No pós-golpe, pobreza extrema chega ao máximo

Em 2018, 13,5 milhões de pessoas viviam com menos de R$ 145 por mês. Se aprovado, pacote de ataque aos gastos sociais de Guedes & Bolsonaro tem tudo para piorar desigualdade e miséria. Leia também: descoberto novo subtipo do HIV

Foto: Marcelo Casal / Agência Brasil
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Por Maíra Mathias e Raquel Torres

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TANTOS E TÃO INVISÍVEIS AO GOVERNO

Em 2012, o IBGE começou a medir o número de brasileiros que vivem na extrema pobreza, ou seja, com até R$ 145 mensais. E o resultado nunca foi tão ruim como em 2018. O Instituto divulgou ontem o levantamento de indicadores sociais que revela que 13,5 milhões de pessoas se encontravam nessa situação ano passado – um aumento de 200 mil diante de 2017. Tem mais: desde 2014, início da crise econômica, o número de miseráveis cresceu em 4,5 milhões, o que equivale a um salto de 50% em apenas quatro anos. 

O perfil da extrema pobreza no Brasil tem cor, idade e escolaridade: 75% das pessoas nessa situação se declaram pretos e pardos (75%), 96% têm até 59 anos e 60% não tem nenhuma instrução ou não chegaram a completar o ensino fundamental. Pode parecer incrível, mas 13,6% dos brasileiros ganhando até R$ 145 por mês possuíam alguma ocupação em 2018 – obviamente, como ressaltou à Época Leonardo Athias, da Coordenação de População e Indicadores Sociais do IBGE, muitos desses vínculos são informais, com baixas remunerações. O Maranhão é o estado com maior número de pessoas com rendimento abaixo da linha da extrema pobreza (19%). E Santa Catarina o que vai melhor, com 1,4% da sua população nessa condição.

E tudo isso nos leva de novo a ele, o pacote de Paulo Guedes. O grande pacote do governo Jair Bolsonaro. Segundo o El País, até mesmo parlamentares liberais receberam com susto as medidas. “A principal crítica é a de que faltou povo nas propostas, ou seja, faltaram ações sociais que visem diretamente a população pobre e extremamente pobre (…). Uma das avaliações feitas à reportagem é que a lógica do plano do ministro da Economia segue sendo a dos anos de ditadura militar, no qual acreditava-se que bastava melhorar os índices econômicos para gerar mais empregos e retirar a população da pobreza”, relata o repórter Afonso Benites. 

Em meio à miríade de itens presentes nas três PECs que compõem o chamado ‘Plano Mais Brasil’, está uma alteração que pode, isso sim, golpear ainda mais os mais pobres. O Benefício de Prestação Continuada (BPC) – pago para idosos ou portadores de necessidades especiais cuja renda familiar é de um quarto de salário mínimo per capita – seria desvinculado do salário mínimo. E isso já foi tentado por Guedes, foi uma das propostas da PEC da reforma da Previdência amplamente discutidas e, enfim, rejeitadas no Congresso. Incansável, o ministro colocou a mudança na PEC do Pacto Federativo. Aliás, segundo estudos elaborados por técnicos das bancadas da oposição ao governo na Câmara e no Senado, o pacote tem medidas ilegais – como esta do BPC – justamente porque foram rejeitadas recentemente pelo Congresso. Outra do tipo é suspender o repasse do FAT, o Fundo de Amparo ao Trabalhador, ao BNDES. Para reapresentar as mesmas ideias, o governo teria de esperar no mínimo um ano. 

SINAL DE SUCESSO?

A farmacêutica Takeda apresentou ontem resultados preliminares de seus testes para uma nova vacina contra a dengue. Mas todo cuidado ao observá-los é pouco – especialmente se lembrarmos o fiasco que foi o uso da Dengvaxia, da Sanofi, que acabou tornando a doença mais grave em pessoas que não haviam sido infectadas anteriormente (reveja aqui).

O novo estudo,  publicado no New England Journal of Medicine, englobou mais 19 mil crianças e adolescentes em oito países. E os resultados são de gerar otimismo: ao considerar todas os quato sorotipos do vírus da dengue, a vacina demonstrou uma taxa geral de eficácia de 80,2%. O problema é que apresentar os resultados assim, ‘misturados’, esconde nuances, como mostra o Stat. No sorotipo 2 (que voltou a circular no Brasil este ano), a taxa de efetividade foi de impressionantes 97,7%. Mas a eficácia em outras duas linhagens (DENV-1 e DENV-3) foi muito menor, com 73,7% e 62,6%, respectivamente. Não havia dados suficientes para avaliar até que ponto a vacina mitigou o sorotipo 4.

Scott Halstead, especialista aposentado em dengue que publicou um alerta sobre os problemas com Dengvaxia anos atrás – e depois atuou em um conselho consultivo da Takeda – diz na reportagem que a nova vacina mostra alguma evidência de proteção a crianças que não foram expostas ao vírus antes. Mas ele também diz que é preciso investigar melhor a segurança. “Teremos que esperar para descobrir para onde está indo essa proteção – ela se estabilizará ou piorará? É um relatório preliminar.”

HIV: NOVO SUBTIPO ENCONTRADO

O HIV tem vários subtipos ou cepas diferentes e, como outros vírus, tem a capacidade de sofrer mutações ao longo do tempo. Agora, pela primeira vez em 19 anos, pesquisadores identificaram um novo subtipo do HIV. Batizado de ‘subtipo-L’, ele foi apresentado ontem em um artigo do Journal of Acquired Immune Deficiency Syndromes, e a identificação veio a partir de amostras de três pacientes da República Democrática do Congo. Essa mutação aconteceu na versão mais comum do vírus, o HIV do grupo M, que é encontrado em todo o mundo. Os autores dizemque é importante saber quais cepas do vírus estão circulando para garantir que os testes utilizados para detectar a doença sejam eficazes. Quanto ao controle, não está claro se essa variante pode afetar o corpo de maneira diferente e, por enquanto, acredita-se que os tratamentos atuais possam combatê-la.

FALTA ACESSO

A revista The Economist publicou recentemente o resultado de uma pesquisa sobre o controle do câncer no mundo, combinando dados objetivos e a avaliação de dezenas de especialistas sobre 28 países. Em relação a políticas e planejamento, o Brasil ficou bem: terceira posição. Mas no que diz respeito à prestação de serviços e sistema de saúde, ficou em 10º e 14º, respectivamente. Numa longa entrevista ao Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, o médico Luiz Santini – que dirigiu o Inca por dez anos – comenta esses resultados e analisa por que, apesar de o Brasil ter uma boa estrutura para o tratamento, o acesso equânime aos serviços não foi alcançado. E, quando fala de acesso, ele sequer se refere apenas às novas e caríssimas tecnologias, como a genômica e as imunoterapias. É ainda sobre o que é “clássico no tratamento: cirurgia oncológica em estágios iniciais da doença, radioterapia e quimioterapia básica”.

Ao lado de fatores mais evidentes, como a falta de financiamento adequado para o SUS, ele coloca outros, menos comentados mas interessantes de se pensar. Como uma questão da própria estruturação do Sistema, pensada num momento em que o doenças degenerativas e câncer eram inexpressivas do ponto de vista epidemiológico, enquanto reinavam infecções, mortalidade infantil e doenças transmissíveis. “O foco da resolução desses problemas estava na atenção básica, no nível local. Tivemos êxito nesse processo, reduziram-se aqueles problemas citados, houve impacto extraordinário. No entanto, ao se modificar o quadro epidemiológico, no que diz respeito às doenças crônicas degenerativas e a sobrevida da população, a estrutura não está preparada. Essa mudança não foi assimilada pelo sistema, que continuou organizado da forma anterior. E o motivo disso não é técnico, mas político. O processo de municipalização levou a isso. (…) Mais de 90% dos municípios têm menos de 50 mil habitantes. Esse número não constitui base populacional para se programar o financiamento adequado ao atendimento de câncer, uma vez que essa programação se dá estimando-se um percentual sobre a população. O número de casos em uma população de 50 mil pessoas fica inexpressivo. (…) Seria preciso regionalizar, programar os recursos por região, e não por município”, defende.

DEPOIS QUE PASSA

Pesquisadores da USP e da London School of Hygiene & Tropical Medicine, no Reino Unido, estudaram o que aconteceu com 15 mil pacientes diagnosticados com tuberculose em 2010 no estado de São Paulo. Viram que, nos cinco anos que se seguiram ao diagnóstico, 17% deles morreram. E, mesmo após o tratamento, o grupo que apresentou a doença teve quatro vezes mais mortes do que a média da população paulista em geral. Mas suas complicações de saúde nem sempre vêm por conta da tuberculose propriamente: certas condições sociais – que, por sua vez, estão relacionadas ao desenvolvimento da doença – têm grande implicação. Morreram 34% dos que estavam em situação de rua; 24% dos que usavam álcool ou drogas ilícitas; 26% dos que tinham diabetes; 25% dos que possuíam alguma doença mental; e 8% dos que estavam privados de liberdade.  “As análises nos permitem dizer que um dos fatores de risco mais graves para o paciente é a sua vulnerabilidade; para tratar o doente, é preciso tratar também a desigualdade social”, diz Otavio Tavares Ranzani, principal autor.

SARAMPO

A secretaria estadual de Saúde de São Paulo confirmou ontem mais uma morte por sarampo. No total, agora são 14 óbitos contabilizados no estado por conta da doença este ano. No Brasil, segundo os últimos dados divulgados pelo Ministério da Saúde, de outubro, o único óbito fora de SP aconteceu em Pernambuco, o que resulta num total de 15 mortes causadas pela doença no país em 2019. 

APROVADA

O Senado aprovou ontem, em primeiro e segundo turnos e por unanimidade em ambos, a PEC que torna imprescritíveis os crimes de feminicídio e estupro. A proposta ainda precisa ser votada em dois turnos na Câmara.

PREVIDÊNCIA

Também ontem, o Senado aprovou, em primeiro turno, o texto-base da PEC Paralela da Previdência, que inclui estados e municípios na reforma. Foram 56 votos a favor e 11 contrários. Na semana que vem, serão votados quatro destaques ao texto. Se passar em uma votação de segundo turno (o que tudo indica, deve acontecer), a PEC segue para a Câmara dos Deputados.

Falando em Previdência, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), marcou para a próxima terça-feira (12), às 10h, a sessão solene para promulgar a reforma. 

AGENDA

Na Câmara, sete comissões permanentes fazem hoje um seminário conjunto para debater os 30 anos da política de Redução de Danos.

Ao mesmo tempo, no Rio, o relatório da 16ª Conferência Nacional de Saúde vai ser lançado na Fiocruz. 

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