Após décadas de campanhas, poliomelite é erradicada na África

Falta acabar com o polivírus derivado da vacina, que resiste em 16 países. OMS tem equipe de resposta rápida que se mobiliza a cada surto descoberto

Foto: Yatender Singh / Campanha Stop Transmission of Polio
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Depois de duas décadas de campanhas e quatro anos sem registrar nenhum caso, a África está livre do polivírus selvagem, que causa a poliomelite. O continente recebeu ontem o certificado da Comissão Regional da África, designada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em 1996, quando os chefes de Estado africanos se comprometeram com a erradicação, a doença causava a paralisia de 75 mil crianças por ano no continente. Desde então, foi impedida a paralisia de até 1,8 milhões de crianças e 180 mil vidas foram salvas.

Mas ainda falta resolver outro tipo de pólio. O poliovírus selvagem, que foi erradicado, é o vírus transmitido entre pessoas (o que acontece principalmente pela ingestão de alimentos ou água contaminados pelas fezes de alguém infectado). Mas 16 países africanos ainda têm o chamado ‘polivírus derivado da vacina’, que vem da vacina oral contra a pólio. Esse imunizante contém o vírus vivo, porém atenuado; não adoece quem toma a vacina, mas se replica no intestino da criança e é excretado. Onde as condições de saneamento são ruins, pode entrar no abastecimento de água potável e atingir outras pessoas. Como se trata de uma versão enfraquecida, isso não deveria gerar grandes problemas. A questão é que, no meio do caminho, esses vírus podem sofrer mutações e recuperar sua força a ponto de causar a doença. 

Para lidar com isso, há uma estratégia da OMS focada nos países em risco. No ano passado, foi criada uma equipe de resposta rápida, mobilizada sempre que se localiza um novo surto no continente. É um trabalho corrido, que envolve conseguir fazer três rodadas de campanhas de vacinação em resposta a cada surto, junto com vigilância para diagnosticar novos casos.

Nos últimos anos tem havido no mundo mais casos dessa versão da poliomelite do que da pólio selvagem – e a OMS vem recomendando o uso da vacina injetável, que não contém vírus atenuados, apenas mortos. Mas não é fácil substituir as gotinhas por ela. A vacina oral é até 30 vezes mais barata do que a versão injetável. É também muito mais fácil de administrar: gotas na boca das crianças, em vez de injeção. E, segundo uma reportagem da NPR de 2017, não há vacinas injetáveis suficientes no mercado para atender todas as crianças do planeta “e os fabricantes de vacinas não têm capacidade para produzir as quantidades que seriam necessárias se tal mudança acontecesse imediatamente”. Aliás, hoje essa constatação nos remete aos entraves à vacinação universal no contexto da pandemia de SARS-CoV-2, de que tanto falamos por aqui…

Há um terceiro ponto: a vacina com vírus vivos consegue interromper a transmissão quando a cobertura vacinal é alta. Já a injetável, não – uma pessoa imunizada com ela pode continuar carregando e espalhando o polivírus. Quando o objetivo é exterminar o vírus em locais onde ele ainda circula, a vacina oral ainda é a melhor opção. E, de todo modo, quando há alta cobertura, os riscos de haver poliomelite derivada da vacina são muito baixos, porque mesmo vírus fortalecidos excretados só entram em contato com pessoas imunizadas.

Com a erradicação na África, agora o polivírus selvagem só circula no Afeganistão e no Paquistão. Isso não significa que se deva baixar a guarda. No Brasil, o último caso foi registrado em março de 1989. Mas, recentemente, a cobertura vacinal contra a pólio ficou abaixo do necessário para impedir a volta da doença

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