“Covid zero” ou redução de danos?

Necessidade de melhorar mensagem à população é abordada por ex-diretor de pesquisa clínica do Butantan, em entrevista à BBC

Atividades ao ar livre são sempre mais seguras. Foto: Rovena Rosa / Agência Brasil
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O ex-diretor de Pesquisa Clínica do Instituto Butantan, Ricardo Palacios, deu à BBC uma entrevista abrangente em que aborda desde a pesquisa de vacinas – ele esteve à frente dos ensaios com a CoronaVac no Brasil – até os rumos que a pandemia deve tomar. Um dos seus pontos mais interessantes é a necessidade de se melhorar a comunicação sobre o manejo do risco quanto ao coronavírus daqui para frente. Isso não é novidade na saúde pública, mas na pandemia de covid-19 é um debate que nunca se destacou tanto quanto deveria.

Pesquisadores que trabalham com infecções sexualmente transmissíveis têm alertado, desde o começo da pandemia, que a mensagem sobre formas de prevenir o contágio pelo coronavírus poderia ser muito melhor se ensinasse as pessoas a calcular seus riscos e diminuí-los, em vez de tentar zerá-los completamente. Faz sentido que tenha sido justo esse campo o maior responsável por tentar propagar mais a ideia, já que os resultados da redução de danos na saúde sexual são excelentes – ao contrário dos obtidos por ações que pregam, por exemplo, a abstinência.

É justamente do HIV que Palacios parte para falar disso. “No início, nós tínhamos um mantra que era: use camisinha, use camisinha e use camisinha. E estamos quase repetindo isso agora: use máscara, use máscara e use máscara. No caso do HIV, nós desconhecíamos a realidade social e o fato de que as pessoas eventualmente não iam utilizar camisinha. Isso aconteceria em algum momento. A gente nunca ensinou como tomar essa decisão de não usar camisinha. E estamos fazendo a mesma coisa agora. Não estamos ensinando às pessoas qual o momento em que não precisa usar máscara ou quando utilizar”.

Ele aponta que as vacinas são uma camada excelente de proteção e obviamente as pessoas vão começar a fazer coisas com mais liberdade. Mas a proteção é imperfeita, e precisamos ensiná-las a tomar as melhores decisões. “Mesmo no HIV, para o qual não temos vacina até hoje, nós possuímos a profilaxia pré-exposição, a Prep, e várias outras alternativas que permitiram às pessoas equacionar o risco para cada situação. E nós ensinamos como fazer isso. (…) Um exemplo: você quer passar o Natal com familiares e amigos. Como planejar esse evento para que ele não acabe disseminando a covid-19 para pessoas vulneráveis, que vão acabar internadas? A gente tem que começar a ensinar isso e acho que essa é uma outra falha que precisa ser corrigida. Ainda há tempo”.

O outro grande problema de comunicação apontado por Palacios é um ao qual já nos referimos várias vezes: as vacinas foram apresentadas (inclusive pelo governo de São Paulo e pelo Instituto Butantan, vale ressaltar) como algo que impediria totalmente as pessoas de adoecer gravemente e morrer por covid-19, o que nunca é verdade.

No começo de agosto, Palacios pediu demissão do Butantan. Além dele, seis funcionárias em cargos de gerência e pelo menos uma pesquisadora associada solicitaram desligamento do órgão, mas ainda não houve muitas explicações sobre a saída em conjunto. A entrevista publicada ontem foi a primeira desde a saída de Palacios – mas ele não quis comentar o caso.

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