O otimismo apocalíptico de Sidarta Ribeiro

Ao lançar “Sonho Manifesto”, neurocientista sustenta: corremos risco de sermos amaldiçoados pelas futuras gerações – mas nunca foi tão possível superar o que nos trouxe ao caos. Uma das chaves: abrir mão da “ética de competição patriarcal”

Sidarta Ribeiro durante o lançamento de Sonho Manifesto, no Sesc Vila Mariana, em São Paulo
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A maneira como vivemos na Terra e dividimos seu espaço está nos levando ao colapso. Mas esse é um momento delicado, perigoso e ao mesmo tempo promissor, garantiu Sidarta Ribeiro na última terça-feira (14/6), em São Paulo, na noite de lançamento de seu novo livro. Para ele, nossa potência de transformação é sem precedentes, pois nunca tivemos tanta capacidade de agir de modo positivo no ambiente social, natural e em nossas relações – tanto entre humanos quanto com outras espécies. Ainda assim, o autor advertiu: “A pandemia foi uma demonstração clara de que o nosso barco pode virar. Ele já virou, aliás, para a maior parte da população. Basta a gente ver quantas pessoas passam fome hoje”.

O livro transita entre estas duas alternativas opostas, e é de conexões. Sidarta resgata diversas teorias científicas da evolução e do comportamento humano e defende que, para praticarmos o otimismo apocalíptico, precisamos resgatar a parte positiva de nossa ancestralidade, formada pela “reunião de saberes de diversas culturas e comunidades, hoje disponíveis para todos nós”. Para ilustrar a urgência do momento, o autor fez referência a um barco que navega em um banzeiro – parte perigosa do rio Amazonas, onde há muita turbulência. Estamos diante da possibilidade de criar uma nova realidade, mas, se fizermos tudo errado, nas próximas décadas não haverá seres humanos e, se existirem, talvez nos almadiçoem”, alertou. 

Para ele, devemos descartar a “ética da competição de fundamento patriarcal”, que há cerca de 100 mil anos permitiu a sobrevivência do Homo sapiens.  “Agora que a escassez acabou, esta ética não faz mais sentido. Precisamos resgatar a nossa ancestralidade matriarcal: a ética do cuidado, da colaboração, da cooperação, da responsabilidade, competência e confiança, desenvolvidas há milênios e que mantém a coesão de grupos sociais de cultura muito rica, como é o caso dos Yanomami”. A busca pela ancestralidade matriarcal, segundo o neurocientista, deve estar ligada à busca pela qualidade de vida, deixada de lado na atual economia de descarte. Ao Outra Saúde, Sidarta afirmou que a mudança do atual sistema econômico é imprescindível. “Precisamos trocar esse sistema por um de economia circular. Acredito que vamos conseguir levar conosco coisas positivas do atual sistema; mas ele precisa mudar”, argumentou. 

O “sistema de descarte” influencia diretamente a química de nosso cérebro, que por sua vez dita nossos comportamentos coletivos. “A dopamina e a serotonina são muito separadas no cérebro”, explicou Sidarta. A primeira funciona através de um sistema de recompensa e está envolvida com vícios, por exemplo; quanto mais se tem do que se quer, mais se quer. Já a segunda é ativada “quando estamos com alguém que amamos, quando vamos a uma festa, quando vivemos algo novo ou quando fazemos ou usufruímos de arte”. “Hoje vivemos um ciclo vicioso de ‘shots’ de dopamina: mais dinheiro, mais likes, mais mercadorias. Mas a força vital está na relação que temos com outras pessoas, com outras espécies e com nós mesmos”, sustentou. 

Ao homenagear as vítimas mais recentes da violência econômica e social no Brasil, como Marielle Franco, Genivaldo, Bruno Pereira e Dom Phillips, Sidarta alertou para diversas problemáticas que não representam uma “crise qualquer”: o retorno da fome no Brasil, a mudança climática e o avanço da tecnologia sem propósito que levará ao desemprego pela substituição de trabalhadores por máquinas e, em particular, a violência e depredação perpetradas pela indústria da carne e pelo agronegócio. “Existe hoje a coisificação dos animais, em nome de um crescimento econômico e um progresso que tem como consequência a destruição dos biomas para a produção de mais pasto e de mais carne. A comida está cheia de pesticidas, hormônios, antibióticos, microplásticos e metais pesados”, alertou. 

Sidarta Ribeiro é também formando do Grupo Capoeira Brasil, discípulo dos mestres Caxias e Paulinho Sabiá,  Entrou no palco para o lançamento de Sonho Manifesto de camiseta, tênis e cumprimentando os presentes ao som de um berimbau.  A rápida mudança das novas gerações se comparadas às antigas guarda a esperança para a transição estimulada em Sonho Manifesto. No livro, Sidarta argumenta que só será possível atingir a mudança coletiva se ela ocorrer, primeiramente, a nível mental. O otimismo apocalíptico está ligado a uma máxima para o autor: o novo sempre vem. 

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