Guedes quer desvincular tudo – e a Saúde apoia

O debate sobre a perigosa proposta do ministro da Economia, que pretende desfazer os nós amarrados pela Constituição de 1988 para áreas sociais e gastos obrigatórios, está só começando

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DESVINCULAR TUDO

entrevista do ministro da Economia Paulo Guedes ao Estadão, publicada no domingo, traz uma novidade. Não é que o anúncio de “desvinculação, desindexação, desobrigação” do orçamento da União não tivesse sido feito: a proposta dividiu os holofotes com a reforma da Previdência desde o dia 2 de janeiro, quando Guedes fez seu discurso de posse. O que não se esperava é que o ministro pretendesse apresentar sua chamada PEC [Proposta de Emenda à Constituição] do Pacto Federativo antes da PEC da Previdência ser aprovada no Congresso. Mas, agora, ele afirmou que vai enviar “isso já”, e que o projeto entra pelo Senado. O discurso que embala a defesa de Guedes é o da “reabilitação” da classe política. Segundo essa linha de raciocínio, parlamentares dos três níveis devem ter controle sobre 100% do orçamento. A Constituição de 1988, que não recebeu a alcunha de ‘Cidadã’ à toa, estabeleceu freios que contivessem avanços dos mais poderosos sobre fatias do orçamento que deveriam ir para a seguridade social. E emendas posteriores regulamentaram o quanto cada nível deve investir, no mínimo, em saúde e educação. Mas Guedes a diminui. Para ele a Constituição é um “documento”: “Não é ficar escondido [a classe política] atrás de um documento escrito há 30 anos e jogar a culpa nele”.

O percentual mínimo para saúde e educação é um dos alvos da proposta, mas o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, não está preocupado e apoia Guedes. Na verdade, num contorcionismo difícil de explicar, ele declarou ontem que “sem as vinculações, talvez a gente garanta até mais recursos para a Saúde“. O líder do PSL no Senado, Major Olímpio, vai pelo mesmo caminho. Disse ao Estadão que “a briga da sociedade é ver esse recurso chegar. Não adianta ser carimbado e não chegar” e ainda que  “o governo está abrindo mão de poder e de força para que o recurso chegue diretamente ao atendimento da população”. 

A movimentação de Guedes em torno disso já vinham suscitando preocupação. Reportagem da Poli, revista da Fiocruz, divulgada ontem e escrita pela nossa editora Maíra Mathias coloca a discussão em outros termos: afinal, de onde vêm e para onde vão os recursos do Estado brasileiro? Essa estrutura é justa? Além de mostrar os problemas pelo lado da arrecadação (como a estrutura regressiva dos tributos, que incidem pouco sobre renda e patrimônio e muito sobre o consumo de bens e serviços, penalizando os mais pobres), os especialistas ouvidos discutem a questão da vinculação e obrigação de receitas, que é uma forma de amarrar determinadas políticas ao orçamento. Para a maioria dos ouvidos, ela continua sendo necessária. “A Constituição acabou com a perversa tradição fiscal brasileira. O orçamento nunca atendeu o povo, nunca cumpriu a determinação de reduzir as desigualdades. Ela, então, separou a ordem social da ordem econômica e foi mais fundo: criou um orçamento próprio para a seguridade [social]. Ao fazer isso, impôs um novo formato de pensamento para as finanças brasileiras”, resume Evilásio Salvador, professor da UnB. O debate é complexo e está apenas começando.

A proposta deve chegar ao Senado no início do mês que vem segundo o líder do governo na Casa, Fernando Bezerra (MDB-PE) . E amanhã vai ser lançada uma Frente Parlamentar Mista do Pacto Federativo para apoiar o texto.

PARA EMPRESÁRIOS

A declaração de Mandetta sobre o fim das vinculações foi feita ontem, depois de uma palestra que ele deu num almoço com empresários da saúde no Lide (Grupo de Líderes Empresariais), em São Paulo. Falou a eles sobre um ‘Projeto de Saúde para um novo Brasil’, o que inclui o novo formato do Mais Médicos. Mandetta voltou a dizer que vai priorizar o “Brasil profundo”, referindo-se às pequenas cidades do interior. E criticou o fato de que o modelo atual coloca médicos também em cidades grandes ou próximas das capitais – mas lembramos que nestes casos a ideia tem sido conseguir manter profissionais em regiões onde é difícil fixá-los, nas periferias. 

O ministro também falou que vai priorizar o agrupamento de todos os municípios em 400 ou 500 distritos sanitários –  algo que já acontece hoje em alguma medida mas, segundo ele, em acordos “informais” e instáveis. Ele disse ainda que a Secretaria Nacional de Atenção Básica deve ser criada esta semana, e anunciou a possível criação de uma Secretaria Nacional de Tecnologia da Informação e do Instituto Nacional de Genética Humana.

SEM SENTIDO
 Sem dúvida, a melhor reportagem de 2019 até agora. Trata-se de ‘Famélicos: a fome que o Judiciário não vê’, assinada pelas repórteres Julia Dolce e Rute Pina, da Agência Pública. Como todo texto de fôlego, é difícil resumir. Mas o fio condutor são histórias de pessoas muito vulneráveis que furtaram produtos como carne, iogurte, pão de queijo e por que a Justiça insiste em levar esses processos criminais adiante mesmo havendo alternativas na jurisprudência. Assim, desde a delegacia, onde a pessoa poderia ser liberada, passando pelos ministérios públicos e chegando ao juiz há uma mistura de automatismo e insensibilidade que faz com que, no limite – para usar um argumento econômico –, o Estado gaste milhares de reais para processar alguém que furtou um item de R$ 5.  

ARROZ COM FAROFA

Acontece em São Paulo e começou no fim do ano passado, ainda na gestão Márcio França (PSDB): a merenda escolar piorou. Os alimentos in natura ficaram de lado, enquanto processados que não faziam parte do cardápio passaram a reinar. Já teve escola dando de almoço arroz com farofa e coisas como sardinha em lata e macarrão sendo repetidos três vezes na mesma semana. Almôndegas congeladas (cheias de estabilizantes e conservantes) estão sendo compradas, e a Secretaria de Educação já abriu processo de tomada de preços para compra de molho de tomate em pó, segundo a matéria da Folha. Tudo em desacordo com o que dita o Guia Alimentar para População Brasileira, que orienta consumir o mínimo de processados e que se evite ultraprocessados. João Doria, atual governador, manteve a mudança. Todos devem se lembrar que ficou no centro dos holofotes quando, ainda prefeito da capital, ele defendeu a distribuição de uma ração feita com alimentos perto de vencer e/ou fora dos padrões para venda. 

PREVIDÊNCIA

Rede Brasil Atual lançou um site para reunir todas as notícias que revelem injustiças da proposta de reforma da Previdência enviada ao Congresso pelo governo. Além disso, eles explicam o que muda e reúnem artigos sobre o tema. Para salvar nos favoritos.

E enquanto isso, o INSS baixou uma circular proibindo funcionários – diretores, coordenadores-gerais, superintendentes, gerentes de postos de atendimento, auditor-geral… – de falar com a imprensa sobre a Reforma…

COM DINHEIRO PÚBLICO

 “Isso aqui é uma máquina de fazer dinheiro”. A frase é de um homem que estava internado na comunidade terapêutica Centradeq-Credeq, flagrada em outubro do ano passado pelo Ministério Público após diversas denúncias de tortura. Como ele, vários “pacientes” contaram no calor do momento à reportagem do The Intercept sua rotina de “tratamento”. O menor gesto, como cruzar a perna e tocar em uma cadeira, era punido com isolamento num local apelidado de QO, ou quarto de observação. Ali, num exíguo espaço de menos de 6m2, homens e adolescentes eram obrigados a permanecer sem roupa nem banheiro, por às vezes uma semana. Também foram forçados a tomar remédios e ir trabalhar carregando tijolos. Construíram uma série de cômodos de ampliação da comunidade terapêutica. Cada uma dessas pessoas rendia à CT entre R$ 1,4 mil e R$ 2,6 mil – tudo dinheiro público. Os donos da entidade são o pastor Wellington Antônio Vieira (que chegou a se candidatar à Câmara Federal em 2014 e 2018 pelo PHS) e Ivan Renaje Pinto, que se apresentou à reportagem como “terapeuta holístico”, mas tem formação em Letras.

Mesmo com a denúncia do MPF, a Centradeq-Credeq teve seu convênio com o Ministério da Justiça renovado por Torquato Jardim, ex-ministro do governo Temer, numa cerimônia em que o então presidente afirmar que cada uma 412 entidades selecionadas foram checadas. O caso é mais um exemplo dos equívocos da guinada na política de tratamento aos usuários de álcool e outras drogas, particularmente aguda a partir do governo passado – e que tem tudo para continuar, já que dois de seus maiores defensores, o ministro Osmar Terra e o, agora, correligionário Quirino Cordeiro Jr. Foram aproveitados por Bolsonaro.

QUEM MANDOU MATAR?

Foi agora de manhã: policiais da Divisão de Homicídios e promotores do Ministério Público do Rio prenderam o PM reformado Ronnie Lessa, 48 anos, e o ex-PM Élcio Vieira de Queiroz, de 46 anos, por participação no assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes. Segundo a denúncia, Lessa deu os 13 tiros, enquanto Élcio Queiroz dirigia. As investigações indicam que o crime foi planejado meticulosamente durante três meses, mas ainda não se descobriu quem são os mandantes nem a motivação. Durante todo o dia, vai haver buscas em endereços de mais 34 suspeitos para apreender documentos, celulares, notebooks, armas. 

Lessa foi preso em casa… e por acaso essa casa fica no mesmo condomínio de Jair Bolsonaro. 

BRUMADINHO

Segundo o Ministério Público de Minas, já há evidências que apontem para o fato de que o rompimento da barragem em Brumadinho poderia ter sido evitado e que, por isso, o crime pode ser considerado doloso, quando há intenção de matar. “Nenhuma providência prática foi tomada. Nem o Plano de Ação Emergencial, que não teria evitado o rompimento, mas teria evitado a catástrofe humana, foi adotado”, disse ontem a promotora Paula Ayres Lima. Ela informou que houve uma tentativa nesse sentido, que foi abandonada. “Tudo indica que eles teriam que parar a produção e ficou-se sempre buscando uma solução que evitasse parar a operação”.

ENCHENTES

Já são 12 o número de vítimas fatais das chuvas que ocorrem desde o domingo na região metropolitana de São Paulo. De acordo com a BBC, o problema está na falta de um componente fundamental do saneamento, a drenagem. Além disso, apesar de haver boas leis de planejamento urbano prevendo, por exemplo, que as pessoas não devam morar em locais alagadiços, não há políticas públicas de moradia. O resultado: dois milhões estão nessa situação só na região metropolitana de SP.  Além de viver sob o constante risco de perder tudo com a invasão da água em casa, essa população é especialmente vulnerável a doenças de veiculação hídrica, como leptospirose e hepatite.

NÃO VAI DAR

A ONU anunciou ontem que o mundo não vai atingir a meta de reduzir a poluição química em 2020. O alerta foi dado durante a 4ª Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente, que acontece no Quênia, e se baseia em estudo que reuniu mais de 400 cientistas. O objetivo tinha sido estabelecido lá atrás, em 2002.

FALSO E DUVIDOSO

Medicamentos falsificados são uma “pandemia global”, de acordo com um relatório publicado ontem no American Journal of Tropical Medicine and Hygiene. Estima-se que 300 mil crianças morram por ano em decorrência desses remédios falsos, principalmente para tratar certas doenças. O principal exemplo é a malária. Falhas na produção da terapia para tratar a enfermidade, conhecida pela sigla ACT, seriam responsáveis por metade das mortes projetadas. Em oito países africanos pesquisados, 185 fabricantes não atendiam aos parâmetros sanitários, e apenas 12 estavam com tudo em dia.

CEM DIAS

O governo de Manuel López Obrador no México chegou aos cem dias. E aparentemente, o objetivo tem sido um ajuste nas contas. Foi anunciada uma “economia” de 680 milhões de pesos, algo em torno de R$ 134 milhões, graças a várias medidas de ajuste, como um corte de pessoal na ordem dos 30%. Não se sabe que funções esses trabalhadores cumpriam. Mas a maior parte do montante anunciado vem da compra de medicamentos, que passou por alterações, como a transferência das compras diretas de vacinas contra sarampo pela compra centralizada a partir da Organização Pan-Americana de Saúde, a Opas.

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