EUA oferecem vacina a turistas, mas ainda doam pouco para nações pobres

Presidente Joe Biden anunciou doação de 80 milhões de doses — sendo 60 milhões do imunizante de AstraZeneca, que não foi aprovado lá. País deve ter 300 milhões de doses sobrando até julho, diz universidade

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“Coloca um nickname aí pra mim porque não quero confusão para o meu lado, já tenho cinco stents no coração”, pediu um milionário à jornalista Mariana Sanches, da BBC. Na matéria, o empresário (que acabou sendo chamado de Roberto) conta como gastou quase meio milhão de reais para levar a família para se vacinar nos Estados Unidos em abril. “Seria o suficiente para comprar 45 mil doses de Coronavac”, compara a reportagem.

O turismo da vacina começou a mostrar seus contornos mesmo antes de haver imunizantes aprovados pelas maiores agências reguladoras do mundo. Ainda em novembro, uma empresa de viagens indiana começou a cadastrar “clientes VIP” interessados em viajar a Nova Iorque tão logo a vacina da Pfizer tivesse seu uso autorizado nos EUA. Em fevereiro, o governo cubano anunciou seus planos de oferecer os imunizantes desenvolvidos lá a turistas – ainda não há nenhum aprovado, mas a Soberana 2 está avançada nos estudos clínicos.

Mais recentemente, o prefeito de Nova Iorque abriu as portas de vez para viajantes. “Queremos que todos estejam seguros e obviamente meu coração está com o povo do Brasil”, acenou ele, que decidiu colocar postos de vacinação na Times Square e outros pontos turísticos

BBC entrevistou Márcia Rosa, agente de viagens que anunciou recentemente pacotes para a cidade (incluindo uma quarentena obrigatória no México) por R$ 18,7 mil por pessoa. Em uma semana, diz, recebeu centenas de consultas e fechou 13 pacotes. Há inclusive pais de adolescentes interessados, já que os EUA liberaram vacina para maiores de 12 anos. O “serviço” está sendo oferecido por várias agências

Não surpreende que os viajantes que falaram à reportagem tenham votado em Jair Bolsonaro em 2018. Por conta da dificuldade em se vacinar no Brasil, parte deles se decepcionou com o governante que escolheu. Mas não necessariamente mudou de posição: “Esse outro (Lula) eu abomino. É tudo o que eu e minha família não queremos”, diz Roberto, o da viagem que custou 45 mil CoronaVacs. 

O contexto e as doações

Como já dissemos por aqui, hoje sobram doses de vacina nos Estados Unidos, embora ainda seja preciso vacinar uma boa parcela da população. O governo Joe Biden tem lançado estratégias nacionais para lidar com a falta de interessados, como a disponibilização dos imunizantes em um rol mais amplo de estabelecimentos. Localmente, governadores e prefeitos oferecem cerveja, hambúrguer e até sorteiam dinheiro para quem se imunizar. 

Vacinar turistas, mesmo que de graça, não prejudica em nada o país. Pelo contrário: dá um gás na economia a partir das despesas dos viajantes endinheirados, ao mesmo tempo em que continua havendo doses garantidas para os residentes.

Mas foram precisos meses de seguidos apelos internacionais para os Estados Unidos decidirem doar parte de da sobra de seus imunizantes da Pfizer, da Moderna e da Janssen. Finalmente isso foi prometido ontem, e serão 20 milhões de doses até junho. Além destas, há as 60 milhões da vacina de Oxford/AstraZeneca que já haviam sido aventadas – e que realmente não fazem diferença nenhuma no país neste momento, já que a FDA (equivalente à Anvisa) ainda não aprovou seu uso. No Twitter, o presidente Biden anunciou ontem a soma das 80 milhões de doses dizendo que “os Estados Unidos nunca estarão completamente seguros enquanto esta pandemia se alastrar globalmente”. Ainda não se disse quais países vão receber as doações. 

Detalhe: um estudo da Duke University estima que os Estados Unidos terão 300 milhões de doses excedentes em julho.

Como discutimos aqui, a recente mudança de posição do país em relação à suspensão temporária de patentes foi histórica, mas não tem impacto imediato no aumento da produção mundial de imunizantes. 

Enquanto isso, a meta de entregas da Covax Facility está atrasada: segundo o jornalista do UOL Jamil Chade, foram repassadas 65 milhões de doses a 130 países, mas a meta para esta semana era de que a distribuição já tivesse atingido o dobro, ou 170 milhões. Com a crise na Índia (maior fornecedor do consórcio), a situação só tende a piorar – embora a aprovação da vacina da Sinopharm pela OMS possa trazer algum alívio.

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