Por que a nova pesquisa sobre a covid-19 assusta tanto
País já é o segundo em número de mortes, e apenas 2,6% têm anticorpos contra o vírus. Resultados demonstram insanidade das políticas de reabertura. E mais: alguma esperança nas vacinas em teste; uma delas pode ser produzida aqui
Publicado 15/06/2020 às 07:45 - Atualizado 15/06/2020 às 09:21
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A EVOLUÇÃO NO BRASIL
A proporção da população com anticorpos para o novo coronavírus no Brasil aumentou 53% nas últimas duas semanas, de acordo a pesquisa por amostragem coordenada pela Universidade Federal de Pelotas, cujos resultados da segunda fase foram divulgados no feriado. A variação considera as 83 cidades onde foi possível testar mais de 200 pessoas na primeira e na segunda etapas da pesquisa. Nessas cidades, havia 1,7% de pessoas com anticorpos em meados de maio, (falamos disso aqui) contra 2,6% no início de junho. É um aumento inédito em estudos similares ao redor do mundo, segundo os pesquisadores: “Por exemplo, na Espanha, estudo semelhante indicou aumento de apenas 4% entre as duas etapas da pesquisa”, escrevem eles.
Mais uma vez, há diferenças marcantes entre as regiões, com a Norte concentrando as cidades com maior prevalência, seguida pelo Nordeste. Também se destacam as cidades do Rio de Janeiro, Maceió e Fortaleza, onde o percentual de pessoas afetadas subiu, respectivamente, de 2,2% para 7,5%; de 1,3% para 12,2%; e de 8,7% para 15,6%. Apesar de tudo, mesmo nos locais onde a prevalência é mais alta, a chamada ‘imunidade de rebanho’ está distante.
Por aqui, o que nos chamou a atenção foram reduções no mínimo curiosas em alguns locais, embora a nota técnica da UFPel e as reportagens que lemos até o momento não mencionem isso. A etapa divulgada no fim de maio mostrava que a cidade de Breves, no Pará, era a que tinha maior prevalência do novo coronavírus, com 25% dos habitantes tendo sido sido infectados, mas agora o percentual encontrado foi de apenas 12,2%. Também no Pará, Castanhal tinha 15,4% e, agora, 10,8%. Houve ainda reduções mais leves em capitais como São Paulo e Rio Branco. Não sabemos o que exatamente explica essa diferença nem o quanto ela afeta a acurácia da pesquisa. Entramos em contato com a assessoria de comunicação e vamos contar aqui quando recebermos uma resposta.
Hoje, esse tipo de levantamento é o mais próximo que se pode chegar de uma estimativa da prevalência e da evolução das infecções pelo novo coronavírus no Brasil, pois inclui nas testagens pessoas com ou sem sintomas. Pelos dados das secretarias estaduais de saúde, o Brasil chegou ontem a 43.389 mortes por covid-19 e ultrapassou os 860 mil casos.
Mas, além dos testes por amostragem, outro tipo de pesquisa pode indicar a prevalência do vírus: sua detecção em águas de esgoto. Em Minas Gerais, um monitoramento feito pela Agência Nacional de Águas com a UFMG apontou na sexta-feira que o contágio em Belo Horizonte e em Contagem pode ser até dez vezes maior do que o registrado pelas autoridades. O coronavírus foi encontrado em 100% das amostras da bacia do Onça (eram 80% na semana anterior) e 86% na bacia do Arrudas (eram 71%).
SEM RESPOSTAS, SEM ESTRATÉGIA
Prestes a completar um mês como ministro interino da Saúde, o general Eduardo Pazuello defendeu em entrevista à CNN que fazer a “triagem” da população é mais importante do que manter o isolamento social. “Se na triagem for detectado que ele está com risco de covid, tem que ir para um médico. Tem que ter triagem no mercado, no hospital etc, para aferir temperatura, oxigenação, a pressão, ver se tem ou não característica que ele deve ir ao médico”. Não consta que a pasta tenha dado alguma orientação, inclusive em termos de logística, para estados e municípios em relação a isso. “Se usar de maneira correta, a capacidade de montar uma triagem é muito simples. Precisa compreender a necessidade de fazer uma triagem robusta e rápida”, completou ele, vagamente.
Sabemos que as reaberturas econômicas estão em curso, ainda que a maior parte do país não saiba direito quantos casos possui. Em alguns locais, como Manaus, a trégua da epidemia é observada pela queda do número de enterros. A taxa de ocupação de leitos de UTI também é usada como parâmetro para as flexibilizações, embora possa estar ligada à abertura de leitos, e não à redução dos casos. O número de internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) é outro parâmetro. Esses indicadores, porém, são sempre um espelho do passado, já que só mudam dias ou semanas depois que o contágio aumenta ou diminui.
Mas a população saiu do isolamento bem antes de os governos flexibilizarem suas medidas. Em São Paulo, o primeiro dia de reabertura de lojas foi marcado por grande movimento nas ruas, e mesmo assim a taxa de isolamento ficou no mesmo patamar observado nas semanas anteriores – um pouco abaixo de 50%.
Até onde sabemos, o governo federal não tem nenhuma recomendação ou estratégia em relação a como garantir o isolamento de novos infectados e o rastreio de seus contatos. Nisso, como em todo o resto, as respostas locais devem divergir. Mas mesmo na rica capital de SP, o secretário de saúde Edson Aparecido reconhece que não há testes suficientes para todos os contatos de infectados. Isso não é surpresa. Tal estratégia só faz sentido quando há poucos casos novos por dia. O estado teve nada menos que 5,3 mil novos registros no domingo.
Porém, seria algo fundamental para reduzir a chance de novos picos (nos locais onde os casos e mortes de fato diminuíram) e a necessidade de novas quarentenas. Em Curitiba, o prefeito Rafael Greca (DEM) já precisou voltar a adotar restrições porque, após a flexibilização, o número de casos aumentou rapidamente. “Era de 20 por dia durante 70 dias, pulou para 40 por dia em 15 dias e está em 60 por dia agora”, tuitou ele, referindo-se aos registros de infecções.
O QUE FALTA NO NOVO PORTAL
Depois muitas críticas nacionais e internacionais ao apagão estatístico, o ministério da Saúde lançou na sexta-feira à noite o novo portal com os dados da covid-19. De “novo”, não tem nada: os dados disponíveis são os mesmos do antigo. Só que não se pode mais baixar as tabelas disponibilizadas, o que é fundamental para pesquisadores trabalharem os dados. Além disso, faltam informações de que o governo dispõe e que poderiam ajudar um bocado a entender os cursos da pandemia no país e a bolar formas de enfrentamento.
“O portal do Ministério não informa quantos testes foram realizados em cada localidade e o percentual de exames positivos. É importante entender, por exemplo, que área tem 0,1% da população infectada e onde há 5% de contaminados. Seria interessante compartilhar esta informação. Também poderíamos ter um mapa interativo mostrando quantos casos ocorreram em cada bairro, e como ele se conecta com o resto do município. O Ministério tem esta informação, mas alega que não pode divulgá-la por questão de privacidade”, diz ao Globo o professor de estatística da Unicamp, Benilton de Sá Carvalho.
Pelo menos o novo método de contagem dos óbitos diários proposto pelo governo – incluindo apenas as ocorridas de fato nas 24 horas anteriores – foi vetado pelo STF. Ele deixaria de fora do boletim oficial 44% das mortes, segundo a Folha. Até agora, esse é o percentual de casos em que o resultado do teste só chega depois do óbito. Só no período de nove dias entre 26 de maio e 4 de junho, deixariam de ser contadas pelo menos sete mil mortes, nas contas da Época.
O governo não se deu por vencido com a liminar do Supremo que pede a divulgação na íntegra dos dados da covid-19 no país. Na quinta à noite, a Advocacia-Geral da União pediu a revogação da liminar do ministro Alexandre de Moraes. Alega que não houve omissão e que “eventuais intercorrências transitórias” no Painel Coronavírus aconteceram por “aprimoramento das plataformas informativas”.
Em tempo: por falar em transparência, o relatório anual do serviço Disque Direito Humanos 2019 veio sem indicadores de violência policial. O MPF solicitou ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos que explique o porquê.
AS INVASÕES
“Seria bom você, na ponta da linha, tem um hospital de campanha aí perto de você, um hospital público, arranja uma maneira de entrar e filmar. Muita gente tá fazendo isso, mas mais gente tem que fazer para mostrar se os leitos estão ocupados ou não, se os gastos são compatíveis ou não”, pediu o presidente Jair Bolsonaro na quinta-feira à noite, em sua tradicional transmissão ao vivo, dizendo que os dados seriam repassados à Polícia Federal e à Abin.
Algumas invasões já haviam ocorrido. Depois da fala de Bolsonaro, houve pelo menos mais duas: no Espírito Santo e no Rio. O episódio gerou, é claro, repúdio de entidades de saúde, e também dos governadores do Nordeste. O ministro do STF Gilmar Mendes tuitou que “Invadir hospitais é crime – estimular também“. Finalmente, ontem, a Procuradoria-Geral da República fez pedidos para que o Ministério Público de alguns estados investigue invasões e ataques a profissionais de saúde. O procurador-geral Augusto Aras, porém, não cita a fala de Bolsonaro nos documentos.
CLIMA POLÍTICO
“Fora, Bolsonaro. Sua gripezinha já matou 40 mil”. As frases estavam em uma faixa de cem metros que estampou o protesto contra o fascismo, o racismo, e pela queda de Jair Bolsonaro e aconteceu na Avenida Paulista ontem. A terceira manifestação de rua chamada por torcidas organizadas e movimentos sociais somou cerca de mil pessoas, segundo a Polícia Militar. Ou duas mil, de acordo com os organizadores. Um número menor se comparado ao segundo protesto, que reuniu, nas contas da PM, três mil pessoas no Largo da Batata – mas muito maior do que os cerca de cem bolsonaristas que se reuniram ontem no viaduto do Chá em apoio ao presidente e contra Supremo e Congresso Nacional e o governador João Doria (PSDB).
No sábado também houve protestos contra o presidente, mas em Brasília. De tarde, uma carreata passou pela Esplanada dos Ministérios reunindo políticos e grupos de oposição. O ato foi tumultuado por bolsonaristas.
Horas antes, o grupo que se autodenomina “300 do Brasil” teve, finalmente, seu acampamento desmontado pela PM do Distrito Federal. Sempre houve propaganda de que havia armas no local, mas o governo do DF informou ter removido a estrutura numa ação de combate a construções ilegais em áreas públicas e de cumprimento do decreto que proíbe aglomerações durante a pandemia.
Pois a líder do grupo, Sara Winter, que é investigada no inquérito das fake news movido pelo Supremo e é ex-assessora da ministra Damares Alves cobrou Bolsonaro no Twitter: “Presidente, reaja!”, escreveu. Mais tarde, diria: “A militância bolsonarista virtual foi desmantelada com o inquérito das fake news. E agora estão tentando acabar com a militância de rua”.
Winter e um pequeno grupo de 20 pessoas invadiu a manifestação da oposição. Uma inscrição “impeachment” feita em frente ao gramado do Congresso foi desfeita pelos bolsonaristas que romperam o cercado que protege o prédio e invadiram a laje da sede do poder Legislativo. Expulsos pela polícia da Casa, os bolsonaristas gritaram: “Vocês tiram nossa casa que nós tiramos o Congresso”. Na sequência, rezaram e pediram benção a Bolsonaro…
Mas não ficou só nisso. Depois da invasão do Congresso, o governador Ibaneis Rocha (MDB) decretou o fechamento da Esplanada para veículos e pedestres durante todo o domingo. Poucas horas antes de a restrição começar a valer, cerca de 30 manifestantes do “300 do Brasil” simularam com fogos de artifício um bombardeio ao Supremo Tribunal Federal. Os fogos foram disparados direção do edifício principal do STF, na Praça dos Três Poderes, enquanto os manifestantes xingavam ministros da Corte. “Isso para mostrar ao STF e ao (Governo do Distrito Federal) GDF que nós não vamos ‘arregar’. Repararam que ângulo dos fogos está diferente da última vez? Se preparem, Supremo dos bandidos, aqui é o povo que manda. Tá entendendo o recado?”, disse um bolsonarista num vídeo postado nas redes sociais.
O ataque foi repudiado pelo presidente da Corte, Dias Toffoli, e pelos ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes. “Financiadas ilegalmente, essas atitudes têm sido reiteradas e estimuladas por uma minoria da população e por integrantes do próprio Estado, apesar da tentativa de diálogo que o Supremo Tribunal Federal tenta estabelecer com todos, Poderes, instituições e sociedade civil, em prol do progresso da nação brasileira”, diz um trecho da nota de Toffoli. O Ministério Público Federal determinou a abertura de (mais) um inquérito para investigar (mais) esse ataque ao STF.
Mas não, a crônica do fim de semana não acaba por aqui. Os bolsonaristas são pouco numerosos, mas certamente ruidosos. No domingo, uns 50 deles foram para a frente do quartel-general do Exército. A pauta foi a de sempre: golpe militar. Outros 15 manifestantes desobedeceram a determinação do governo do DF e invadiram a Esplanada. Receberam apoio do ministro da Educação. Abraham Weintraub discursou para eles em frente ao Ministério da Agricultura. Em um dos trechos da fala, ele diz: “Eu já falei a minha opinião, o que faria com esses vagabundos”. A alusão parece ser bastante clara à defesa de que os ministros do STF fossem presos, feita por Weintraub na fatídica reunião ministerial. Em resposta, a plateia gritou “Weintraub tem razão”, em outra alusão ao episódio, já que o discurso de 22 de abril titular do MEC gerou esse meme nas redes bolsonaristas. Segundo o colunista Lauro Jardim, Weintraub irritou o Planalto e deve perder o cargo por conta da atuação de ontem.
Para ter mais uma ideia da tragédia civilizatória que se descortina diante de nossos olhos no Brasil: circulou no feriado um vídeo em que um homem derruba cruzes de um monumento em memória às vítimas da covid-19 em Copacabana. O nome dele é Héquel da Cunha Osório e sua justificativa a de que as cruzes teriam sido colocadas “pela esquerda”. “Não resisti”, teria escrito em um grupo de WhatsApp. As cruzes foram prontamente reposicionadas por Marcio Antônio, que perdeu o filho de apenas 25 anos para a doença. “Naquele momento ali, eu não tinha raiva, eu não tinha ódio. Eu não tava fazendo protesto nenhum, assim, foi só uma emoção de pai mesmo. De indignação, a palavra é essa mesmo: indignação pra aquele ato, a falta de respeito”, disse ao Fantástico.
A NOTA CONJUNTA
Na sexta-feira, o ministro Luiz Fux respondeu a um pedido do PDT. Diante de tantas manifestações sobre o artigo 142 da Constituição, o partido pediu esclarecimentos sobre se as Forças Armadas teriam qualquer “papel moderador” entre os poderes, como bolsonaristas e o próprio presidente vêm advogando. Fux disse que não – e que, além de tudo, o poder Executivo, que chefia as Forças hierarquicamente, o faz de maneira a não se sobrepor em autoridade aos demais poderes. Ou seja, nada de autogolpe.
De sua parte, o ministro do Tribunal Superior Eleitoral Og Fernandes, que é o relator dos processos contra a chapa Bolsonaro-Mourão, anunciou que vai incorporar provas colhidas no inquérito das fake news que tramita no Supremo sob a relatoria de Alexandre de Moraes.
Pois o Planalto respondeu na própria sexta com uma nota conjunta assinada por Jair Bolsonaro, Hamilton Mourão e pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo. Oferecendo sua própria interpretação da Constituição – e, portanto, invadindo uma competência que é apenas do Supremo –, eles afirmam que as Forças Armadas estão “sob a autoridade suprema” do Presidente da República; destinam-se à garantia dos poderes constitucionais “e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”; mas não cumprem “ordens absurdas” como, por exemplo, “a tomada de Poder”. “Também não aceitam tentativas de tomada de Poder por outro Poder da República, ao arrepio das Leis, ou por conta de julgamentos políticos“.
A nota, obviamente, preocupa. Ouvidos pela Folha, integrantes do Supremo e do Tribunal Superior Eleitoral veem relação da intimidação ao Judiciário promovida pelo documento como indicativo de que não se respeitará decisão que prejudique a chapa Bolsonaro-Mourão nas ações que estão no TSE. É também a opinião de fontes do Judiciário e do Legislativo consultadas pelo Estadão, principalmente quando a nota fala que as Forças Armadas “não aceitam julgamentos políticos”. Militares de alta patente da ativa, também ouvidos pela Folha, se dividem: uns consideram que o Judiciário tem exagerado, outros que o tom da nota foi equivocado. “Em grupos de WhatsApp de oficiais, a crítica mais comum era a de que as Forças foram colocadas como uma extensão do bolsonarismo militante, que tem no confronto com Poderes uma de suas características”, apurou Igor Gielow.
Na sexta, também repercutia entre o oficialato a entrevista do ministro-chefe da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, à revista Veja. Disse que é “ultrajante e ofensivo” dizer que as Forças Armadas “vão dar golpe”, mas ressaltou: “Agora o outro lado tem de entender também o seguinte: não estica a corda”. Perguntado pelo repórter Thiago Bronzatto sobre o que isso queria dizer, declarou que não seria plausível “achar que um julgamento casuístico pode tirar um presidente que foi eleito com 57 milhões de votos”. Se referia ao julgamento do TSE. Ramos, que é da ativa, anunciou que já pediu para ser transferido para a reserva do Exército.
Celso Rocha de Barros analisou a situação: “O que essas notas ‘não vai ter golpe, mas não derrubem o Jair’ fazem é garantir imunidade ao presidente da República. Se não pode ser cassado pelo TSE, ele pode fraudar eleições. Se ele não pode sofrer impeachment, pode cometer crimes de responsabilidade dia e noite, como vem cometendo. Se ele pode aparelhar a Polícia Federal impunemente, então não haverá mesmo denúncias contra ele. Se ele pode ameaçar a imprensa sem perder o mandato, não há nada que lhe impeça de continuar exercendo pressão até que ela faça efeito. Pense em todos os políticos corruptos que foram denunciados nos últimos anos. Escolha aquele de quem você gosta menos, aquele contra quem havia provas mais sólidas. Ele não teria sido denunciado se pudesse jogar a carta do golpe.”
INVESTIGAÇÕES NOS ESTADOS
Além do Rio de Janeiro, já se somam à lista de operações da Polícia Federal contra supostos desvios de dinheiro público durante a pandemia Pará e Amapá. Ontem, uma operação batizada de “Panaceia” cumpriu mandados de busca e apreensão em Macapá e de Oiapoque. O alvo é a prefeitura dessa última cidade. A PF diz ter “fortes indícios” de desvio de medicamentos e testes para diagnóstico do novo coronavírus, o que teria causado desabastecimento no SUS, e de uso indevido de ambulâncias e profissionais.
Já na quarta-feira, os agentes da PF se concentraram na denúncia de irregularidades na compra de 152 ventiladores mecânicos feita pelo governo do Pará. O secretário estadual de saúde é Alberto Beltrame, voz bastante conhecida durante a pandemia por suas críticas à atuação do Ministério da Saúde: ele é presidente do Conass, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Beltrame foi alvo de operação de busca e apreensão. “Tenho me manifestado com muita veemência, principalmente nestes últimos dias. Não me intimidarão e nem calarão. Somente espero que seja feita justiça. Estou de consciência absolutamente tranquila”, disse à coluna Painel, da Folha.
No Conass, não houve consenso sobre a operação. Houve quem defendesse que a PF está sendo usada politicamente pelo governo federal e propusesse até a entrega coletiva de cargos nos estados. Mas não houve votos suficientes sequer para elaborar uma nota de repúdio à operação.
Já o governador Helder Barbalho (MDB) se defende dizendo que foi enganado pela empresa SKN Importação e Exportação, contratada emergencialmente para comprar os respiradores. Vindos da China, os aparelhos não servem para tratar a covid-19. Barbalho tem dito que foi o primeiro a pedir investigações, mas, segundo a Época, agiu para barrar o inquérito da PF sob alegação de que os aparelhos não haviam sido comprados com verbas do governo federal. O pedido do governador chegou a ser aceito por um juiz federal que, depois, voltou atrás.
“A investigação da PF que Helder tentou obstruir descobriu que a forma como a compra milionária foi feita é amadora. O governador foi acionado pelo representante comercial André Felipe de Oliveira da Silva por WhatsApp. No aplicativo de conversas, Felipe e Helder se tratavam como “amigos” e demostraram, segundo a Polícia Federal, que já e conheciam bem antes da pandemia. O acerto foi feito da seguinte forma: O Governo do Pará anteciparia 50% do valor da compra, e os equipamentos chegariam um mês depois”, relata o repórter Ullisses Campbell.
Por outro lado, uma declaração da deputada federal Carla Zambelli reacendeu com toda a força a suspeita de vazamentos e uso político da PF. “Mãe Zambelli acerta mais uma vez. Prevejo ações da PF em outros estados, como SP, por exemplo”, escreveu no Twitter, comentando a operação contra Barbalho.
Sem participação da PF, há uma investigação no Amazonas feita por uma CPI da Assembleia Legislativa do estado. Os deputados dizem ter obtido documentos que mostram que houve superfaturamento de R$ 496 mil na aquisição emergencial de 28 ventiladores mecânicos. A história é a seguinte: uma empresa chamada Sonoar ofereceu os aparelhos a um preço de R$ 2,48 milhões no dia 2 de abril. A secretaria estadual de saúde negou, mas comprou os mesmíssimos equipamentos seis dias depois de outra empresa, a FJAP, especializada em vinhos, por R$ 2,98 milhões. É isso mesmo: os respiradores foram adquiridos pela FJAP da Sonoar. Para deixar tudo mais confuso, o presidente dessa CPI é o mesmo deputado que presenteou Jair Bolsonaro com um painel feito de cartuchos de balas, Delegado Péricles (PSL).
AÇÕES TARDIAS
A transmissão comunitária (quando não se sabe mais quem passou para quem) do novo coronavírus já estava estabelecida no Brasil no início de março. Antes, portanto, da adoção de medidas de distanciamento social e da recomendação para restrição de viagens aéreas. A conclusão é de uma pesquisa do Centro Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus.
No estudo, os cientistas cruzaram informações sobre viagens e sobre as mortes confirmadas entre fevereiro e abril com dados genômicos do SARS-CoV-2. Eles observaram duas fases distintas da epidemia no Brasil: “A primeira é de transmissão a curta distância, dentro das fronteiras estaduais de São Paulo e Rio. No início de março teve início a fase dois, de longa distância. Ou seja, as pessoas contaminadas nesses dois estados já estavam levando o vírus para as demais regiões do país quando foram adotadas as NPIs [siga em inglês para intervenções não-farmacológicas]”, diz no Estadão Ester Sabino, do Instituto de Medicina Tropical da USP, uma das coordenadoras da pesquisa.
PARCERIA COM O BUTANTAN
E há novidade no front das vacinas: o governo de São Paulo anunciou na quinta-feira uma parceria do Instituto Butantan com o laboratório chinês Sinovac Biotech, responsável por uma das vacinas mais bem cotadas entre as 135 em desenvolvimento no mundo. Foram realizados testes em humanos na China. A fase 1 teve 144 voluntários e a fase 2, 600. A fase 3 acontecerá no Brasil, já que, infelizmente, o país está com a transmissão do vírus a todo o vapor.
Se der certo, haverá transferência da tecnologia para a produção em larga escala pelo Butantan. A vacina é formada pelo vírus inativado, semelhante à vacina da raiva – já produzida pelo instituto de pesquisa público. “O Butantan possui o conhecimento tecnológico para desenvolvimento de vacinas semelhantes a essa e irá montar o plano de produção em larga-escala tão logo os resultados da terceira fase de testes se mostrem eficazes”, disse, com otimismo, Luciana Leite, diretora do Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas do Butantan.
Também há notícia nova em relação à vacina que está sendo desenvolvida pela Universidade de Oxford e será testada no Brasil em parceria com a Unifesp e a Rede D´Or. Se der certo, o imunizante será vendido pela AstraZeneca. Mas uma outra multinacional, a GlaxoSmithKline, entrou na parceria dos testes: vai oferecer a vacina (de meningite) para o chamado grupo controle, composto pelas pessoas que participam do estudo, mas não recebem o insumo sob teste.
A propósito: a AstraZeneca anunciou no sábado a assinatura de um contrato com a União Europeia para fornecimento de 400 milhões de doses da vacina que ainda nem foi comprovada. A farmacêutica já anunciou que pretende ter prontas, até o fim do ano, cem milhões de doses para os EUA, outras cem para a UE e 30 milhões para o Reino Unido. Mas caso os testes demonstrem ineficácia, todas essas doses vão para o lixo.
Na Nature, especialistas latino-americanos discutem os riscos do monopólio das vacinas por grandes farmacêuticas deixarem os países mais pobres a ver navios durante muito tempo. Há diversos relator de grupos que, por aqui, estão desenvolvendo suas próprias vacinas – embora encontrem, para isso, pouquíssimo incentivo financeiro. No Brasil, o destaque vai para os cientistas da USP comandados por Gustavo Cabral de Miranda.
PARA ENTENDER AS MUTAÇÕES
Há alguns meses já se sabe que uma variação genética do SARS-CoV-2 se tornou dominante em muitas partes do mundo, como nas Américas. Um novo estudo publicado na sexta-feira por pesquisadores da Scripps Research, na Flórida (ainda não revistado por pares) mostrou que, no laboratório, os vírus portadores da mutação D614G infectam mais células e são mais resistentes do que os outros. Isso ajudaria a explicar por que essa variante, amplamente encontrada nos EUA e na Europa, está gerando mais problemas do que a predominante em Wuhan, por exemplo. “Isso significa que temos que estar alertas para mudanças constantes. Esse vírus vai responder a tudo o que fazemos para controlá-lo. Fabricamos uma droga, ele resiste a isso. Fabricamos uma vacina, ele tenta contorná-la. Ficamos em casa, ele vai descobrir como sobreviver por mais tempo”, disse à CNN o virologista William Haseltine, que não participou do trabalho.
No New York Times, porém, outros pesquisadores alertam que seriam necessárias mais estudos para determinar se as diferenças no vírus foram mesmo um fator crucial no caminho do surto – outras questões parecem ter um papel claramente importante, como o momento dos bloqueios. Kristian Andersen, geneticista da Scripps Research em La Jolla, disse que as análises em Washington e na Califórnia até agora não mostraram diferenças na rapidez ou extensão de uma variante em relação às outras. “Essa é a principal razão pela qual estou tão hesitante no momento. Se uma variante realmente consegue se espalhar significativamente melhor do que a outra, deveríamos ver uma diferença aqui, e não vemos”, diz.
O próximo passo para determinar a importância dessa mutação para as transmissões é testar diferentes variantes em animais.
QUASE 20%
Segundo o Ministério da Saúde, já foram coletados 432.668 testes em profissionais de saúde no país. E 83.118 (19,21%) deram positivo. Há um mês, esse número era de 31.790 – ou seja, os casos mais que dobraram. A pasta minimizou esse aspecto. “Na verdade, a gente está tendo mais notificação. Necessariamente, eu não posso afirmar que o número dobrou. Nós começamos a fazer o acompanhamento e aí passamos a receber mais notificações”, justificou a secretária do Trabalho e da Educação na Saúde, Mayra Pinheiro.
Dos trabalhadores infectados, 169 morreram por causa da covid-19. Os profissionais da enfermagem são as maiores vítimas fatais (42), seguidos pelos médicos (18); farmacêuticos e bioquímicos (6); nutricionistas (6); cirurgiões dentistas (5); fisioterapeutas (2); e psicólogos (2). Há outros 88 profissionais cuja categoria não foi informada. Há 189.788 testes ainda sem resultado.
NÓ NA EDUCAÇÃO
A IP.TV é uma empresa que tem um aplicativo de sucesso no currículo. Trata-se do Mano, de streaming de vídeos, criado para a campanha de Jair Bolsonaro em 2018 e que teve como garoto-propaganda o senador Flávio Bolsonaro. Durante a pandemia, essa companhia tornou-se a maior fornecedora de tecnologia de educação a distância do país. Oito milhões de alunos de São Paulo, Paraná, Amazonas, Pará e Piauí passaram a consumir seus aplicativos que, segundo reportagem do Intercept Brasil, divulgam mentiras e teorias da conspiração bolsonaristas, além de capturar dados pessoais dos usuários.
Com capital social de apenas R$ 10 mil, a empresa tem uma sede aparentemente desocupada num pequeno município da Região dos Lagos do Rio de Janeiro. Mesmo assim, os governos a contrataram. Afirmam que receberam recomendações uns dos outros.
O primeiro contrato foi celebrado bem antes da pandemia, em 2015, com o governo do Amazonas – estado onde a empresa tem raízes. “O proprietário da empresa, Eduardo Patrício Giraldez, é sócio de Waldery Areosa Ferreira Junior, empresário do ramo da educação e acusado de participar de uma rede de prostituição de menores de idade junto com o pai”, revela a reportagem.
Falando em educação a distância, 61% das redes públicas não formam professores para atuar na modalidade. E 21% não tem planos para a evasão que está acontecendo durante a pandemia. Aliás, o governo federal não criou nenhuma medida de apoio ao financiamento da educação nesse contexto de caos sanitário. E os tributos que financiam a educação, como o ICMS, estão em queda – o que pode significar um tombo de menos R$ 28 bilhões no financiamento da educação pública, segundo relatório do Movimento Todos pela Educação.
Outro número, este do Insper, também chama atenção. Segundo a instituição de ensino e pesquisa, a interrupção das aulas durante a pandemia pode reduzir o PIB brasileiro por conta da perda de renda que os jovens podem sofrer com o déficit no aprendizado. Com 34,8 milhões de estudantes na educação básica, a perda de renda dessa geração poderia chegar a R$ 1,48 trilhão na economia do país, o que representa 23% do PIB.
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