Pilantropia: escândalo chega à Igreja Católica

Organizações “sociais” que privatizam atendimento do SUS podem ter desviado R$ 52 milhões no Rio – onde Cúria é conhecida pelo conservadorismo. Leia também: Saúde privada “descobre” a prevenção; Bolsonaro e Guedes divergem na Previdência

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PILANTROPIA: ESCÂNDALO CHEGA À IGREJA CATÓLICA

reportagem de capa da Época dessa semana mergulha na investigação que liga a Igreja Católica ao esquema de corrupção do governo Sergio Cabral. A figura-chave é o ex-padre Wagner Portugal, que era diretor de Relações Institucionais e de Filantropia da Pró-Saúde. É com base nas informações que ele e outros delatores forneceram ao Ministério Público que se lança luz sobre a Organização Social (OS) gerida pela Igreja.

Segundo Portugal, a Pró-Saúde teve participação no desvio de R$ 52 milhões dos cofres estaduais em 2013. Os recursos envolviam contratos da secretaria estadual de Saúde, comandada à época por Sergio Côrtes. A partir daquele ano, a OS administrou alguns dos maiores e mais importantes hospitais da rede: Getúlio Vargas, Albert Schweitzer, Adão Pereira Nunes e Alberto Torres. A Pró-Saúde tem sede em São Paulo. Segundo as investigações, sua entrada no Rio foi arquitetada pelo empresário Miguel Iskin, com aval de Côrtes. Entre 2013 e 2015, o faturamento da Pró-Saúde saltou de R$ 750 milhões para R$ 1,5 bilhão e os contratos com o Rio chegaram a representar metade desse total.

As descobertas são da Operação S.O.S., desdobramento da Lava Jato no Rio, que levou à prisão 21 pessoas, entre elas Côrtes, Iskin e outro cabeça do esquema, Gustavo Estellita. Segundo os procuradores, Iskin tinha influência tanto sobre o orçamento e a liberação de recursos da secretaria estadual de Saúde quanto sobre as contratações pela Pró-Saúde, indicando empresas e fornecendo toda a documentação necessária, como cotações de preços e propostas fraudadas. Em contrapartida, cobrava a devolução de 10% sobre o valor dos contratos dos fornecedores da OS, que eram distribuídos entre os demais membros da organização criminosa, como Côrtes e Estellita.

A força-tarefa apura se parte da propina bancou despesas pessoais de sacerdotes. Wagner Portugal foi, durante anos, braço direito do cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani Tempesta. Inclusive, entrou nos “negócios” da saúde pública em 2004, apoiado por Dom Orani, quando este era arcebispo de Belém (PA). A amigos, Portugal cometia indiscrições: se gabava de comprar roupas para o cardeal. Numa única ocasião, disse ter adquirido 52 camisas em Roma. Também relatou ter presenteado o arcebispo com caros artigos religiosos, passagens aéreas e contratação de voos fretados para viagens pelo Brasil.

Como se não bastasse o esquema de corrupção, há outra coisa errada nessa história: as Organizações Sociais não podem, por lei, auferir lucros. Logo, a Pró-Saúde não poderia usar recursos próprios — obtidos em contratos com entes públicos — para finalidades privadas.  Outro desafio da investigação é comprovar se seis ou sete pessoas que trabalham diretamente para Dom Orani eram pagas pela instituição, assim como os carros que transportam os integrantes da cúpula da Arquidiocese.

Hoje, a Pró-Saúde tem sob sua responsabilidade mais de dois mil leitos e emprega mais de 16 mil profissionais a partir da gestão de unidades do SUS. É comandada por uma diretoria formada por cinco sacerdotes liderados pelo bispo Dom Eurico dos Santos Veloso, e contrata diretores executivos para gerir as filiais regionais e os contratos com entes públicos. A OS se define como “alicerçada na ética cristã e na vasta experiência católica de trabalho social, voltada aos mais diversos públicos, nas mais distintas realidades”.

ERRO DE UM, ACERTO DE OUTROS

Se até agora não há sinais de greve geral contra a reforma da Previdência, começam a surgir indícios de que o caráter errático do governo Bolsonaro pode servir. Em café da manhã com jornalistas, o presidente afirmou ontem que o governo pode rever pontos da reforma. São eles: a limitação na concessão integral do Benefício de Prestação Continuada, a idade mínima para aposentadoria de trabalhadores rurais e para mulheres. Nesse último caso, Bolsonaro afirmou que pode passar de 62 anos para 60.

A notícia gerou reações negativas na Câmara dos Deputados, segundo o G1, e desgosto para Paulo Guedes, segundo a Folha. No Congresso, alguns líderes consideraram a disposição em ceder positiva. Outros avaliam que é um tiro no pé do governo Bolsonaro anunciar que pode mudar o texto antes de a PEC começar a tramitar, o que só acontece no dia 12. Segundo a coluna Painel, aliados de Rodrigo Maia (DEM-RJ) afirmam que se o presidente “não está segurando a pressão de bancar uma proposta tão impopular, imagine os deputados”.

E um levantamento da XP Investimentos conclui que também o mercado está contando com uma “reforma mais magra” do que a projetada por Guedes.  E 40% dos ouvidos acredita que a reforma só será apreciada no segundo semestre.

Remando contra a maré, a equipe de Guedes contratou até um call centerpara atender a população e tirar ‘dúvidas’.

PÉROLAS DE SABEDORIA

O setor privado brasileiro recentemente descobriu que existe prevenção e promoção da saúde, e que isso é feito por profissionais com foco na família e na comunidade. E finge que essas ideias, presentes no SUS e em diversos outros sistemas públicos há um tempão, são deles.

A entrevista de Sidney Klajner, presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, ao UOL é mais um exemplo disso. O que mais chama atenção não é a admissão de que “provedores, hospitais, clínicas, indústria de equipamentos, indústria farmacêutica, operadoras de saúde” lucram com a doença porque “quanto mais doença, mais bem remunerado eu sou”. Mas o malabarismo lógico de que as mesmas peças que movem a “indústria da doença” são a solução para os problemas do SUS. “Existem ‘expertises’ no nosso país, do setor privado, por exemplo, com uma capacidade ociosa [de leitos hospitalares] que poderiam de alguma maneira interagir com o sistema público para coibir esses ‘gaps’ que há na gestão da saúde”, propôs num dialeto próprio.

Klajner afirmou ainda que a organização que gerencia “hoje não é um hospital, mas um sistema de saúde, que tem em sua missão o propósito de entregar vidas mais saudáveis ao país”. E sonha com a Holanda. Segundo ele, por lá o governo obriga cada cidadão a ter o seu seguro de saúde, contrata uma empresa privada para gerir e, também, hospitais privados para fazer parte do sistema. Aparentemente, tudo isso dá para imitar. Só fica faltando trocar de população. “Eu perguntei para a vice-ministra da saúde na Holanda o que ela enxerga como diferenças de sistemas, e ela falou que uma diferença marcante é que um holandês quando está com gripe toma um Advil e vai dormir, e o brasileiro vai ao pronto-socorro ver se não é uma sinusite”, contou.

ESTÃO LIBERADOS

Ontem, o STF decidiu que o ISS, imposto sobre serviços cobrado pelas prefeituras, não pode incidir sobre seguros de saúde. Só sobre planos de saúde. Em 2016, uma decisão da Corte mencionava ambos. A Associação Brasileira de Medicina de Grupo e a Federação Nacional de Saúde Suplementar entraram com recurso. O relator foi o ministro Luiz Fux, que argumentou que os seguros já estão sujeitos ao IOF, Imposto sobre Operações Financeiras cobrado pelo governo federal. E que cobrar ISS e IOF seria bitributação. O único voto contrário foi do ministro Marco Aurélio. 

ALTA PREOCUPANTE

Relatório da Unicef divulgado hoje concluiu que 98 países experimentaram alta nos casos de sarampo entre 2017 e 2018. Incluindo aqueles que haviam recebido o certificado de erradicação da doença, como o Brasil. E nós não estamos juntos da Ucrânia e das Filipinas apenas no mapa político da extrema direita, mas também por encabeçarmos a lista dos lugares onde o sarampo mais aumentou nesse período. De acordo com a agência da ONU, apenas dez países foram responsáveis por um aumento de 74% nos casos: Ucrânia (30 mil), Filipinas (13 mil), Brasil (10 mil), Iêmen (6,6 mil), Venezuela (4,9 mil), Sérvia (4,3 mil), Madagascar (4,3 mil), Sudão (3,4 mil), Tailândia (2,7 mil) e França (2,2 mil).  A combinação de infraestrutura ruim na saúde, conflitos armados, educação em saúde deficiente, complacência e boatos sobre vacinas formou, de acordo com a Unicef, uma tempestade perfeita, que precisa ser combatida. “É um alerta. Nós temos uma vacina segura e barata contra uma doença altamente contagiosa que já salvou mais de um milhão de vidas por ano nas últimas duas décadas”, afirmou Henrietta Fore, diretora-executiva da entidade. 

SANOFI NOS TRIBUNAIS

Falando em Filipinas, o ministro da Justiça do país anunciou que tem indícios para processar criminalmente seis executivos da Sanofi e 14 autoridades de saúde locais pelas mortes relacionadas à vacina contra dengue fabricada pelo laboratório francês. Para quem não lembra, ficou provado que o imunizante Dengvaxia aumentava as chances de complicação para quem nunca teve a doença. 

NENHUM RESULTADO FOI ENCONTRADO

Falamos com frequência aqui sobre medidas que estão sendo tomadas por redes sociais contra informações falsas na saúde, especialmente sobre vacinas. Pois o Pinterest – site cujo forte é a visualização e colecionamento de imagens – resolveu bloquear as buscas por “vacina”. Dessa forma, qualquer conteúdo está banido da rede. Mesmo que não seja enganoso. A empresa afirma que se trata de uma solução temporária e que pretende desenvolver uma abordagem mais seletiva no futuro. A mudança aconteceu entre setembro e outubro, mas não foi anunciada e só veio a público agora.

Já o Instagram vai bloquear imagens explícitas de automutilação e tornar a busca por essas fotos mais difícil, removendo dos resultados e também tirando hashtags. A mudança foi anunciada em resposta à repercussão do caso de suicídio de uma menina de 14 anos, que teria sido influenciada pela rede social. Aconteceu em 2017, na Inglaterra. O pai da adolescente declarou nas últimas semanas que o conteúdo relacionado à automutilação, depressão e suicídio presente no Instagram contribuiu para a morte da menina.

SUPERBACTÉRIA JÁ ESTAVA AQUI

Em 2015, cientistas descobriram o surgimento de uma nova superbactéria, a Klebsiella pneumoniae, que desenvolveu um mecanismo de resistência ao antibiótico mais potente. A partir desse estudo, pesquisadores do mundo todo colocaram mãos à obra para descobrir se a superbactéria estava presente em mais lugares. Agora, sabemos que ela circulou no Brasil bem antes disso. O banco de dados do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP revelou que de 1.402 pessoas que se submeteram a um transplante de medula entre 2008 e 2015, 12 se infectaram com a bactéria. E dez morreram.

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