Brasil nas ruas contra o patriarcado

Manifestações em 22 Estados têm, entre seus focos, resistir aos retrocessos do governo Bolsonaro: na Previdência, na Saúde, na agenda moralista. Leia também: ebola (e ocidentais…) atormentam o Congo; o Facebook lerá também seus pensamentos?

Crédito: Mídia Ninja
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8M: NO CAMPO, NA CIDADE, NA SAÚDE E NA CIÊNCIA

A desigualdade de gênero nos centros urbanos é um problema, mas no campo as mulheres estão ainda mais fragilizadas em vários aspectos. As longas distâncias entre vizinhos, a falta de telefonia e internet e a ausência de serviços de saúde e de delegacias especializadas são uma combinação que favorece, e muito, a ocorrência – e a subnotificação – da violência doméstica. A importância econômica da atividade feminina na agricultura familiar é ignorada. A violência patrimonial é uma realidade para grande parte das camponesas, que em alguns casos chegam a ter roubado seu direito à herança. A depressão das mulheres mais velhas, que perdem com a capacidade reprodutiva o pouco poder que tinham, fica invisível e sem cuidados. Juntem-se a isso aqueles problemas que também atingem mulheres da cidade – como a falta de voz em espaços como sindicatos e mesmo movimentos sociais – e temos uma situação nada fácil.

Mas, conscientes das desigualdades, camponesas se organizam há anos em todo o país em busca de superá-las. Neste 8 de março, para entender as dificuldades e as lutas das mulheres na agricultura familiar e nos movimentos agroecológicos, o Outra Saúde conversou com a agrônoma Elisabeth Cardoso, que coordena o Grupo de Trabalho de Mulheres da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e milita na Marcha Mundial de Mulheres. Ela conta que muitas camponesas se articulam hoje com movimentos feministas e, mesmo que a passos lentos, um bom caminho foi percorrido. Porém, muitas conquistas já foram enterradas – e a perspectiva em termos de políticas públicas é a pior possível.

É o caso da proposta que golpeia a Previdência Social, que deve começar a tramitar pra valer no Congresso agora e, do jeito que está, dificulta muito a aposentadoria para as mulheres (e também para os homens) do campo. Denunciar a ameaça é um dos chamados dos protestos que acontecem em 22 estados brasileiros hoje, que têm como mote: “Pela vida das mulheres, somos todas Marielle”. Daqui a menos de uma semana, os assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes completam um ano – ainda sem solução pela polícia.

O 8 de março também tem sido usado para chamar atenção da sociedade contra a violência generalizada contra mulheres. Um levantamento da Folha mostra que, pelo menos, 179 mulheres foram vítimas de feminicídio ou sobreviveram a uma tentativa desse crime no país apenas em janeiro de 2019. Desse total, 71% foram atacadas pelo atual ou por um ex-parceiro. E de cada quatro suspeitos, um tem histórico de violência ou antecedentes criminais.

Outro aspecto sempre lembrado no Dia Internacional das Mulheres é a iniquidade no mercado de trabalho. Hoje, elas compõem nada menos do que 70% da força de trabalho em Saúde do planeta. Mas ocupam apenas 25% das posições de liderança, e apenas 12% das cadeiras em academias nacionais de ciências mundo afora. Na área, a diferença salarial entre mulheres e homens é alta: por volta dos 26% em países ricos, chegando a 29% em países médios. Os números foram levantados pela Organização Mundial da Saúde – ela própria, composta por mais mulheres em posições de responsabilidade (60%).

A reportagem de capa da revista Radis, da Fiocruz, fala da atuação das mulheres na ciência. Segundo a repórter Elisa Batalha, há um “teto de vidro” que cria uma grande distorção: embora as mulheres sejam a maioria da população brasileira, detenham a maior parcela de vagas no ensino superior há 27 anos e representem 59% das bolsas de iniciação científica do CNPq, essa participação caiu na medida em que se chega mais perto do topo da pirâmide do fomento à pesquisa. A mais prestigiosa, a 1A, é dirigida a apenas 24% de mulheres. Na Academia Brasileira de Medicina apenas 4,3% das cadeiras são preenchidas por elas, apesar de 55% dos formandos na profissão serem mulheres.

INCANSÁVEL

Depois da sanha no Twitter, Jair Bolsonaro deu não uma, mas duas declarações preocupantes ontem. Comecemos pela que concerne à saúde: o presidente – que voltou a fazer transmissões ao vivo no Facebook seguindo um conselho de Olavo de Carvalho – afirmou que pediu para o Ministério da Saúde recolher uma caderneta distribuída pelo governo federal desde 2008 para promover a saúde do adolescente. O motivo? O material contém imagens que mostram como prevenir a gravidez e doenças sexualmente transmissíveis. Bolsonaro quer colocar no lugar um material “com menos páginas, mais barato e sem essas figuras”.

Em uma agenda na parte da manhã (onde?; logicamente num evento militar) o presidente afirmou que “isso, democracia e liberdade, só existe quando a sua respectiva Força Armada assim o quer”. Segundo a Folha, essa declaração gerou mal-estar também na ala militar do governo por insinuar tutela. Na transmissão ao vivo feita pelo Facebook, Bolsonaro apareceu ao lado do general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, que passou a coisa a panos quentes, dizendo que a frase “não tem nada de polêmico, ao contrário”.

VAZOU

Laudo feito por peritos indicados pela Justiça Federal concluiu que Adélio Bispo de Oliveira, autor do atentado contra Jair Bolsonaro, sofre de uma doença mental. Trata-se do “transtorno delirante permanente paranoide” e, por isso, o documento considera que ele deve ser considerado inimputável pelo crime. Se o juiz seguir a posição dos peritos, Adélio deve ser levado para um manicômio judicial, onde pode cumprir pena por “tempo indeterminado”, segundo fontes ouvidas pelo G1. Contudo, o procurador Marcelo Medina informou ao portal de notícias que a perícia médica pedida pela Justiça resultou em dois laudos: um psiquiátrico e um psicológico, que divergem entre si “quanto a questões relevantes” – embora não tenha esclarecido que questões são essas. Adélio está preso no presídio federal de Campo Grande, para onde foi transferido no dia 7 de setembro.

ABRIU O JOGO

Já falamos aqui da tempestade perfeita que une episódios de violência ao surto de ebola na República Democrática do Congo. Pois, agora, a diretora internacional da Médicos Sem Fronteiras abriu o jogo. Segundo Joanne Liu, as organizações estrangeiras que atuam na resposta ao surto (incluindo a dela) falharam em encarar os pacientes locais “como seres humanos e não como ameaças biológicas”. Isso estaria criando um clima de animosidade entre as equipes de saúde e a população, com a última alienada dos esforços para debelar o surto. “Os profissionais estão sendo vistos como o inimigo”, disse ela. E continuou: “As pessoas ouvem constantemente recomendações para lavar as mãos, mas nada sobre a falta de água e sopa. Eles veem constantemente seus parentes sendo aspergidos com cloro e embalados em sacos de plástico, enterrados sem cerimônia. Eles veem seus objetos sendo queimados.” Dois centros de tratamento do Médicos Sem Fronteiras foram atacados nas últimas semanas, o que levou a ONG a tomar a decisão de fechá-los. O clima no país é “tóxico”, segundo Liu, que avalia que os grupos de ajuda precisam repensar suas táticas, se aproximando de maneiras que as comunidades aceitem, mesmo que isso signifique encerrar a política de isolamento dos doentes e achar meios de tratá-los em casa. Já são sete meses do segundo maior surto da história da doença, com 907 casos e 569 mortes, de acordo com a OMS.

REFÚGIO

Uma matéria bem divertida do New York Times fala sobre o aguardado anúncio do nome da empresa de saúde criada há mais de um ano pelos gigantes Amazon, JP Morgan Chase e Berkshire Hathaway. Chama-se Haven, ou ‘Refúgio’. E tem o slogan: “Chegou a hora de melhorar” (na verdade, algo próximo disso que se perde na tradução). O nome meio frustrante contrasta com o medo que a empresa (cujos planos não se sabe ao certo quais são) desperta na concorrência.

A UnitedHealth Group, uma das maiores seguradores de saúde dos Estados Unidos – que é dona da Amil brasileira – simplesmente resolveu processar o novo empreendimento alegando que um ex-executivo não poderia ir trabalhar no projeto por ter supostamente removido informação confidencial (não ganhou a ação, julgada em fevereiro).

Por seu turno, a Haven insiste que não quer saber de lucro. E o CEO da empresa, Atul Gawande, afirmou em carta publicada no site da Haven, lançado na quarta-feira: “Vamos criar novas soluções e trabalhar para mudar sistemas, tecnologias, políticas e tudo o mais que for necessário para uma melhor atenção à saúde”. O mistério continua.

FORÇA DO PENSAMENTO

Você deve ter visto que, ontem, o CEO do Facebook Mark Zuckerberg anunciou mudanças na estratégia da companhia rumo a uma comunicação menos pública e mais privada, que inclui integração com outras plataformas da empresa: o WhatsApp e o Instagram. A Wired, porém, foi mais a fundo para revelar uma parte dos planos de Zuckerberg que não fazem parte do texto que ele divulgou. É que o CEO está animadíssimo com uma nova tecnologia em desenvolvimento pela empresa que promete interligar cérebros e computador. A ideia é que as pessoas possam navegar pela internet da maneira mais intuitiva possível: através dos próprios pensamentos. Não seria necessário teclar. Ou falar. Questionado sobre as implicações legais e éticas disso no evento em que discorreu sobre o assunto (que aconteceu em Harvard no mês passado), Zuckerberg apenas afirmou que: “Presumivelmente, isso seria algo que as pessoas escolheriam para usar como um produto”. Ele também disse que não se trata de um implante, mas de uma tecnologia que “lê” sinais como pressão sanguínea e atividade cerebral. A empresa já consegue que a máquina distinga se a pessoa está pensando em uma girafa ou num elefante baseada na atividade neural.

VALENDO

Começou a valer ontem a lei que determina a validade nacional das receitas médicas, incluindo os pedidos de medicamentos sujeitos à controle especial. A lei 13.732 foi sancionada em novembro do ano passado.

INCLUA-SE

A Justiça Federal determinou que a União inclua medicamentos à base de canabidiol e tetraidrocanabinol já registrados pela Anvisa na lista de fármacos do SUS. A decisão aconteceu depois de três ações movidas pelo Ministério Público Federal e vale também para medicamentos derivados da maconha que sejam posteriormente aprovados pela agência reguladora. Segundo a sentença, “não possibilitar o acesso dos pacientes ao medicamento ou tratamento de que necessitam, cujo valor não podem arcar, é frustrar a determinação constitucional de permitir o acesso de todos aos serviços de saúde e ter uma vida digna”. 

SAÚDE INDÍGENA

Diante dos planos de Luiz Henrique Mandetta de municipalizar a saúde indígena, o Nexo fez um apanhado dos principais marcos que levaram à decisão contrária: ou seja, à federalização. Já falamos por aqui que o ministro pretende repassar a estados e municípios parte do atendimento que hoje é integralmente feito pelo governo federal, através de uma secretaria especial de saúde indígena criada no Ministério da Saúde em 2010. Segundo ele, o atendimento feito pela União só seria mantido em “áreas distantes” – o que excluiria em uma canetada áreas localizadas nas regiões Sul e Sudeste do país. Basicamente, Mandetta quer acabar com o subsistema de saúde indígena, que ele chama de “um sistema paralelo”, embora esteja articulado com o SUS. Instituído 20 anos atrás, em 1999, o subsistema era uma reinvindicação antiga dos povos indígenas e passou por algumas transformações até chegar à configuração atual.

Resume o Nexo“A gestão da saúde indígena foi transferida ao governo federal tanto pela capacidade técnica da União, maior responsável pela política indigenista, quanto por seu montante de recursos — necessários, por exemplo, para a manutenção de ações permanentes em áreas geralmente remotas. Além disso, o governo não está envolvido em conflitos fundiários que afetam indígenas e lideranças políticas locais.”

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