Após especulações, Nísia chega à mídia

• Nísia Trindade fala novamente e expõe trabalho do ministério • Vacinas anticovid, extremamente seguras • Europa pena com os antivacina • Mercosul poderá produzir medicamentos em parceria? • EUA sem fármacos para quimioterapia •

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Depois de quase um mês a repercutir os blefes do “Centrão” pelo comando do ministério da Saúde, a fim de reativar esquemas de corrupção apoiados nas emendas parlamentares do chamado orçamento secreto, enfim a mídia corporativa começou a dar ouvidos à ministra Nísia Trindade. A titular da pasta mais produtiva do governo Lula já tinha se mostrado segura no cargo ao cutucar os interesses inconfessáveis que a rondam. “Não há nenhuma proposta para reestruturação do ministério da Saúde por parte do presidente Lula nas nossas discussões ministeriais”, garantiu. 

“Mas, naturalmente, vejo um movimento, que toda a imprensa está acompanhando e participando de alguma forma, de que a pasta da Saúde deve mudar, que a condução atual, sob minha responsabilidade, não é a melhor. Sobre isso, o que tenho a dizer é que tenho contado com total apoio do presidente Lula, ele é o responsável pela indicação e pela preservação da linha atual sob minha condução”, afirmou no Seminário de Atenção Especializada à Saúde, com a sutileza que caracteriza suas declarações.

Ministra expõe feitos

Já na tarde desta quarta (28/6), Nísia Trindade foi ao Estúdio I, programa vespertino da Globo News. Lá, listou as políticas públicas de saúde organizadas em sua gestão. Atendimento aos yanomami, Mais Médicos, equipes multiprofissionais, Farmácia Popular, incentivos ao Complexo Econômico Industrial de Saúde, retomada das campanhas de vacinação e combate ao negacionismo foram destacados em suas falas. Como tem destacado o Outra Saúde, e repercutiu o Intercept nesta semana, os interesses pelo comando da saúde não resguardam nenhuma causa nobre, não à toa se manifestam apenas por boataria plantada na mídia de mercado e não formulam nenhuma objeção prática ao conteúdo de seu trabalho. 

O lobby em torno do ministério é um verdadeiro escárnio com a população. Pior: em termos políticos, poderia representar a ruína do governo Lula, que deve muito de sua vitória eleitoral à resistência organizada na sociedade brasileira contra o negacionismo científico e os crimes cometidos pelos ex-ministros da Saúde Eduardo Pazuello (o general que “nem sabia o que era o SUS”) e Marcelo Queiroga.

O risco desprezível das vacinas contra a covid

Conquistada contra a resistência do governo Bolsonaro, a vacinação contra a covid salvou a vida de 700 a 880 mil brasileiros, segundo estimativas do Imperial College, de Londres. Sem ela, uma população equivalente à de dez cidades de Ouro Preto (MG) teria sucumbido. Mas houve casos de morte provocada pelas vacinas? Sim – aponta estudo recém-publicado pelo ministério da Saúde – mas o número de ocorrências é desprezível. Ao todo, mostrou a investigação, 70 pessoas morreram em decorrência das vacinas. Como 710 milhões de doses foram aplicadas, o risco de perecer por causa da imunização é equivalente a um em dez milhões – duas mil vezes menor que o de sofrer homicídio, ao longo de um ano. Outro dado eloquente, segundo o estudo do ministério: para cada óbito com a vacinação, entre 43.750 a 55.000 mortes foram evitadas pelas vacinas.

Os resultados surgiram após exame minucioso de todas as suspeitas que relacionavam vacinação a óbitos. Todas as mortes, informa o ministério da Saúde, deram-se em adultos. O relatório final ressalta: as pouquíssimas ocorrências devem-se ao fato de que “Como qualquer outro medicamento, não se pode descartar totalmente o risco de evento grave”.

Europa, com os antivax, continua perecendo

Em contraste com o êxito da vacinação no Brasil, a Europa continua registrando um alto número de mortes por covid. São cerca de mil por semana, alertou ontem o escritório europeu da OMS. Em entrevista coletiva, Hans Klüge, o diretor do órgão para o velho continente alertou que “a pandemia não acabou” e pediu que os Estados europeus garantam a vacinação de pelo menos 70% da população vulnerável. Ele frisou, aliás, que o número de óbitos pode estar subestimado, pois alguns países simplesmente deixaram de fazer o acompanhamento estatístico da doença. Também revelou que um em cada trinta europeus sofre ou sofreu de “covid longa”, que em alguns casos pode ser incapacitante.

O gráfico abaixo, do Our World in Data, desenha o descuido da Europa. Nos últimos meses, seu índice de óbitos por milhão de habitantes ultrapassa 250, mais que o dobro da América do Sul e seis vezes mais que a Ásia. Matéria do New York Times ajuda a compreender a força do movimento antivacina entre os europeus, e sua relação com a ultradireita.

Medicamentos: o Mercosul poderá se livrar da dependência?

A balança comercial brasileira relativa a medicamentos registrou, em 2022, déficit de US$ 7,1 bilhões. Na Argentina, onde a carência de dólares é maior, a dependência ameaça, de tempos em tempos, provocar escassez nas farmácias. Não seria o caso de o Mercosul, com população próxima a 300 milhões de habitantes, somar esforços pela autossuficiência em fármacos? A proposta, que é antiga, foi reforçada em 21 e 22 de junho últimos, por iniciativa do Brasil. Ao participar do comitê que trata da produção de medicamentos no bloco (o CAHECPR), o vice-presidente de Produção e Inovação da Fiocruz, Marco Krieger, sustentou-a com ênfase.

Krieger vê complementaridade nos parques farmacêuticos do Mercosul. Mas lamenta não haver quase nenhum esforço para articular ações comuns. Durante a reunião, ele sugeriu duas primeira ações: a) identificar janelas de oportunidade para desenvolver, desde já, a produção articulada; b) localizar deficiências produtivas de longo prazo e tentar saná-las com investimentos estratégicos. A Fiocruz, aliás, já está agindo para estimular a integração. A fundação oferecerá no segundo semestre, a técnicos do Mercosul e países associados, um Curso de Vacinas como Produto. Terá formato híbrido e culminará com visita à própria Farmanguinhos / Fiocruz e ao Butantã.

Falta de medicamentos básicos prejudica quimioterapias nos EUA

Os Estados Unidos passam por uma grave crise de escassez de remédios usados em variados tratamentos de câncer. Matéria do NY Times mostra que o fenômeno surgiu da combinação do fechamento de uma fábrica que produzia os fármacos. Foi ampliado pelo fechamento de outra planta, na Índia, para atualizações sanitárias, de modo que a recuperação de seus índices de fornecimento levará tempo. A China surge como solução paliativa, mas as quantidades importadas do gigante asiático não são suficientes mesmo com o relaxamento das restrições comerciais, motivadas pelas disputas geopolíticas entre ambos. 

Enquanto isso, pacientes são obrigados a adiar tratamentos ou retomar métodos superados e mais agressivos à saúde. Já os oncologistas, correm cada vez mais riscos de se verem obrigados a optar por privilegiar pacientes com maiores chances de cura na hora de destinar seus limitados estoques de remédios mais adequados. Cisplatina e carboplatina são dois dos remédios mais usados nos tratamentos e seu custo é baixo, mas têm custos consideráveis de segurança em seu processo produtivo, o que explica o desinteresse da indústria farmacêutica norte-americana em produzi-los. Resta ao governo buscar novas soluções para garantir o suprimentos dos medicamentos para câncer.

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