Dengue: novos reforços ao sistema de saúde

• Dengue: em que ponto estamos • O método Wolbachia em Niterói • Fiocruz dobra produção de testes • Famílias empobrecem para cuidar de tuberculose • Diálogos com ministros da Saúde para cooperação internacional •

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A secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde (MS), Ethel Maciel, esclareceu qual o objetivo principal nesse novo momento de pico de casos de dengue: evitar as mortes. Em entrevista ao Estadão, ela afirmou: “Usamos os inseticidas e dependemos de todo mundo para fazer essa diminuição de focos, mas o controle do vetor é sempre difícil”. Já as mortes podem ser contidas. Segundo os números mais recentes, o Brasil já ultrapassou a marca de meio milhão de possíveis infecções de dengue em 2024; 75 pessoas perderam a vida. Desde o final do ano passado, o Ministério prepara-se para essa grande alta de casos da doença. Na segunda-feira (14/2), anunciou que ampliará os recursos destinados a estados e municípios para conter a crise. Reserva mais R$ 1,5 bilhão para repasses mensais durante a vigência do decreto de emergência. Segundo o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), os gestores também preparam-se para uma sobrecarga dos serviços de saúde, e começam a anunciar ampliações nos horários de atendimento à população e fortalecimento das equipes, noticia a Folha. Há ainda, segundo o Conass, uma preocupação com um aumento nos casos de covid-19, em especial após o carnaval, que também exigirão mais das equipes de saúde.

Em Niterói, uma estratégia de sucesso contra os mosquitos

Um dos métodos inovadores que são testados no Brasil para o combate a arboviroses é o Wolbachia. Trata-se de uma bactéria que é inserida em laboratório nos ovos do mosquito, e assim faz com que ele deixe de ser capaz de carregar os vírus da dengue, zika, chikungunya e febre amarela. Essa bactéria é passada adiante na reprodução dos Aedes aegypti, reduzindo gradualmente a proliferação de doenças. A primeira cidade do país que conseguiu implementar a estratégia em 100% do território é Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro. Não foi algo pensado apenas no curto prazo: a cidade trabalha com essa iniciativa desde 2015, e tem observado forte queda nos casos e mortes por essas doenças desde então. Segundo a Agência Brasil, os números apontam redução de cerca de 70% dos casos de dengue, 60% de chikungunya e 40% de zika nas áreas onde houve a intervenção. Mas ele não pode ser resposta única, afirma Gabriel Sylvestre, líder de operações do World Mosquito Program (WMP) no Brasil. Por isso, Niterói trabalha com estratégias diversas, desde informar a população sobre o método como contar com uma equipe reforçada de agentes de endemias que fazem visitas diariamente nas residências, atrás de focos de mosquitos. 

Fiocruz produzirá 600 mil testes para dengue

A Fiocruz, em atendimento a uma solicitação do Ministério da Saúde, deve dobrar a produção de testes moleculares de diagnóstico (RT-PCR) para dengue, com o objetivo de enfrentar a atual situação epidemiológica do país. Além dos 300 mil planejados para o ano, outros 300 mil testes emergenciais serão disponibilizados nos primeiros meses de 2024, segundo a Agência Fiocruz. A entrega rápida de novos testes visa fortalecer o diagnóstico preciso e ágil das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti, buscando uma resposta eficaz nessa nova crise. Segundo o presidente da Fiocruz, Mario Moreira, “[O Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos] Bio-Manguinhos/Fiocruz está acompanhando a situação epidemiológica da dengue no país e reforça seu importante papel de apoio ao diagnóstico junto ao Ministério da Saúde”. 

A tuberculose ainda empobrece famílias

Uma das metas da OMS para a superação da tuberculose até 2030 se refere ao prejuízo financeiro que ela causa a quem adoece: o objetivo é que nenhuma família tenha sua renda anual comprometida em mais de 20%, o chamado custo catastrófico. Infelizmente, o Brasil ainda está longe dessa realidade, como mostra uma pesquisa liderada por Ethel Maciel, que além de secretária do Ministério da Saúde é professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Segundo esse estudo, publicado no final de 2023 no periódico Plos One, cerca de metade dos pacientes comprometem um quinto de sua renda familiar para tratar a doença – mesmo com o tratamento estando disponível gratuitamente no SUS. Uma interessante matéria da revista Pesquisa Fapesp expõe os principais dados da pesquisa.

Há os custos médicos diretos, que incluem consultas ou exames extras; custos não médicos diretos, aqueles que envolvem o transporte e a alimentação para o tratamento; e os custos indiretos, que são basicamente a perda de renda que a doença e o tempo gasto com seu tratamento provoca. 48% das famílias analisadas tiveram gastos catastróficos – e o percentual aumenta para 78,5% entre as de pacientes que contraíram a bactéria resistente a antibióticos, que pode permanecer dormente no corpo por anos. Os custos extras anuais somaram, em média, R$ 8.118,74 – quase sete vezes o valor do salário mínimo em setembro de 2021, quando foi feita a análise. Há ainda dois agravantes de peso, quando se trata do empobrecimento causado pela tuberculose: a coinfecção com HIV, que eventualmente aumenta a gravidade da doença; e a precarização do trabalho. Os autônomos, por não terem licença médica ou previdência, empobrecem mais. Nos dois casos, as chances de haver gastos catastróficos triplicam. 

O exemplo do Brasil ao Sul Global

Na semana passada, os ministros da Saúde da Nigéria e da Indonésia visitaram a Fiocruz para discutir a produção de vacinas, kits diagnósticos e a implementação do método Wolbachia no combate a doenças transmitidas por mosquitos. O ministro da Nigéria, Muhammad Ali Pate, destacou a importância de aprender com o Brasil sobre o desenvolvimento interno de produtos imunobiológicos, considerando a necessidade de fortalecer o sistema público de saúde. Pate ressaltou que a pandemia de covid-19 mostrou a importância de os países não dependerem apenas do mercado externo. Na visita, o conselheiro científico sênior Akira Homma, que foi presidente da Fiocruz e diretor de Bio-Manguinhos, explicou o processo, que infelizmente tem muito menos recursos que a saúde privada: “Houve um investimento de milhões de dólares, possibilitando a transferência de tecnologia. A produção de vacinas precisa de cinco, seis, oito anos… é preciso construir instalações, treinar pessoal, trazer tecnologia moderna. As empresas investem bilhões de dólares. Nós investimos milhões de reais”. O ministro da Indonésia, Budi Gunadi Sadiki, interessou-se pelo projeto Wolbachia no Brasil e buscou informações para expandir o método em seu país. Além disso, foram abordadas áreas de interesse comum, como malária e tuberculose, fortalecendo a cooperação entre os países.

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