Escândalo: farmacêuticas controlam prescrições médicas

• Como farmacêuticas e farmácias buscam influir na prescrição de medicamentos • Ministério se pronuncia em defesa da LGPD • Estratégia antirracista na Saúde • Assédio a mulheres na medicina • OMS posiciona-se contra cigarros eletrônicos •

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Reportagem de Amanda Rossi, do UOL, relata uma prática claramente antiética da indústria farmacêutica. Através de uma brecha da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), duas grandes empresas do setor, em parceria com grandes redes de farmácia, passaram a acumular dados de médicos cujas prescrições são apresentadas no balcão. O pulo do gato se dava na hora da entrega da receita, quando o funcionário da drogaria passa para o computador o número do CRM do profissional responsável pela receita. Com isso em mãos, a Close-up e IQVIA mantinham cadastros de cada médico, de maneira que pudessem estabelecer padrões de medicamentos (por exemplo, genéricos ou não) indicados aos pacientes. Posteriormente, vendiam os dados para as principais empresas do ramo farmacêutico. Assim, estas partiam para uma abordagem e, por meio do oferecimento de pequenos presentes e vantagens, tratavam de convencer os médicos a receitar seus produtos.

A matéria explica: “não se trata do controle exigido pelo Ministério da Saúde para vendas de produtos controlados. Mas de um sistema privado, criado para abastecer a indústria farmacêutica, e que inclui tudo que o médico receitou: remédios de tarja preta ou de venda livre, cosméticos ou produtos de bebê. Já os dados do paciente não são registrados. Isso ocorre porque a informação mais valiosa para os laboratórios é a do profissional de saúde, o único que, por lei, pode receber publicidade de remédio tarjado no Brasil. O monitoramento das prescrições é usado para elaborar as estratégias de marketing médico”.

Empresas alegam legitimidade

Como dito, há uma brecha na LGPD que faz com que as empresas se sintam à vontade para defender uma legitimidade em absorver dados dos médicos, ainda que sem seu consentimento. De toda forma, é evidente o conflito ético e, como mostra a reportagem, muitos profissionais consultados não quiseram liberar seus registros e mesmo assim tiveram informações capturadas.

Na outra ponta do esquema, um intenso fluxo de vendedores, que circulam em nome das empresas por farmácias, laboratórios e hospitais a fim de fazer um trabalho de corpo a corpo com profissionais. Testemunhas relatam que até residentes em locais de trabalho são visados pelos chamados propagandistas. Porém, nada disso parece incomodar a indústria. “É um instrumento de aferição da eficácia da comunicação que as indústrias farmacêuticas estabelecem com os profissionais de saúde”, respondeu o Sindusfama.

Ministério repudia esquema

Apesar das alegações das empresas sobre a legalidade da prática, a reportagem do UOL evidencia que há apropriação de dados privados de forma não consentida, inclusive com participação de funcionários de farmácias, responsáveis por colher os CRMs, além de sua comercialização, o que torna toda a operação altamente questionável. Em nota oficial, o Ministério da Saúde mostrou preocupação. “Cabe ressaltar que todos os registros de denúncias e comunicações de irregularidades recebidas via canais oficiais do Governo Federal são verificadas e encaminhadas para as devidas providências pelos órgãos competentes. O Ministério da Saúde reforça seu compromisso com os direitos individuais e com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). A Pasta acompanha atentamente os desdobramentos das denúncias citadas”

Saúde lança Estratégia Antirracista

O Ministério da Saúde publicou, em 5 de dezembro, a Portaria nº 2.198/2023, que estabelece a Estratégia Antirracista da Saúde. A iniciativa, elaborada em conjunto com o Ministério da Igualdade Racial, visa orientar a formação do profissional do SUS e também aprimorar o monitoramento das informações em saúde das populações preta, parda e indígena, a fim de refinar a elaboração da abordagem em saúde. “Para isso, um plano de ação está em desenvolvimento, cujas prioridades são: a promoção da saúde integral da mulher negra; a atenção à saúde materno-infantil, especialmente redução da mortalidade materna, infantil e fetal; criação de políticas públicas de saúde mental, tendo como perspectiva as particularidades de cada grupo étnico; a educação em saúde em uma perspectiva antirracista; a promoção da saúde sexual, baseada na diversidade; o atendimento integral a pessoas com doença falciforme; a representatividade étnico-racial entre os colaboradores da pasta; o respeito à diversidade cultural e religiosa, com integração destas políticas com as manifestações próprias da religiosidade indígena e de matriz africana”, resume nota do ministério.

Pesquisa sobre mulheres e medicina

Uma pesquisa realizada em conjunto pela AMB (Associação Médica Brasileira) e APM (Associação Paulista de Medicina) com cerca de 1,4 mil médicas apurou que 62,5% das profissionais já sofreram algum tipo de assédio, seja na faculdade, na residência ou na condição de profissional efetivada. Além disso, mais de 70% afirmaram conhecer colegas que passaram por algum tipo de abuso. O que piora a situação é o fato de a pesquisa ter levantado que 55% não chegaram a denunciar o assédio e, dentre as que o fizeram, apenas 11% obtiveram um retorno favorável à sua queixa, seja por chefias ou mesmo órgãos policiais. “Mesmo quando denunciam, essas mulheres não são ouvidas, o que acontece em outras áreas também. Isso dá um desânimo total”, lamentou Ivone Meinão, coordenadora da pesquisa. De positivo, a pesquisa mostrou que 82% das médicas têm equidade salarial e 49% já foram indicadas a cargos de chefia.

OMS exorta combate a cigarros eletrônicos

No momento em que o Brasil abre consulta pública para a regulação dos cigarros eletrônicos – vapes, pods etc –, a OMS emite nota na qual se posiciona taxativamente contrária à liberalização pelos governos da venda e consumo de tais produtos. Na visão da organização, sob falsos argumentos de que os eletrônicos seriam menos viciantes, a indústria do tabaco arrebanha jovens consumidores desde cedo, o que garante uma clientela de longo prazo e dribla legislações anticigarro já consolidadas. “As crianças estão sendo recrutadas e presas desde cedo ao uso de cigarros eletrônicos e podem ficar viciadas em nicotina. Eu exorto os países a implementarem medidas rigorosas para impedir a adesão, a fim de proteger os seus cidadãos, especialmente as suas crianças e jovens”, afirmou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom. De acordo com pesquisas, o consumo desse tipo de cigarro já quadruplicou no Brasil desde 2018.

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