Covid-19: como o governo montou a operação-abafa

Festival de infâmias começou com Luciano Hang e agradou Bolsonaro. Daí a uma ordem ao general-pateta da Saúde foi um passo — e começaram os ocultamentos. Pior: governo ainda não desistiu de esconder mortes constatadas com atraso

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QUANTOS SÃO?

Entre segunda e terça-feira o Brasil registrou 679 óbitos por covid-19. Ou 718. Ou 849. Ou 637… Depende da fonte consultada. Esses dados, pela ordem, foram divulgados pelo Ministério da Saúde e pelo Conass também, pela iniciativa Brasil.io, por um consórcio de veículos da imprensa e pelo MonitoraCovid-19, da Fiocruz. Isso não quer dizer que algum deles esteja errado: no fim das contas, todos se baseiam nos dados informados pelas secretarias estaduais de saúde, mas diferenças nos horários consultados geram divergências nos números. Em comum, todas as contagens mostram um total de mais de 37 mil mortes e mais de 700 mil casos conhecidos.

A confusão que o governo federal gerou no desde a semana passada – com os atrasos, as promessas de recontagem de mortos, o sumiço dos dados oficiais na internet, o retorno sem o acumulado de casos e óbitos – fez com que outras contagens paralelas ganhassem importância (algumas iniciativas, com o Brasil.io e o MonitoraCovid-19, já existiam antes e fazem um ótimo trabalho com os dados da pandemia). Por um lado, isso aumenta a exposição do governo caso esconda deliberadamente dados. Por outro, gera uma profusão de manchetes diferentes que na certa há de confundir a cabeça dos leitores. Que bom seria poder apenas confiar nos números oficiais…

Ontem vieram à tona os bastidores dessa história. Segundo apuração do Valor – depois seguido por outros veículos, como Estadão e Folha –, os militares que ocupam postos-chave do Ministério da Saúde vinham pressionando técnicos da pasta há muito tempo para maquiar os dados da pandemia. De acordo com o Estadão, a ordem partiu primeiro de Jair Bolsonaro, que a repassou a Eduardo Pazuello. E a pressão chegou até mesmo à Abin, cujos dados são só para uso interno.

Depois de muitas críticas dentro e fora do país, ontem o Ministério da Saúde liberou suas informações mais cedo, às 18 horas, e também o número acumulado de óbitos e casos registrados. Disse que continuará fazendo dessa forma. Além disso, o secretário-executivo do Ministério da Saúde, o coronel Élcio Franco, afirmou que não vai ser feita nenhuma recontagem dos dados já consolidados. A ideia, como vimos, tinha sido propagada na imprensa pelo empresário Carlos Wizard, que desistiu da Secretaria de Ciência e Tecnologia antes de tomar posse.

Mas nem por isso se pode dizer que a transparência tenha passado a reinar. Voltando à reportagem do Valor, o governo defende, nos próximos dias, que sejam adotados novos critérios para tornar os números menos dramáticos, divulgando apenas as mortes ocorridas e confirmadas de fato nas últimas 24 horas. Como bem sabemos, o atraso nos diagnósticos faz com que os óbitos sejam registrados dias ou até semanas depois, de modo que as mortes registradas em um dia são, quase todas, antigas. Não é preciso gastar muitos neurônios para enxergar o problema: boa parte das mortes recentes só será confirmada no futuro. Hoje, por exemplo, há mais de quatro mil óbitos em investigação, que precisam aparecer em algum momento. Mas, se depender do desejo do governo, vão sumir, não aparecendo em estatística nenhuma.

A história só piora. Técnicos ouvidos pelo jornal afirmam que a sugestão partiu do empresário Luciano Hang, da Havan, em um vídeo encaminhado por WhatsApp. O vídeo foi enviado aos técnicos por Elcio Franco e é um show de bizarrices. Nele, Hang promete fazer uma live com Osmar Terra (pois é) para “mostrar o que está por trás dos números”; em seguida, apresenta um gráfico com as últimas mortes, que formam uma curva decrescente. Mas isso é óbvio, porque faltam justo as mortes ainda não confirmadas. Ontem essa videoconferência aconteceu. O dono da Havan e o deputado afirmaram, sem evidências, que o pico da epidemia de coronavírus já passou. E defenderam a operação abafa do Ministério da Saúde…

Os técnicos dizem que, desde o compartilhamento do primeiro vídeo de Hang, têm sido constantemente pressionados por Elcio Franco e por seu adjunto, Jorge Kormann, para mudar os critérios de divulgação. E ainda denunciam que um boletim epidemiológico elaborado pela equipe técnica foi “censurado” por Franco por conter dados cumulativos.

A propósito, todos ali sabem que, na verdade, o que existe é uma grande subnotificação, tanto de mortes como de casos. O ex-número dois da Saúde (e atual secretário-executivo do Centro de Contingência da covid-19 em SP) João Gabbardo provocou o general Eduardo Pazuello nesse sentido: “Ele foi a primeira pessoa que discutiu no Ministério essa divergência entre os casos de covid e o número de sepultamentos em Manaus. Ele mostrou claramente, com dados, que a média diária de sepultamentos tinha aumentado sete vezes, e o número de casos de covid era muito menor que essa diferença”, disse, em entrevista à CNN.

COBRANÇAS POR TODA PARTE

A sonegação de informações e o atraso na divulgação de dados podem fazer com que aumente a lista de pedidos de impeachment de Jair Bolsonaro. Segundo especialistas entrevistados pela Folha: o presidente pode responder por violar a Lei de Acesso à Informação, a Lei de Medidas a Emergência em Saúde e ser enquadrado na Lei de Improbidade Administrativa. Pode também responder por crime de responsabilidade: “O envolvimento pessoal e doloso do presidente em orientar essa violação à lei em relação aos números é uma hipótese. Além disso, quando menos, o atual cenário já pode configurar violação a uma série de direitos fundamentais, e a violação desses direitos já é uma das modalidades de crime de responsabilidade”, diz Ademar Borges, professor de Direito Constitucional.

Em pronunciamento ontem, o diretor do programa de emergências da OSM, Michael Ryan,  pediu “transparência” na divulgação dos dados brasileiros. Como não se pode contar com a palavra nem com a boa vontade do governo, partidos e parlamentares estão tomando suas medidas. Fechando o cerco, à noite o ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou que o governo retome a divulgação na íntegra dos números acumulados. A decisão atende a um pedido feito pelos partidos Rede Sustentabilidade, PSOL e PCdoB. E a Câmara deve votar um projeto de lei que obriga o governo a divulgar informações sobre casos, capacidade do sistema de saúde e uso de recursos públicos em um portal único na internet. Já foram apresentados pelo menos dois textos nesse sentido.  A mesma Casa deve lançar um aplicativo com dados da pandemia e espaço para receber denúncias.

Para o diretor da ONG Transparência Brasil, Manoel Galdino, os caminhos possíveis são a aprovação de um decreto legislativo prevendo quais informações devem ser prestadas,  descrevendo em detalhes a forma de divulgação e quais dados devem ser destacados, e a judicialização do caso.

EXPLICAÇÕES

Quanto aos dados conflitantes liberados no domingo sem nenhuma explicação (falamos disso aqui), ontem o Ministério da Saúde enfim respondeu sobre a origem dos erros. Segundo a pasta, ele se deveu a “duplicações” e à revisão dos números de Roraima e do Ceará, que estavam incorretos.

SIGILO GERAL

Pareceres jurídicos que orientam o presidente na sanção ou veto de projetos aprovados no Congresso daqui para frente serão considerados sigilosos. A decisão foi tomada pela Controladoria Geral da União, a CGU, e faz parte de uma história esquisita.

Tudo começou em setembro do ano passado, quando o jornal O Globo pediu, via Lei de Acesso à Informação, os pareceres que embasaram a sanção do projeto de abuso de autoridade. Para quem não lembra, houve uma certa sensação porque Bolsonaro não acatou as sugestões de veto feitas pelo então ministro da Justiça, Sergio Moro. Pois bem: O Globo não conseguiu vários documentos pedidos ao governo, mas entrou com recurso.

A decisão da CGU, favorável ao jornal, não foi obedecida pela Presidência. Com isso, foi formalizada uma denúncia. Mas, ao invés de cumprir a determinação da Controladoria, a Presidência começou uma pressão para que a decisão fosse revista fora do prazo legal para esse tipo de recurso – a CGU, então, mudou de posição e decidiu que os documentos pedidos pelo jornal não deveriam ser liberados. E mais: estendeu a decisão a todos os pareceres feitos pelas assessorias jurídicas dos ministérios. Para a Transparência Internacional, trata-se de “mais um episódio no histórico do governo de ataques à transparência e à autonomia das instituições públicas”.

LACUNAS E INCONSISTÊNCIAS

A Rede de Pesquisa Solidária, formada por pesquisadores da USP, Fiocruz e outras instituições, concluiu na semana passada um levantamento sobre os dados relacionados aos leitos UTI registrados nas plataformas públicas do Ministério da Saúde e de todas as secretarias estaduais de saúde. As conclusões, como já era de se esperar, são ruins.

Em primeiro lugar, existem muitas lacunas. Algumas informações básicas para o cidadão seriam: quantos leitos há no geral?; quantos há para covid-19?; qual é a ocupação na rede privada e no SUS? No estado de São Paulo só dá para saber a taxa de ocupação geral, sem distinção entre hospitais públicos e particulares. O estado do Rio só muito recentemente passou a divulgar o número de leitos ocupados por infectados com o coronavírus, sem dizer quantos existem no total ou sua localização… Alguns estados alegam dificuldades técnicas para captar os dados. “Em muitos casos, a falta de informação tem mais a ver com as escolhas feitas pelos governos, e não com problemas técnicos”, rebate a coordenadora do levantamento, Tatiane Moraes.

Mas há também inconsistências. O melhor exemplo é o do Ministério da Saúde, que na mais tradicional base de dados – o Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (CNES), atualizada mensalmente – informa que há 14 mil leitos de UTI disponíveis para covid no país; mas o painel organizado pela pasta no contexto da pandemia indica que são 34 mil. Uma diferença de 242%.

PROBLEMAS À VISTA

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a pandemia está piorando. E essa piora é puxada por nações latino-americanas como Brasil, México e Peru. Segundo a contagem da Universidade Johns Hopkins, ontem o número de casos no planeta ultrapassou a marca dos sete milhões. Já são 403 mil mortes.

Por aqui, há dois dados bastante preocupantes. O primeiro deles tem a ver falta de medicamentos. O Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) divulgou que 24 estados relatam dificuldades no abastecimento do bloqueador muscular usado no processo de intubação de doentes com complicações decorrentes do coronavírus. De um total de 13 medicamentos listados pelo Conselho usados na intubação, 11 estão em falta.
O setor privado também tem dado mostras de problemas de abastecimento, segundo a Confederação Nacional de Saúde, que tem recebido queixas principalmente de empresas do Norte e do Nordeste. Por esse levantamento, 17 sedativos estão em falta no mercado brasileiro.  

O outro problema tem a ver com a chegada da época das queimadas (naturais ou criminosas) na floresta amazônica. De acordo com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), o fogo aumenta a presença de material particulado na atmosfera o que, por sua vez, provoca alta no número de internações. Mas, junto com a circulação do coronavírus, pode gerar uma situação de “calamidade pública”.  Um estudo de Harvard mostra que há correlação entre poluição e aumento na taxa de mortalidade por covid-19. Além disso, os locais que concentram a maior parte das áreas desmatadas – Pará (42%), Maro Grosso (23%), Rondônia (13%) e Amazonas (10%) – tem fragilidades importantes nos serviços de saúde.

A propósito: o procurador-geral da República, Augusto Aras, nomeou um procurador conhecido por apoiar a MP da grilagem para coordenador a Câmara de Meio Ambiente do MPF… Juliano Baiocchi defendeu a “livre concorrência e iniciativa privada” durante as discussões do texto no Congresso.

BOLSONARISMO SEM FUNDO

Jair Bolsonaro continua tentando se desvincular do fracasso da resposta brasileira à pandemia. Ontem, no Twitter e na interlocução diária com apoiadores, o presidente deu uma interpretação falsa à decisão do Supremo sobre autonomia de estados e municípios para decidir sobre quarentenas e outras medidas de contenção do vírus. Para ele, restaria ao governo federal um papel único: repassar verbas. “Essa questão de desemprego e mortes, governadores… Supremo (Tribunal Federal) deu todo poder para eles para gerir esse problema. Eu apenas injeto bilhões nas mãos deles, e alguns ainda desviam”. Conveniente, não?

Aliás, falando em bolsonarismo-raiz: o presidente prometeu a uma mulher que o aguardava em frente ao Palácio da Alvorada que ela seria recebida no Ministério da Saúde. Por quê? Bom… porque ela disse que conversa com Deus e, por isso, sabe como curar o novo coronavírus (a partir de uma dieta de alho cru, aparentemente): “Não preciso que acredite em mim. Preciso que ponha à prova. Podem injetar o vírus em mim. Eu assumo todas as responsabilidades”, disse a irresponsável apoiadora. “Eu te arranjo amanhã para a senhora conversar lá, alguém para conversar com a senhora no Ministério da Saúde. Pode ser?”, respondeu o irresponsável Bolsonaro.

CONTRA BOLSONARO

O Movimento Somos Democracia, que reúne integrantes de torcidas de futebol, o Movimento dos Trabalhadores sem Teto e a Central de Movimentos Populares decidiram convocar novos atos para o próximo domingo em várias cidades. As organizações planejam uma mobilização duradoura.

Ontem, um manifestante jogou uma lata de tinta vermelha na rampa do Palácio do Planalto. O homem, não identificado, foi preso. Para o presidente, as manifestações contra ele “são o grande problema do momento”. “Estão começando a colocar as mangas de fora“, disse, sem especificar o sujeito da frase.

Aliás: seis policiais militares flagrados reprimindo com violência os manifestantes em SP no último domingo foram identificados. A Ouvidoria da PM pediu seu afastamento e reconheceu que os vídeos “apontam atos de policiais que não correspondem aos protocolos de abordagem estabelecidos pela corporação”. A corporação afastou um cabo que divulgou nas redes sociais que queria “cacetar a lomba dos baderneiros”.

E a OMS comentou as manifestações ontem, principalmente por conta do espalhamento dos protestos contra o racismo que começaram nos Estados Unidos disparados pelo assassinato de George Floyd. Segundo o diretor-geral Tedros Adhanom, quem estiver com sintomas deve ficar em casa. Quem for à rua deve lavar as mãos, levar álcool em gel e manter distância dos outros manifestantes. “Encorajamos todos os manifestantes ao redor do mundo a protestarem de maneira segura”, disse. No Brasil, o Movimento Somos Democracia encoraja uso de máscara, álcool em gel e distanciamento.

“PROGRAMA ANTIVÍRUS”

O governo chinês justificou ontem que a nova lei de segurança que enquadra as manifestações em Hong Kong como atividades terroristas é um “programa antivírus”. Segundo Zhang Xiaoming, vice-diretor do departamento de assuntos de Hong Kong e Macau, os manifestantes pró-democracia estariam indo “longe demais”.

MAL ENTENDIDO

Uma fala muito infeliz da chefe do programa de emergências da OMS, Maria van Kerkhove, foi noticiada rapidamente (e acriticamente também) por vários veículos de comunicação. “A partir dos dados que temos, ainda parece ser raro que uma pessoa assintomática realmente transmita adiante para um indivíduo secundário. É muito raro”, disse ela, ontem, em entrevista. Ainda completou que, diante disso, os governos devem se concentrar em detectar e isolar pessoas com sintomas, e rastrear seus contatos.

Isso é problemático porque os estudos disponíveis até agora mostram que pessoas têm na verdade mais chances de transmitir o SARS-CoV-2 antes do aparecimento dos primeiros sintomas, ou logo que eles começam a se manifestar, do que depois: “As pessoas que desenvolvem sintomas parecem ter cargas virais mais altas no dia do início dos sintomas ou imediatamente antes”, diz um documento publicado pela OMS na semana passada, baseado em várias pesquisas sobre transmissão.

Na entrevista, Kerkhove pareceu não diferenciar indivíduos pré-sintomáticos e assintomáticos. Os primeiros estão infectados e ainda não apresentam sintomas, mas vão apresentar. Estes são os que, sim, transmitem o vírus. Já os assintomáticos estão infectados mas nunca vão ter sintomas. Em relação a eles, não se sabe direito o potencial de transmissão.

E como saber se uma pessoa infectada sem sintomas vai ou não começar a apresentá-los um dia? Pois é, não tem como saber. Daí a orientação da própria OMS para que a população em geral use máscaras, com ou sem sintomas, para evitar de espalhar uma possível carga viral oculta. Daí também as orientações para restrições de mobilidade, chegando no limite ao lockdown. Se apenas indivíduos sintomáticos transmitissem a doença, seria bem mais fácil contê-la.

Depois, Maria van Kerkhove tentou desfazer o rolo no Twitter, mas a manchete já tinha corrido o mundo.

ECONOMIA

O Banco Mundial divulgou sua previsão para a economia brasileira. Segundo o organismo, a atividade deve retrair 8% em 2020 – a maior queda em 120 anos. A economia mundial vai sofrer retração de 5,2% de acordo com as projeções, o que é considerado a recessão mais profunda desde a Segunda Guerra Mundial. E a situação é mais generalizada do que foi durante grande depressão da década de 1930: agora, 90% dos países devem experimentar retração, contra 85% naquela época.

O BNDES lançou ontem uma linha de R$ 2 bilhões para socorrer hospitais e laboratórios privados que enfrentam dificuldades financeiras em meio à pandemia. Os recursos podem ser usados para reforçar o fluxo de caixa das instituições. Antes, o setor hospitalar tinha sido contemplado com uma linha também de R$ 2 bilhões para a compra de equipamentos. No total, o Banco já disponibilizou R$ 138 bilhões a empresas impactadas pela crise.

Mas vários empresários estão tendo dificuldades para acessar linhas de crédito. Ontem, Rodrigo Maia criticou a segunda medida provisória editada pelo governo nesse sentido. Segundo o presidente da Câmara, a MP 975 – criada para atender empresas com faturamento anual entre R$ 360 mil e R$ 300 milhões – tem problemas parecidos com a MP 944, que disponibilizava R$ 40 bilhões em financiamento da folha de pagamentos e liberou apenas R$ 2 bi. “Infelizmente, como todos sabem, apenas uma ínfima parte do dinheiro chegou na ponta. A grande maioria dos empreendedores ainda está sem acesso ao dinheiro”, disse Maia.

A propósito: a equipe econômica deve enviar a proposta de reforma tributária do governo entre final de julho e início de agosto para o Congresso.

APAGANDO A MARCA BOLSA FAMÍLIA

O governo quer “enterrar o Bolsa Família”, segundo fontes ouvidas pelo Valor. O programa criado no governo Lula seria reformulado e rebatizado de “Renda Brasil”. Não está nada claro quais são as intenções da equipe econômica. Isso porque Paulo Guedes era inicialmente contra estender o auxílio emergencial para além de três meses. Agora, o governo vai mandar uma proposta em que o valor do auxílio é cortado pela metade (R$ 300), mas estendido por mais dois meses. É junto com isso que seria apresentado outro projeto, este para supostamente criar um programa de renda mínima mais abrangente. “Na avaliação de parlamentares, a ideia de Guedes de apresentar o novo programa de renda mínima neste momento é ‘sensibilizar’ o Congresso para que a sugestão da equipe econômica sobre o auxílio emergencial seja acatada”, diz o Valor, que apurou que o clima no Congresso, no entanto, é de manter o auxílio em R$ 600.

Falando no auxílio, desde ontem pessoas sem acesso à internet podem fazer o cadastro em agências dos Correios.

REABRE, VOLTA A FECHAR

Ontem, a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, anunciou que não há mais casos ativos da covid-19 no país. Por isso, o país encerrou todas as medidas de isolamento, com exceção do controle das suas fronteiras.

Em Nova Iorque, a reabertura começou ontem também, mas com mais cautela já que a situação lá ainda não é tão favorável. O número de novas infecções registradas por dia ainda é alto: 500. Cerca de 33 mil pessoas são testadas diariamente e há, pelo menos oficialmente, um esforço para rastreamento de contatos de pessoas infectadas – principalmente com depois dos protestos diários.

Enquanto isso, países onde os casos estão aumentando tomam decisões parecidas com as que estamos vendo por aqui e, ao invés de reforçar o isolamento, o afrouxam. O exemplo que mais chama atenção é o de Moscou. O goernador da capital russa declarou que será possível retomar “vida normal” esse mês. A cidade registra cerca de dois mil novos casos por dia. O país começou a reabrir suas fronteiras.

Já a Índia, que adotou o maior lockdown do mundo, está reabrindo várias atividades, como restaurantes e templos religiosos. Oficialmente, o país registrou dez mil casos por dia na última semana.

Quem vai no caminho contrário é Israel, que suspendeu o plano de reabertura depois de “aumento muito acentuado” do número de casos nos últimos dez dias. O país registrou 800 novos casos, contra 300 nas duas semanas anteriores. Não se sabe que medidas de isolamento serão acionadas novamente.

Por fim, na Suécia, o primeiro-ministro Stefan Lofven defendeu a estratégia do país num debate televisivo em que seus oponentes chegaram a pedir a demissão do epidemiologista-chefe do Serviço Nacional de Saúde, Anders Tegnell. O apoio da população ao governo caiu.

TRÊS MILHÕES

Esse é o número de mortes que foram evitadas na Europa pelas medidas de distanciamento social, como suspensão das aulas e confinamento domiciliar. A conclusão é de um estudo britânico e americano publicado na Nature ontem.

GIRO NOS ESTADOS

Não dá para falar em curvas de contaǵio e mortes brasileiras, porque cada estado tem uma situação completamente diferente do outro. A matéria do Estadão explica como isso está relacionado a fatores que não poderiam ser muito modificados (o fato de São Paulo e Rio de Janeiro terem sido afetados primeiro, por exemplo), mas também à incapacidade do governo federal de assumir o comando central da pandemia, com orientações e diretrizes claras. “Os Estados ficaram se movimentando numa espécie de areia movediça por meses, tomando as medidas possíveis diante de situação cada vez mais dramática. (…) Estamos condenados a permanecer em um círculo vicioso que somente uma ação coordenada do governo federal permitiria estancar. Sabemos que isso não ocorrerá”, diz o professor Raul Borges Guimarães, especialista em geografia da saúde da Unesp,

A situação no Rio Grande do Norte permanece muito grave. Agora, tanto Natal como Mossoró têm 100% de ocupação dos leitos voltados para pacientes com covid-19. Até o domingo à noite, havia sete pacientes em estado crítico na fila. Há lugar nos hospitais, mas sem profissionais para permitir a abertura de leitos ociosos.

Em Pernambuco ainda há fila para acessar um leito de UTI, mas várias atividades começaram a ser retomadas ontem. Construção civil, comércio atacadista e shoppings para retirada  de produtos voltaram a funcionar. Já a capital cearense começou a semana com comércios de rua, shoppings e construção civil com limitações. Foi o suficiente para que se observassem engarrafamento, aglomerações e grandes filas.

No Rio, o governador Wilson Witzel publicou seu decreto de reabertura na sexta-feira, dando margem para que as prefeituras decidissem o que fazer. Na capital, a abertura de quatro hospitais de campanha e a redução de casos trouxe alívio às filas por UTI. Uma ótima notícia, mas a ocupação dos leitos de UTI para covid-19, tanto na cidade, como no estado, tem variado entre 80% e 90%, e a maior parte dos hospitais de referência está cheia. A prefeitura do Rio decidiu seguir com seu próprio plano de flexibilização, que já anda provocando aglomerações e o medo de que o cenário piore de novo. A circulação de pessoas é quase igual à registrada antes da pandemia.

Na Baixada, a cidade que confirmou a reabertura foi justamente a que tem o segundo maior número de mortos do estado: Duque de Caxias. “A cidade está aberta o tempo todo, não estamos aqui para enganar. Estava aquela meia porta, funcionando, poucos comércios fecharam“, afirmou o prefeito Washington Reis, à TV Globo. Um excesso de sinceridade que não disfarça o desleixo com a fiscalização.

Felizmente, a Justiça suspendeu medidas de flexibilização determinadas por Witzel e pelo prefeito da capital, Marcelo Crivella. Os dois vão precisar apresentar em até dez dias uma análise do impacto das aberturas. Até lá, pelo menos, está suspensa a flexibilização, e o descumprimento da medida prevê multa de R$ 50 mil para ambos. O governo do Rio vai recorrer.

E em São Paulo, o pico virou platô. O Comitê de Contingência afirma que há algumas semanas o ritmo do aumento de casos está constante. Se houvesse um pico, eles cairiam, mas o governo diz que se trata de um dado satisfatório. O prefeito da capital, Bruno Covas, ainda evita dar um prazo para abrir o comércio. Pediu “um pouquinho mais de paciẽncia” ao setor.

A circulação em ônibus é especialmente preocupante. No Rio, uma norma proíbe a circulação de ônibus com passageiros a pé. É óbvio que não deu certo. O que mais se vê são veículos abarrotados de gente. Em São Paulo, Bruno Covas até ameçou trocar o secretaŕio de Transportes se os ônibus continuarem levando gente em pé.

AGENDA

Hoje acontece a Marcha Virtual pela Vida, iniciativa de diversas entidades científicas e da sociedade civil. Para apoiar, use a hashtag #MarchaPelaVida no Twitter às 12h. O ato político em defesa do SUS e da ciência será transmitido às 16h.

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