Covid-19: Brasil no pódio das fake news

Levantamentos mostram que campanha contra potenciais vacinas cresce a olhos vistos

.

Este texto faz parte da nossa newsletter do dia 28 de agosto. Leia a edição inteira.
Para receber a news toda manhã em seu e-mail, de graça, clique aqui.

O Brasil não disputa apenas a liderança do ranking dos casos e mortes por covid-19, mas também o da desinformação sobre as futuras vacinas. A Agência Lupa contou 502 checagens de publicações sobre o tema no mundo todo, das quais 144 desacreditavam os esforços para o desenvolvimento de um imunizante. A maior parte delas relata (falsas) mortes de participantes de ensaios clínicos. Os países com maior número de fake news checadas são Estados Unidos (19), Brasil (14), Espanha (14), Itália (11) e Ucrânia (10).

Por aqui, a campanha antivacina já começou a crescer a olhos vistos. Um levantamento produzido pela UPVacina (União Pró-Vacina), um grupo de instituições ligadas à USP Ribeirão Preto, identificou um aumento de 383% em postagens no Facebook com conteúdo falso ou distorcido sobre isso. Em dois meses, a desinformação quase quintuplicou. “Apesar da análise ser específica de grupos anti-vacina, a hipótese é que essas campanhas de desinformação continuarão se espalhando pelas mídias sociais conforme avançam as pesquisas das vacinas. Esses grupos representam apenas uma peça na engrenagem, mas se somam a outras redes de desinformação consolidadas durante a pandemia, constituindo um mecanismo muito mais complexo e abrangente. A preocupação é que o efeito da ação desse mecanismo coloque em risco futuras campanhas de vacinação contra a covid-19 e até mesmo a confiança geral nas vacinas”, diz o analista de comunicação da USP João Henrique Rafael Junior, no UOL. A reportagem lembra ainda um estudo recente do Avaaz sobre a desinformação ligada a saúde de forma geral no Facebook – o levantamento mostrou que as notícias falsas tiveram, entre 2019 e 2020, um alcance quatro vezes maior do que informações vindas de fontes confiáveis, como a OMS.

Se por um lado há difamação das vacinas na população leiga, por outro há uma questão preocupante dentro da própria comunidade científica, diz o jornalista Cesar Baima, no Questão de Ciência. Uma iniciativa chamada  RaDVaC (“colaboração para o rápido desenvolvimento de vacina”, na sigla em inglês) promove o desenvolvimento e a autoadministração de um imunizante cuja ‘receita’ é disponibilizada pelo projeto. A RaDVaC foi lançada por Preston Estep, doutor em genética pela Universidade Harvard, que “amealhou o apoio e colaboração de diversos colegas e ativistas para o projeto, mais de 20 dos quais já tomaram a vacina que eles mesmos fizeram com base nas informações compiladas pela iniciativa, entre eles seu ex-orientador na Escola de Medicina de Harvard e também geneticista George Church, um dos mais respeitados cientistas do planeta neste campo”. Isso acontece sem que tenham sido realizados testes de segurança e eficácia, e sem trabalho nenhum publicado em periódicos.

Baima traz um editorial publicado ontem na Science em que Arthur Caplan e Alison Bateman-House, da Escola de Medicina Grossman da Universidade de Nova Iorque, fazem o alerta: “A inciativa ‘faça você mesmo’ da RaDVaC tem muito mais chances de contribuir com a crescente desconfiança do público com relação a todas as vacinas do que oferecer uma caminho para o avanço no combate à pandemia. Aqueles que estão cada vez mais desconfiados de todo papo em torno da ‘velocidade de dobra’ das promissoras vacinas para a COVID-19 dificilmente se sentirão encorajados a mudar de opinião por cientistas rebeldes fazendo experiências sem supervisão, no limite do que é eticamente aceitável”.

Leia Também: