Fapesp, 60: para conhecer um motor da ciência brasileira

Uma das grandes instituições de apoio à pesquisa no país completa hoje seis décadas. Conhecê-la é essencial para construir, no futuro, políticas de incentivo que revertam o atual desmonte do setor

Magnetos quádruplos do projeto Sirius. Léo Ramos Chaves/ Pesquisa FAPESP
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Uma comunidade de apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico, que reúne mais de 74 mil pesquisadores em universidades, completa hoje 60 anos. Instituída em 1962, fruto de amplo movimento de professores e estudantes, a Fapesp consolidou-se como, possivelmente, a maior agência de incentivo à pesquisa brasileira. Sua independência – derivada de ser uma fundação, e não um instituto ou uma secretaria de Estado – permite que atue mesmo em momentos de retrocesso político como o atual. 

Além disso, não recebe recursos de empresas e trabalha exclusivamente com orçamentos públicos: o equivalente a 1% da receita tributária do estado de São Paulo. Vale celebrá-la, no momento em que comemora mais de 300 mil projetos financiados, dos quais milhares em andamento. Por trás da homenagem, há uma importante vitória contra o negacionismo. Segundo um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a população brasileira nunca confiou tanto na ciência quanto em 2021 – paradoxalmente, o ano de menor orçamento do CNPq, em duas décadas

Da busca de moléculas para medicamentos e vacinas à exploração de petróleo em águas profundas, produção de alimentos, planejamento urbano, cultura, melhoria do ensino público e redução das desigualdades, a Fapesp funciona como uma engrenagem para nortear o desenvolvimento a partir do que considera ser a pesquisa orientada à missão. Para comemorar os seus 60 anos de trajetória, publicou, ao longo de um ano, livro que permite conhecê-la melhor. Organizada como série  de dez fascículos, a obra reúne artigos que tratam desde seu papel no fomento a políticas públicas e o pioneirismo digital da instituição à sua contribuição para a diversidade e inclusão no setor de produção científica. O primeiro número, introdutório, oferece um panorama histórico da Fapesp para o desenvolvimento social, ambiental e econômico do Estado, com números referentes a investimentos, projetos e produção acadêmica.

O nono fascículo é especialmente importante para quem luta pela Saúde Pública no Brasil. Nos artigos, pesquisadores fazem um balanço das principais lições da pandemia de covid 19. Mostram o peso da Fapesp e de outras organizações que atuaram para trazer evidências científicas contra o negacionaismo oficial, e ajudar a orientar a sociedade como um todo. No capítulo Conhecimento para orientar políticas e reduzir desigualdades, Ursula Dias Peres, professora de gestão de políticas públicas da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), da USP e pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) financiados pela FAPESP, ressalta o papel do tripé de diferentes entes que, na ausência completa de coordenação federal, contrabalançaram esse vácuo trágico. São eles: o SUS, a comunidade científica e o Congresso.

Como, a partir desse diálogo – e apesar das dificuldades orçamentárias – foi possível estruturar a Rede de Pesquisa Solidária em Políticas Públicas e Sociedade (RPS). Composta por mais de cem pesquisadores, de 15 instituições, a RPS publicou uma série de boletins com análises e recomendações sobre o distanciamento social, diretrizes para o ensino remoto, auxílio emergencial e a eficácia de políticas públicas de combate à pandemia no país. Por exemplo, conta o artigo, a rede teve papel fundamental para construir as melhores estratégias na política de vacinação, ao alertar sobre o imenso abismo de realidades que deveriam ser levados em consideração.

Na educação, os dados levantados pela rede apontaram como a volta do ensino 100% presencial embutia perigosas fragilidades. “Dados levantados pela rede para o primeiro semestre de 2022, por exemplo, revelaram que 92,5% das escolas estaduais e 76,9% das redes municipais das capitais adotaram protocolos sem limites de ocupação das classes; e apenas quatro capitais e seis estados distribuíram ou recomendaram o uso de máscaras de alta qualidade”. A iniciativa apontou também as consequências na economia: “Os efeitos da pandemia em toda essa estrutura, em termos de falências, extinção de postos de trabalho e reestruturação desse setor de pequenos serviços no Brasil, foram muito in­ten­sos”, relata Marco Antonio Martins da Rocha, professor do Instituto de Economia (IE) da Unicamp.

Vale a pena conferir todo este material de fascículos digitais, e que irão compor o livro “FAPESP 60 anos: Ciência, Cultura e Desenvolvimento”, impresso sob o selo da Edusp e das editoras da Unicamp e da Unesp, e que poderá ser lançado ainda este mês.

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