Resenha Semanal: a posse de Bolsonaro e dias seguintes (janeiro 2019)

1 de janeiro: o dia da posse

Fui à casa de J assistir a posse de bolsonaro e almoçar no meio da tarde. Eram quase 15h e eu ainda estava a caminho, buscando uma coca-cola para a ressaca dele. No boteco, um raro estabelecimento aberto no dia de hoje, vi que Bolsonaro ia saindo do Congresso. Ao chegar ao portão de seu prédio, ouvi vozes celebrando o Coiso, mas também uma moça gritou a mensagem que ecoou pelo ar de Santa Cecília “Ele Não!”.

Acabou que não vimos muito da posse. Preferimos conversar e comer a ficar refém da cerimônia que apenas celebraria a normalização da barbárie. Mas ao final sintonizamos a televisão a tempo de ver o discurso no Parlatório. Assustou pela sua tosquice e ameaças. Empunhando uma bandeira do Brasil, disse: “esta é a nossa bandeira, que jamais será vermelha. Só será vermelha se for preciso o nosso sangue para mantê-la verde e amarela’”. A massa gritava eufórica, “WhatsApp! WhatsApp! Facebook! Facebook!”. Muito louco que a multidão em uma posse presidencial gritasse o nome dos aplicativos, celebrando o canal direto com a população propiciada pelos ditos aparatos e ainda chamando isso de democracia.


No geral foi uma posse populista, meio de campanha. Comparando com a posse de Lula, que revi recentemente no Youtube, e que vi ao vivo, foi menos emocionante. A sensação de algo inédito ou promissor, de história sendo feita ao vivo, pela totalidade da nação, não aparecia. Tenho certeza que o bolsonarista que foi à Brasília achou exatamente o contrário, reconhecendo lemas de campanha na declaração de princípios no discurso do empossado.

Não pude deixar de recordar quando fui à primeira posse de Lula, em Brasília também.

Fomos de carro até Brasília, cheios de esperança. Mas o que experimentamos lá foi meio dúbio. Era muito emocionante encontrar gente de todo o país e de todas as lutas no dia radiante que acorreram ao evento inédito. Mas também ficou claro que o povo só era bem-vindo como cenário para Duda Mendonça. Lula não falou ao povo presente, não foi ao Parlatório, não ouvimos Fidel, nem Chaves, nem ninguém: apenas acenamos detrás das grades para o distante cadillac presidencial. Mas quem viu pela TV, em casa, disse que foi incrível.

A única impagável e redentora interferência semiótica no discurso oficial da posses de Bolsonaro foi a frase “Lula Livre”, escrita no asfalto por onde o cadillac passou, que apareceu em todas as emissoras.

Mas o tom geral foi de normalização e baba-ovo da imprensa. Para a extrema-direita e para o consórcio que elegeu Bolsonaro, este será o ponto alto. Tudo agora é consagração e promessa, cerimônias, apertos de mão e sorrisos nas investiduras. É a hora deles, não adianta ter raiva agora. É preciso sobreviver e testemunhar.

No geral, temos contradições que apontam para o autoritarismo. Ele diz querer unir mas fala dividindo: existe um povo unido, mas que só surgirá com a eliminação do contraditório. No Congresso, disse este era “o dia em que o povo começou a se libertar do socialismo, da inversão de valores, do gigantismo estatal e do politicamente correto.” Não falou em governar para todos etc.

J disse que viu muitas bandeiras dos EUA e de Israel na posse. Discutimos muito como a esquerda vai evoluir. Ele é crítico da esquerda identitária, e acha que temos que superá-la. Aceita que quem peitou Bolsonaro foram as mulheres e que a CUT não mais consegue. Frisou a necessidade de um projeto econômico para a esquerda, e que agora, com Yanis Varoufakis, precisamos barrar o pior do neoliberalismo e insistir na proteção social.

A imprensa foi muito maltratada durante a cerimônia, seu trabalho limitado e seus repórteres confinados e ameaçados de levar tiro. Tinha um boato que ia ter um atentado, o que propiciou uma pantomima de pessoal e equipamento, incluindo mísseis. Miriam Leitão reclamou do tratamento dispensado à imprensa. Mônica Bérgamos descreveu a sorte dos jornalistas no Planalto. mas senti pouca pena: o Coiso é filho de vocês, agora aguentem, gente!

Então assim foi minha posse. Desde a eleição que várias medidas são prometidas, muitas delas catastróficas. Todos esperam o pior.

2 de janeiro

Ouvi da cama, hoje de manhã, dois vizinhos brigarem na rua. Parece que um deles estacionou o carro em lugar que atrapalhava a saída do outro morador. A coisa escalou e virou bate-boca intenso. O motorista não recolocou seu veículo e saiu andando.

Estou no boteco e na tela silenciosa parece o Jornal Nacional: Doria, Bolsonaro e Moro discursando. Noto como tem muito milico no fundo, muita gente de uniforme. No caso de Moro, agora, aparece uma moça muito maquiada e de cabelo preso, uniformizada e ricta.

A erotização da presença militar na sociedade era projeto nas décadas após 1964, e agora também parece ser o caso.

A coluna de Ascânio Seleme, editor do jornal O Globo, afirma que haverá caça a servidores com posições contrárias ao governo de Jair Bolsonaro (PSL) começou nesta quarta-feira (2) e está sendo feita via redes sociais.

Segundo o jornalista, o “pente fino” está sendo feito entre todos os funcionários sem estabilidade, que ocupam cargos comissionados, que estão tendo suas contas em redes sociais analisadas. Se a pessoa tiver postado alguma coisa como “Ele não”, “Fora Temer”, “Foi golpe” ou “Marielle vive”, será sumariamente demitida.

3 de janeiro

Celeuma com as primeiras medidas e impacto dos discursos dos ministros empossados. Na posse do Ministro da Defesa, Bolsonaro deixou escapar que houve articulações com o general Eduardo Villas Boas que estimularam sua candidatura. Ou seja, o Poder Militar e o Poder Jurídico se juntaram para manter Lula fora do jogo e viabilizar a candidatura dele. Já o discurso surpreendentemente cidadão do Ministro Paulo Guedes, sobre a reforma da Previdência, explicitando uma realidade: “A Previdência é uma fábrica de desigualdades. Quem legisla tem as maiores aposentadorias. Quem julga tem as maiores aposentadorias. O povo brasileiro, as menores”. [não falou dos militares…]

A ministra Damares expressou seu reacionarismo na forma de regras de vestimenta infantil: “Menino veste azul, menina veste rosa”

4 de janeiro

Repercute o apoio do PSL a Maia, no Congresso. Por um lado o acordo oferece estabilidade e uma maioria para o governo. Por outro, aliena o MDB e PP que vinham costurando outro acordo com Maia, com a oposição. Parece que há resistências dentro do PSL à vinculação da sigla com Maia.

Repercute a entrevista de ontem, que Bolsonaro deu à SBT. Afirmou que pode extinguir a Justiça do Trabalho, que Queiroz “fazia rolo” mas ele não tem nada com isso.

Lembrei da grita que foi na imprensa quando o PT insinuou regulamentar a atividade noticiosa. Muito grito de “censura” e “ditadura”. Hoje, nada. Nada contra a discriminação que o presidente faz a certos órgãos.

6 de janeiro

Repercute ainda a fala de B0lsonaro agradecendo ao gal. Villas Boas pelo resultado das eleições, admitindo que não fosse a pressão militar, o resultado seria outro. A imprensa de esquerda fica sublinhando as pequenas rebeliões dos artistas e outros ao “azul/rosa” de Damares.

Ou ainda os desmentidos constantes de diferentes partes do governo acerca de temas da Previdência, embaixada em Jerusalém, base militar americana etc. Ainda se avalia se esse método trumpiano de governar pelo caos está a rachar o próprio governo, assim como as oposições, e levá-lo a uma crise interna. Um comentarista analisa que as escolhas militares para os ministérios não são representativos de todo o exército, nem nomes técnicos, mas seriam membros de uma “coterie” dentro das FFAA, o que também geraria tensões.

Vi uma chamada para um ato coxinha contra Maia para o dia 27 de janeiro. Quem chama é um grupo de direita.

7 de janeiro

Apareceu ontem numa coluna do Globo que haverá critério ideológico para a concessão de bolsas federais, e que as presentes bolsas podem ser revistas, na onda da atual “despetização” do governo. Fiquei em pânico e difundi a notícia, mas depois me arrependi: a fonte é um colunista que soube de uma reunião não especificada dentro do governo, e tem cara que foi solta para causar grita apenas.

Mas essa tipificação é um passo inicial que acaba com o isolamento e criminalização da esquerda toda, tipo limpa nos cargos públicos depois imitada pela iniciativa privada (F relatou que muitos professores da rede privada estão sob pressão por posicionamento ideológico).

Assusta muito o silêncio dos democratas. É verdade que o Estadão questionou o chanceler em editorial, mas todo mundo está esperando o resultado das negociações com o Congresso (Previdência) para dosar sua oposição ao governo. Além disso, o STF não se posiciona contra a flagrante inconstitucionalidade do filtro ideológico.

Na França, os Jalecos Amarelos continuaram sua jornada de protestos.

A imprensa de direita, e o gal. Mourão, as rebeliões no Ceará é obra do PT, que estaria envolvido nos “atos terroristas”. Mourão teria dito que a ideia era forçar uma intervenção federal, para que se tranquem as pautas no Congresso e atrapalhar o trabalho do governo.

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