Como a medicina tenta salvar as terapias genéticas

Lançadas no início dos anos 90, elas prometiam enfrentar doenças graves e em muitos casos incuráveis – mas se depararam com barreiras como respostas imunes devastadoras. Agora, parece haver caminhos para vencer estes obstáculos

.

Em 14 de setembro de 1990, pesquisadores do National Institute of Health, nos Estados Unidos, realizaram a primeira terapia genética autorizada. A paciente foi Ashanti DeSilva, de 4 anos de idade – portadora de Imunodeficiência Combinada Grave, doença genética rara que afeta o sistema imunológico e torna indivíduos vulneráveis a qualquer germe com o qual tenham contato. Até aquele momento, era raro que uma criança com a doença sobrevivesse até a idade adulta. 

Os médicos recolheram glóbulos brancos de Ashanti e, em laboratório, inseriram o gene que faltava nas células. Depois, reintroduziram os glóbulos brancos geneticamente modificados na corrente sanguínea da paciente. Exames de laboratório mostraram que a terapia fortaleceu o sistema imunológico da criança. Ela parou de contrair resfriados recorrentes e pôde voltar a frequentar a escola, mas o procedimento deveria ser repetido de meses em meses. 

O caso de Ashanti foi apenas o primeiro teste de terapia genética autorizada, e existem casos muito mais complexos. As técnicas em humanos são várias e promissoras. Grosso modo, consistem na inserção de genes nas células e tecidos para o tratamento de enfermidades específicas – na maior parte dos casos muito graves, e para as quais não há outro tipo de tratamento. 

Há, contudo, riscos e barreiras. Uma delas são as respostas imunológicas às terapias – que geram efeitos colaterais perigosos aos pacientes. Elas estão ligadas ao próprio método das terapias genéticas. Geralmente, elas utilizam um vírus para transportar um determinado gene para as células. Esses vírus são classificados como adeno-associados (AAVs). Mas se o receptor já tiver anticorpos contra eles, uma resposta imune pode dificultar o tratamento. E quanto maior a dosagem de AAV, mais graves são os eventos adversos. Em descobertas recentes, os pesquisadores perceberam que os anticorpos estimulam a produção de moléculas inflamatórias, ativam as vias de morte celular e desencadeiam o desenvolvimento de células T assassinas que levam as células contendo AAV à destruição. “A inflamação é comum, mas muitas vezes não tocamos nesse assunto”, disse Christine Kay, cirurgiã da Vitreoretinal Associates em Gainesville, Flórida, durante uma palestra na reunião anual da Sociedade Americana de Terapia Gênica e Celular (ASGCT) em Washington DC, realizada em maio deste ano. 

A novidade mais recente, apresentada nesse mesmo encontro, é que parecem ter surgido caminhos para inibir tal tipo de resposta imune. Após anos de decepção, a pesquisa em terapia genética começou a apresentar bons resultados, que levaram à aprovação de medicamentos e a uma série de resultados promissores de ensaios clínicos contra doenças genéticas devastadoras, incluindo alguns cânceres no sangue. Segundo um artigo da revista Nature, as pesquisas na área voltaram a crescer após 2010 e foram aprovadas por regulamentações internacionais com o objetivo de procurar tratamentos contra o câncer, cegueira e distúrbios metabólicos. 

Segundo cientistas que discursaram durante o evento em Washington, os esforços devem girar em torno de explorar a possibilidade de vetores não-virais. “Muitos de nós estão preocupados em depender do AAV para sempre. Gostaríamos de ter possibilidades plausíveis com menos riscos”, disse Francis Collins, conselheiro científico interino do presidente dos EUA, Joe Biden. Outras possibilidades não descartadas são a realização da terapia de forma eficaz com doses menores de AAV, a modificação do próprio vírus e métodos de supressão das respostas imunes. Nesse último caso foi observado que, apesar das terapias genéticas serem geralmente administradas com imunossupressores (como esteróides), estes tratamentos nem sempre são eficazes e podem tornar os pacientes vulneráveis à infecção. 

Diversos cientistas presentes na conferência relataram testes promissores com outros medicamentos, como foi o caso de Anastasia Conti, que estuda células-tronco no Instituto San Raffaele Telethon de Terapia Gênica em Milão, Itália, e relatou que uma droga chamada anakinra reduziu a inflamação desencadeada pela terapia genética. Quanto mais estratégias, maiores são as chances de encontrar uma solução para as inflamações que, no momento, representam um grande obstáculo para o avanço de terapias genéticas.

Leia Também: