O financiamento do SUS nas mãos do STF

Ministros podem anular corte de financiamento do SUS — decidido por Temer e mantido por Guedes. Leia também: contra Jair, Eduardo Bolsonaro propõe isentar médicos estrangeiros do Revalida; fabricantes de cigarro podem ter de ressarcir gastos do SUS

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NAS MÃOS DO STF

Hoje o plenário do STF deve decidir sobre medidas relacionadas ao SUS. Entre as cinco em pauta, quatro se referem ao acesso a tratamentos e medicamentos. Mas há algo mais: vai ser julgada também a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5595, que examina o retrocesso no piso federal no setor com a Emenda Constitucional 86/2015. A ação pede a suspensão da redução do financiamento federal para a saúde. Para quem não lembra, essa emenda foi promulgada no governo Temer, antes do congelamento dos gastos, e vincula o gasto mínimo da União com saúde a 15% da sua receita corrente líquida. Já em 2016 os efeitos foram sentidos, porque o volume de recursos obtidos pela nova regra foi menor do que o do ano anterior.

A procuradora do Ministério Público de Contas de SP Élida Pinto defende, em artigo do Conjur, que este é o ponto mais importante do dia, porque dá ao STF “a oportunidade de enfrentar impasse federativo na regressividade da participação proporcional da União no custeio do SUS”. Ela lembra que há dez anos o STF promoveu uma enorme audiência pública sobre a judicialização e, já na época, o Supremo já afirmava a necessidade de deslocar o problema da “macrojustiça orçamentária”, basicamente relacionada à insuficiência de recursos da União que sustentem o sistema. O oposto disso seria a “microjustiça”, quando o Judiciário analisa casos concretos de demandas individuais – e que tem sido predominante. De 2018 a 2017, lembra a autora, o número de demandas cresceu 130%.

“É deveras frustrante constatar que o debate maturado direta ou indiretamente há uma década se repete como problema presente que voltará amanhã [hoje] à tona na pauta do plenário do STF em litígios quase totalmente semelhantes e, por óbvio, ainda não resolvidos”, escreve.  

Quanto à pauta ‘microjurídica’: ontem foi publicada uma liminar concedida pelo presidente do STF Dias Toffoli para livrar o município de Jundiaí (SP) de pagar o remédio Spiranza para um paciente com Atrofia Muscular Espinhal. Uma única dose custa quase R$ 300 mil, e o Supremo já havia definido que o fornecimento de tratamento adequado é de responsabilidade solidária dos entes federados. No entendimento de Toffoli, o que compete ao município é o “atendimento básico”, enquanto o financiamento dos de alta complexidade deve se dar de forma compartida entre estados e União ou apenas pela União. Segundo o Ministério da Saúde, só no ano passado o governo federal pagou R$ 115,6 milhões para fornecer o Spiranza a 90 pacientes que conseguiram decisões favoráveis na Justiça e, ao todo, foram R$ 1,2 bilhões com remédios em decorrência de ordem judicial.

SOBRE HOMOFOBIA

E amanhã à tarde deve ser retomado no Supremo o julgamento sobre a criminalização da homofobia. A última sessão foi em fevereiro e já havia quatro voto favoráveis.

ALGUÉM ESTÁ GANHANDO

A Taurus aproveita muito bem o decreto sobre a posse e o porte de armasassinado por Bolsonaro no dia 8. Com uma ajudinha do Jornal Nacional. Quando o decreto foi lançado, as ações da empresa subiram 17%; ontem, chegaram a subir 9% e fecharam com alta de 7,6%. É que, na segunda à noite, o telejornal reavivou o tema afirmando que o documento permitia a qualquer cidadão a compra de fuzil T4, restrito hoje só aos militares. Em cima disso, ontem a empresa disse que já tem uma fila de espera de dois mil clientes. O porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Bastos, afirmou que o governo avalia fazer mudanças no decreto, e este é um dos pontos que podem mudar. 

Enquanto isso, a Anistia Internacional lançou uma campanha chamada ‘Brasil para todo mundo‘, uma tentativa de conscientizar sobre questões de direitos humanos no país. Segundo a organização, o discurso de desrespeito do presidente se reflete nas medidas do governo. Entre elas, é destacada a flexibilização do acesso a armas, junto com a nova política de drogas e vários dispositivos do pacote anticrime. 

MAIS UMA CRISE FAMILIAR

Acontece nos Bolsonaro: depois de Jair dizer mil vezes que médicos estrangeiros não podiam atuar aqui sem revalidação dos diplomas, o filho Eduardo apresentou o projeto de lei 2842/2019, que altera a LDB isentando profissionais do Mais Médicos – “ou de outro que venha a substituí-lo” – de fazer o exame. Segundo o texto, a revalidação nesse caso se daria por “análise curricular” feita por alguma instituição de ensino superior brasileira reconhecida pelo MEC. O vice-presidente do Conselho Federal de Medicina, Mauro Luís Ribeiro, falou sobre isso ao UOL: “O deputado atravessou essa discussão. Quando pedimos uma audiência com o presidente, ele nos recebeu em dez dias. Tivemos quase uma hora e meia de reunião. Falamos sobre alguns temas, como o Revalida, e ele foi muito receptivo. Esse já tinha sido um compromisso de campanha”.

QUE PAGUEM

A AGU protocolou ontem uma ação civil pedindo à Justiça Federal que condene fabricantes de cigarro a ressarcirem os gastos do SUS com tratamento de doenças causadas pelo tabaco nos últimos cinco anos, porque o poder público gasta dezenas de bilhões de reais por ano com isso. Os procuradores fundamentaram a ação argumentando que, durante muito tempo, as empresas esconderam da população os efeitos nocivos do tabaco, omitindo e manipulando informações e adotando estratégias comerciais de má-fé. Os alvos da ação são as empresas Philip Morris e Souza Cruz, além de suas controladoras internacionais. Juntas, elas detêm cerca de 90% do mercado nacional de fabricação e venda de cigarros. 

LOBBY PESADO

E o jornal inglês The Guardian mostra, a partir de e-mails internos, como a indústria de produtos químicos pressiona agências de regulamentação. Em última instância, luta contra a própria ciência, batendo de frente com pesquisas que relacionam o desenvolvimento de doenças com substâncias como o formaldeído e o TCE (usado em limpeza a seco). 

SÓ ELOGIOS

Entre janeiro e junho do ano passado o setor da saúde formalizou um total de US$ 221,6 bilhões em fusões e aquisições, o que significa 11,3% no total de transações. Por aqui, é na medicina diagnóstica que se concentra esse crescimento,e o Estadão publicou um artigo de Lídia Abdalla, CEO da Sabin – uma das grandes empresas da área. Evidentemente, é elogiosa ao processo, que garantiria ganhos de eficiência, redução dos custos operacionais e maiores investimentos. “Com tantos movimentos indicativos de transações, o cenário de saúde alinha-se à expectativa positiva de uma retomada gradual de crescimento econômico no país, que deve ganhar mais força após a aprovação das reformas que seguem em discussão no governo”, escreve ela, apontando um futuro em que as empresas ganharão “fôlego para investir e contratar” e o desemprego vai diminuir. Com as reformas, garante, “chegamos a um ciclo virtuoso no qual todo o sistema de saúde brasileiro ganha“.

HISTÓRIA DE TERROR

Depois de algumas crianças entre dois meses e oito anos de idade serem diagnosticadas com o vírus HIV numa cidade paquistanesa, mais de dez mil pessoas fizeram testes, e os resultados foram terríveis: havia 113 resultados positivos para adultos, e nada menos que 494 crianças infectadas. Na maior parte dos casos, os pais não tinham o HIV. De onde veio a epidemia? As investigações apontam que o mais provável é que a transmissão venha se dando por más práticas que já foram localizadas em pelo menos 500 clínicas, laboratórios e bancos de sangue – como a reutilização de seringas e transfusões de sangue não-testado. Outra fonte de contaminação pode ser o uso de lâminas contaminadas em barbearias, onde muitas famílias levam seus filhos para a circuncisão. 

MAIS UM PROBLEMA

Adolescentes e jovens negros têm maior risco de cometer suicídio no Brasil. Segundo dados do Ministério da Saúde, esse risco é 45% maior do que entre as brancas. E está aumentando: enquanto a taxa de mortalidade por suicídio entre jovens e adolescentes brancos ficou estável de 2012 a 2016, ela aumentou 12% entre os negros.

RECONSTRUÇÃO…

Três anos e meio depois do rompimento da barragem da Samarco em Mariana, enfim vão ser construídas em Bento Ribeiro as primeiras 100 casas e três imóveis públicos que vão sediar uma escola, uma unidade básica de saúde e um posto policial. A entrega das comunidades destruídas era prevista para este ano. Mas está tudo atrasado, e não vão acontecer antes de agosto de 2020. O MP de Minas moveu uma ação civil pública para cobrar indenizações pelos atrasos. 

…PREVISÃO…

A repórter Karla Monteiro, da piauí, foi a Barão de Cocais, onde uma barragem está com risco iminente de romper. “Hoje passaram caminhões transportando geradores e holofotes. Agora me diz se isto não é situação de guerra? Talvez a espera seja pior do que a tragédia em si. Tragédia com prazo marcado é uma coisa cruel“, diz uma moradora, Cristina Pena. 

… E ANÁLISE

A última edição da revista Cadernos de Saúde Pública traz três artigos sobre o desastre em Brumadinho, examinando as razões e os efeitos do crime ambiental da Vale.

EXPLICANDO

Depois de uma briga com a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas a respeito de uma pesquisa sobre o consumo de drogas no Brasil, a Fiocruz lançou uma nota assegurando a qualidade do estudo.

EFEITO TARDIO

Quem nasce por cesariana tem 50% mais chances de ter hipertensão na vida adulta, conforme um estudo da USP publicado no American Journal of Epidemiology. A pesquisa analisou um grupo de indivíduos acompanhados ao longo do tempo – o mais antigo do Brasil, que avaliado desde 1979, e foram eliminados outros fatores, como o tamanho do bebê, o aleitamento materno e condições socioeconômicas. Embora a relação entre a pressão sanguínea e a cesariana tenha sido demonstrada, o mecanismo responsável por esse fenômeno ainda precisa ser esclarecido. O pesquisador Alexandre Ferraro apresenta duas hipóteses: a diferença entre as microbiotas intestinais dos bebês, que pode causar alteração do equilíbrio do organismo; e o choque hormonal do parto norma, que não ocorre na cirurgia.

SÓ ASSIM

Desde o início do ano passado estamos acompanhando a situação na Hospital Sofia Feldman, em Belo Horizonte, que é uma das maiores referências do país quando se fala de parto humanizado pelo SUS e atende mulheres de 300 cidades mineiras. Uma crise financeira tem levado à falta de insumos, medicamentos e à incapacidade de manter o corpo clínico e as instalações funcionando. Ontem o mandato da vereadora Áurea Carolina (PSOL) anunciou ter conseguido, via emenda parlamentar da bancada de Minas, R$ 532 mil para a instituição; outros R$ 216 mil estão contingenciados pelo Ministério da Saúde e podem ser liberados até o fim do ano. Mas ainda é pouco perto da dívida milionária acumulada pelo hospital.

REPETECO

Parece que estamos dando sempre a mesma notícia, mas vamos lá: o governo liberou mais 31 agrotóxicos, chegando a 169 registros aprovados só este ano. Desta última leva, oito são considerados extremamente tóxicos pela Anvisa. Mas 29 são substâncias equivalentes a outras já liberadas, como o glifosato.

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