesso a guloseimas, a incidência fosse menor. O governo então encomendou uma pesquisa sobre o papel da dieta e dos doces na formação das cáries. E ficou decidido que o local ‘perfeito’ para a realização do estudo seria uma instituição de saúde mental chamada Vipeholm.

No início, os dentes das crianças estavam mais saudáveis do que os da população sueca como um todo. A pesquisa teve etapas diferentes, durou vários anos e mostrou que, quanto mais as crianças comiam doces (incluindo um caramelo especialmente desenvolvido para grudar melhor), mais cáries tinham. No grupo submetido a mais açúcar, os dentes ficaram destruídos. O detalhe é que, depois, os pesquisadores decidiram não tratar as cáries das pessoas que se assustavam com a broca ou que, simplesmente, eram considerados pacientes ‘inferiores’, com deficiências mais graves.

A matéria da CNN diz que, na época, pessoas com deficiências eram consideradas “sub-humanas”, e fazer experimentos com elas era comum. E esse argumento foi usado por um dos autores do estudo sueco para defendê-lo… 50 anos depois. “Minha reflexão agora é que o estudo de Vipeholm ilustra dois ditos conhecidos: um: o fim às vezes justifica os meios; e dois: é fácil ser sábio após o evento”, escreveu ele, alegando que, após seu trabalho, começaram as pesquisas sobre adoçantes artificiais e políticas de prevenção às cáries.

HORROR

Consumo de drogas – especialmente a metanfetamina em cristal e opiáceos – aumentando exponencialmente, famílias desesperadas, clínicas públicas em número suficiente e centros de reabilitação privados que podem cobrar até US$ 1,5 mil por um programa de três meses: esses fatores, combinados, levam à proliferação de clínicas clandestinas no México, conhecidas como “anexos”. “Já estive em lugares onde me penduraram pelas pernas, me cobriram de merda e me fizeram comer caldo de oso [uma sopa feita com vegetais pobres]. Eles acham que bater nas pessoas e gritar que elas vão morrer vai fazer alguém parar de usar drogas”, disse à Vice Enrique Martinez, que foi internado numa delas.  Mas, segundo a reportagem, a violência física e psicológica é comum mesmo nas clínicas registradas. E a internação está longe de resolver o problema do vício. Numa das instituições visitadas pela reportagem, a taxa de sucesso era de apenas 7%.

ANTICRIME

O grupo de trabalho criado para analisar o pacote anticrime de Moro concluiu ontem o relatório que vai à votação no plenário da Câmara. O texto deve ser apresentado oficialmente Rodrigo Maia hoje, para ser votado já em novembro. A Ponte informa que quase 80% do parecer inicial elaborado pelo relator, o deputado Capitão Augusto (PL-SP), foi aprovado pela comissão. Mas as alterações foram significativas. Entre os acréscimos: a possibilidade de a Polícia Federal investigar as milícias. Entre os dispositivos que saíram de cena: o excludente de ilicitude, totalmente limado após a morte de Ágatha Félix.

REAÇÃO

Associações médicas e entidades de defesa do consumidor lançaram ontem a Frente Contra os Ataques de Planos de Saúde, movimento contrário às mudanças na lei do setor propostas pelas próprias empresas que deveriam ser reguladas. Entre os mais de 30 signatários do manifesto estão o Conselho Federal de Medicina, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e a Associação Paulista de Medicina. Foi criado um site para receber denúncias, informar os riscos das mudanças a beneficiários, profissionais e órgãos de defesa do consumidor e angariar adesões para o movimento. Há ainda uma petição online que será encaminhada a parlamentares, gestores públicos, entidades médicas entre outras organizações pedindo para que se posicionem contrariamente às mudanças. Quem quiser participar pode clicar aqui e preencher o formulário da petição.

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