A batalha em torno da quebra de patentes na pandemia

Começou hoje reunião da OMS que vai debater proposta. Brasil deve ser apenas espectador

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Começa hoje a reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC) que vai debater a proposta de Índia e África do Sul sobre a quebra temporária das patentes de todas as tecnologias de saúde necessárias ao enfrentamento da pandemia. A ideia será debatida no Conselho TRIPS – sigla para o acordo que protege patentes no comércio internacional, mas prevê exceções em casos específicos. 

As chamadas “flexibilidades do TRIPS” foram introduzidas em 2001, na esteira de um debate sobre outra grande crise de saúde pública: a epidemia de HIV-Aids. Na época, o Brasil se uniu a outros países para defender mudanças que permitiram a fabricação e importação de medicamentos genéricos ou biossimilares – algo que, inclusive, se tornaria a principal marca do governo Fernando Henrique Cardoso na saúde, sob o comando de José Serra. 

O princípio que rege o debate hoje é o mesmo de 20 anos atrás: durante emergências, deve prevalecer a proteção da saúde da população. Em outras palavras, a vida deve prevalecer sobre o lucro; e a soberania dos Estados sobre os interesses privados – até porque a restrição do acesso a vacinas, por exemplo, terá efeitos também sobre a economia, aprofundando ainda mais as desigualdades entre nações ricas e pobres.

“A maioria dos países ainda adere às regras globais de patentes e faz uso das ‘flexibilidades do TRIPS’ muito criteriosamente porque pode enfrentar reivindicações na OMC – ou outros tipos de pressão e represália de países que sediam as empresas farmacêuticas que detêm as patentes originais. Como resultado, a OMC continua a controlar quando e em que medida as proteções de propriedade intelectual são aplicadas, ou negligenciadas”, resume uma excelente reportagem do site Health Policy Watch, situando a importância da reunião que vai até amanhã.

A proposta sul-africana e indiana já ganhou apoio de entidades e organizações que lutam pelo acesso a medicamentos e de parlamentares da União Europeia. No Brasil, a carta da sociedade civil em apoio à iniciativa recebeu mais de mil assinaturas. Segundo relatos aos quais Outra Saúde teve acesso, a diplomacia brasileira pretende ser mera expectadora nessa batalha: vai esperar para ver como se saem África do Sul e Índia na defesa da ideia, e também a reação dos países que sediam a Big Pharma.

De acordo com o Health Policy Watch, embora o problema de acesso a tratamentos esteja afetando também nações ricas – há uma crise na Holanda por falta do remdesivir –, a tendência não é favorável à proposta, que é considerada muito abrangente. “Os países industrializados, incluindo os europeus que podem até estar sofrendo com a escassez, não aceitariam tal medida”, apurou o site junto a quem acompanha as discussões. 

Se fracassar, o plano B das organizações que defendem o livre acesso às tecnologias de saúde é resgatar uma iniciativa da OMS que não decolou.  A C-TAP é um pool de patentes que funciona por adesão voluntária. Até agora, só 41 países aderiram. O apoio da indústria é incipiente. 

“O sucesso do C-TAP vai depender do apoio político que receberá. Mas a persuasão precisará vir de governos e instituições que gastam recursos públicos no desenvolvimento de novos medicamentos e vacinas, exigindo de seus destinatários que compartilhem com a OMS a propriedade intelectual e o know-how que criaram graças a esses fundos públicos”, aponta a advogada Ellen t’Hoen, histórica defensora do livre acesso a tratamentos. Para se ter uma ideia do rio de dinheiro público que está sendo despejado na indústria farmacêutica durante a pandemia, só a União Europeia prometeu destinar € 16 bilhões, mais de R$ 100 bi, para assegurar acesso a vacinas, tratamentos e testes.

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