Resenha Semanal

18 a 25 de outubro 2019. Revolta popular no Chile coloca sob perspectiva as reformas neoliberais de Paulo Guedes. O óleo se espalha no mar e o STF se solta em Brasília.

Esta semana foi cheia de emoções contraditórias. A reforma da Previdência foi aprovada definitivamente no Senado, o julgamento da prisão depois da segunda instância no Supremo Tribunal Federal foi suspensa com placar favorável à sua proibição, o Chile explodiu em chamas de revolta, a implosão pública do PSL continua.

A privatização da luz produziu brilho ardente…

Acompanhei as manifestações no Chile e foi muito impressionante perceber o nível de revolta e da violência estatal. A cobertura aqui no Brasil está bem tímida, mas os paralelos com o país são muitos e incontornáveis. O prédio que queimou no centro da cidade é da ENEL, que é a mesma companhia privada de eletricidade aqui do Brasil.

A revolta em ares de levante popular: é nacional, é massiva, não tem solução institucional fácil e exige um reset do consenso político até agora. O presidente Piñera não renuncia, seus pacotes e recuos não colam. Para os analistas de esquerda trata-se de um derretimento do neoliberalismo e esgotamento do capitalismo hegemônico e suas privatizações. Um novo consenso precisa ser construído para mudar os rumos do país.

Acompanho dois sites chilenos, o #estopasaenchile e o Piensa Prensa. Muitas ocorrências de atrocidades cometidas pela polícia, tipo terrorismo de estado contra a população civil: disparos com munição viva, assassinatos, tortura e espancamentos. Há relatos de estupros e humilhações: vi um vídeo onde policiais tiram a roupa de manifestantes e os mandam correr; obrigam detidos a fazer exercícios forçados. Vi vídeos de militares em carros civis sequestrando pessoas na rua, outros que cheiravam cocaína na rua antes da repressão. Uma moça feminista foi violada e torturada antes de aparecer morta amarrada a uma grade. Tem pelo menos dois atropelamentos deliberados de viaturas policiais contra manifestantes, que morreram. Vi militares disparando contra contra bombeiros, e atirando para dentro das casas.

“Estamos esperando a movimentação do trem à frente”

A depredação de propriedade, como é normal em situações assim, é de difícil responsabilização. Há saques a supermercados, incêndio de bancos e outras instituições. Mas eu vi pelo menos 3 ocorrências documentadas em vídeo de militares ou policiais roubando mercadorias e mesmo combinando com a galera como realizar um saque. Mais de uma criança foi assassinada, e mais de 400 menores de idade foram detidos.

Claramente o estado chileno deu carta branca suas forças oficiais e extra-oficiais para praticar o terror. Pensei muito no Brasil, onde haveria também as milícias para tocar o pavor. Nessas horas dá pânico de ver como o estado está aparelhado para praticar a violência contra seus cidadãos, e que tal aparato se preparou na normalidade democrática.

É difícil negar o direito sagrado de revide da população. Vi alguns políticos e comentaristas falando na linha “sim, mas é preciso mudar pelos canais legais” e “o respeito à ordem” e tal, mas lá a coisa passou desse ponto, a anomia e derretimento são provocados pela política de violência estatal. Revidar e se defender é um direito que não pode ser negado a quem está defendendo os direitos fundamentais, além de sua própria vida. A informação demora a capilarizar desde a rua até os meios de comunicação, que no geral são coniventes com o regime.

Cara de um, focinho do outro

Há muitos momentos emocionantes também, como no primeiro dia, quando as meninas estudantes colegiais, de uniforme (vestido e meias pretas), forçando um portão e tomando uma estação de metrô, o sanfoneiro tocando a canção Bella Ciao na frente de uns milicos de moto, na rua. E um menino pequeno que dançava e batia sua panela na pequena varanda do apartamento, ou a multidão dançando ao som de um batidão eletrônico, como em uma rave, sob o jato d’água do veículo policial.

Enigma liberal: não se enxuga a polícia?

Os sindicatos decretaram greve geral, e os caminhoneiros aderiram ao movimento. São mais de 19 mortes registradas, com 2.840 pessoas detidas e 295 feridas.

Anagrama: desembaralhe as letras e descubra a ideologia que levou ao esgotamento da sociedade chilena (a pontuação só despita!)

Vejo agora que o Congresso em Valparaíso foi evacuado, devido à enorme manifestação que ocorreu na frente dele. Em Santiago, seguem as mobilizações.

Circulou um áudio, confirmado depois como verdadeiro pelo governo, da primeira-dama do Chile: “Estamos absolutamente acima do limite, é como uma invasão estrangeira, alienígena, não sei como dizer, e não temos ferramentas para combatê-la. Por favor, mantenhamos a calma […] Vamos ter que diminuir nossos privilégios e compartilhar com os demais”.

Caiu a ficha!

Anagrama: desembaralhe as letras e descubra como o Chile tem Paulo Guedes em comum com o Brasil.

No dia em que a Previdência foi votada aqui no Senado brasileiro, o dólar baixou e a Bolsa subiu… Mas as chamas do país vizinho hão de iluminar o Brasil. Ficou vivo na memória um moço, na rua, dizendo “eu perdi o medo”.

Mais do que tudo, no caso do Chile mas também de toda a esquerda latinoamericana, não vai adiantar melhorar, precisa romper. O PT e Lula, e todos nós, pagamos pelo preço de aceitar as restrições ao avanço social. Não há normalidade democrática para a qual voltar. Precisa pensar e agir em termos pós-capitalistas, antiausteridade. Nas palavras de um companheiro, “um outro 2013 deve vir por aí, e dessa vez a esquerda precisa estar do lado certo…”.

Quem sabe faz a hora…
Nada pessoal, mas a fila anda…

Agora isso deve tomar maior importância, pois Lula deve ser solto em breve, e seu papel na política nacional vai ser relevante. As novas esquerdas precisam ser levadas a sério e a tentação de formar um frentão democrático paralisante ao invés de construir uma saída transformadora vai levar inevitavelmente a outra armadilha das direitas.

Não! Outra vez essa história não!
Anagrama: desembaralhe as letras e descubra a flor que se reencontrou com a Constituição de 1988

A direita fez algum auê para pressionar o STF no julgamento da segunda instância. Moro reclamou um pouco, dois generais do governo falaram em caos social, rumores nas redes e, na revista Veja, uma declaração de Marcos Valério dizendo que foi Lula que mandou matar o prefeito Celso Daniel.

Anagrama: desembaralhe as letras e descubra o governador oportunista que come as sobras da orgia bolsonarista

Mas a revista IstoÉ traz graves acusações contra os filhos do presidente, parece que a mando do governador de São Paulo, que acolhe ex-bolsonaristas como Alexandre Frota e Joice Hasselmann, preparando sua candidatura para presidente.

Anagrama: desembaralhe as letras e descubra comentarista que ajudou a criar o mosntro que nos assombra hoje.

Deltan Dallagnol tem sido escrachado em palestras que continua a dar, e até Sérgio Moro tem agora que responder perguntas sobre abuso de autoridade.

Decifre o texto enigmático seguindo as instruções e descubra o que faz quem foi ouvido dizendo “Tem mais de 500 cargos lá, cara, na Câmara, no Senado… Pode indicar para qualquer comissão, alguma coisa, sem vincular a eles [família Bolsonaro] em nada”.

O vazamento de óleo continua a se espalhar por todo o litoral do Nordeste, e o governo ainda não consegue responder à emergência de maneira efetiva. Acusaram a Venezuela, o Greenpeace, a esquerda, envolveram as Forças Armadas em limpeza cosmética e midiática… Um crime e um vexame para o ministro Salles.

Soluções dos anagramas: neoliberalismo, reforma da previdência, ministra Rosa Weber, João Dória e Reinaldo Azevedo.

Texto enigmático: Queiroz trabalha mesmo sumido.

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