Contra todas as evidências

Ministério da Economia insiste que há “imunidade de rebanho” em estados brasileiros. Números mostram o contrário

Foto: Rovena Rosa / Agência Brasil
.

Este texto faz parte da nossa newsletter do dia 18 de novembro. Leia a edição inteira.
Para receber a news toda manhã em seu e-mail, de graça, clique aqui.

Na semana passada falamos de como os técnicos do Ministério da Economia rechaçam a possibilidade de a pandemia recrudescer no Brasil porque acreditam que vários estados já alcançaram a imunidade “de rebanho”. A aposta é um tanto frágil, porque se baseia em estudos que mostram 20% de infecções em certos estados – um percentual alto o suficiente para provocar muitas mortes e crise nos sistemas de saúde, mas baixo para garantir imunidade coletiva.

Mas a pasta não tem nenhuma reserva em reconhecer publicamente esse palpite mais do que duvidoso: “Vários estados já atingiram ou estão próximos de atingir imunidade de rebanho. Acho baixíssima a probabilidade de segunda onda“, disse o secretário de Política Econômica do ministério, Adolfo Sachsida. A Folha obteve o tal estudo no qual eles se baseiam. É um um artigo publicado por três integrantes da Secretaria de Política Econômica pela UFPel que trata da subnotificação de casos de covid-19 no Brasil, e estima que a taxa de infectados pode variar de 5,8% no Rio Grande do Sul a 30% em Roraima. Questionado sobre se haveria um plano a ser adotado em caso de nova onda, Sachsida se absteve de responder porque se trata de uma pergunta “hipotética”… 

É verdade que alguns pesquisadores já chegaram a aventar a possibilidade de uma proteção coletiva com um percentual relativamente baixo de infecções, mas isso nunca foi consenso. E agora a tese parece ter caído por terra, com locais que já foram atingidos em cheio pelo coronavírus e começam a se ver em maus lençóis de novo. No Brasil, o maior exemplo disso é o Amazonas, que já precisou reabrir leitos de UTI depois do aumento recente nas hospitalizações e mortes. Lá fora, a Suécia teve um crescimento de sete vezes nas internações em relação a outubro e suas UTIs estão 70% cheias. Destacamos ontem como o governo, que sempre se baseou só em recomendações de distanciamento e não em imposições, colocou regras mais rígidas pela primeira vez, proibindo reuniões públicas com mais de oito pessoas. “Não vão à academia, não vão à biblioteca, não organizem jantares. Cancelem“, implorou à população o primeiro-ministro Stefan Lofven.

Rampa de incertezas

O Brasil registrou ontem 676 mortes em 24 horas – os números nos últimos dias têm sido muito superiores aos que vinham sendo observados antes, mas é difícil dizer o quanto disso ainda se deve ao apagão de dados que gerou o represamento dos registros em alguns estados. A média de mortes dos últimos sete dias ficou em 557, utrapassando as 500 pela primeira vez no mês. É um aumento de 52% em relação a 14 dias atrás. O aumento pode ser porque o apagão baixou a média nas duas últimas semanas e, depois que ele acabou, concentrou registros nos últimos dias. Da mesma forma, se os números diminuírem em breve, não saberemos se houve redução real ou só o fim dos registros atrasados. 

Em várias cidades e estados, porém, a piora é visível. Já mencionamos o Amazonas, onde o número de hospitalizações por dia dobrou de outubro para novembro. Em Santa Catarina, os principais hospitais públicos e privados de Florianópolis estão com 90% de suas UTIs cheias. No Paraná, Curitiba está perto do seu recorde diário de casos e a prefeitura suspendeu cirurgias eletivas por tempo indeterminado. 

Leia Também: