Uma janela antirracista contra a violência policial

bandeirantes-monumento-pintado

“Monumento às Bandeiras”, em São Paulo: pichado como denúncia sobre massacre de negros e índios, que acompanha Brasil desde a chegada dos europeus

.

Projeto de lei torna obrigatório investigar todos os crimes em que agentes da lei estejam envolvidos — e pode enfrentar cultura de impunidade que leva ao extermínio de negros  

Por Joselício Junior

Já algum tempo o movimento negro brasileiro vem denunciando as práticas racistas e autoritárias dos aparatos repressores do Estado em espacial da Policia Militar — da abordagem ao encarceramento, processos em que o Poder Judiciário também tem um papel decisivo — ou mesmo no assassinato, que hoje caracterizamos como um genocídio, devido à prática recorrente e sistemática.

Dialogando com militantes mais velhos do movimento negro, eles lembraram que a grande dificuldade, no período final da ditadura militar, é que as denuncias da violência policial eram feitas a partir basicamente dos discursos dos militantes — depoimentos, relatos das vítimas e dos familiares. Na década de 1990 a música rap e o movimento hip hop tornaram-se uma grande caixa de ressonância e denúncia da violência a que a juventude preta e periférica estava submetida.

Nos anos 90, passamos a ter a produção de dados estatísticos, como o Mapa da Violência, que deram ainda mais legitimidade ao discurso do movimento negro e provocaram o Estado para que tomasse medidas. Os dados, inclusive, apontaram uma diminuição na morte de jovens brancos e um aumento da morte dos jovens negros — hoje 70% das vítimas. Os números absolutos de mortes colocam o Brasil no topo, entre os país mais violento do mundo.

Outro elemento revelado pelas estatísticas são os inúmeros casos em que as mortes ficam sem explicação e os inquéritos são arquivados. Apontam, além disso, o uso recorrente dos mecanismos de “autos de resistência” ou “resistência seguida de morte”, por meio dos quais o policial alega que o homicídio foi cometido a partir de um possível confronto e que agiu em legítima defesa.

Com a disseminação das novas tecnologias, entre elas, celulares que fotografam, filmam e têm fácil acesso à internet — surge um novo componente importante de denúncia. Vídeos que circulam nas redes sociais acabam furando o bloqueio dos grandes meios de comunicação, desmentindo as versões policiais.

Casos como o da Cláudia que foi filmada sendo arrastada por uma viatura da Policia do Rio de Janeiro, ou do jovem que basicamente filmou a própria morte, a chacina no Jardim Rosana em São Paulo ou na Cabula em Salvador, entre vários outros casos que poderíamos citar, conseguiram minimamente desmascarar as versões oficiais.

A repercussão desses vídeos é tão poderosa que acaba forçando a velha mídia a dar vazão as essas denuncias e constrange os agentes públicos a tomar medidas. Sabemos que muitas das iniciativas são paliativas e que o policial é muitas vez a ponta de toda uma estrutura social punitiva, que não garante direitos plenos aos cidadãos e se utiliza da violência como medida de controle social, legitimada por uma cultura do medo, da “guerra às drogas” e ao crime.

Por outro lado, temos que aproveitar essas janelas para provocar uma agenda pública para discutir em profundidade a questão da segurança pública e buscar ações que sacudam as estruturas. Não podemos continuar convivendo com resquícios da ditadura militar como os Autos de Resistência. Neste sentido, é fundamental a aprovação do Projeto de Lei 4471 que prevê que todos os casos de morte motivados por intervenção policial sejam investigados.

A ONU já sinalizou reiteradas vezes que é contrária à manutenção de uma estrutura militar como modelo de segurança interna de nosso país — o que convoca a debater a desmilitarização da policia. O Congresso Nacional acaba, de aprovar nesse inicio de legislatura três novas CPIs — uma no Senado, para investigar a morte de jovens negros; uma na Câmara dos Deputados, de mesmo teor; e uma terceira também na Câmara para investigar o sistema carcerário brasileiro.

Sabemos que estamos diante de uma conjuntura bastante adversa, onde as forças conservadoras vêm ganhando espaço em diversos setores — sobretudo na representação política. Isso se combina com um governo federal fragilizado politicamente, enfrentando uma crise econômica com medidas que atacam os direitos dos trabalhadores e mantêm os privilégios do mercado financeiro, sem contar a escandalosa blindagem midiática ao tucanato, sobretudo no Estado de São Paulo, em relação ao sucateamento do estado nos últimos vinte anos.

Não resta outro caminho senão a luta nas ruas, nas redes, em torno de ideias e valores sociais e emancipatórios. A unidade na ação dos movimentos deve estar na ordem do dia, o diálogo e incorporação dos novos atores sociais, suas formas de organização e tecnologias também devem compor nossa atuação. Acredito ser um momento oportuno para a construção de uma agenda pública antirracista que caracteriza a natureza racista do Estado Brasileiro, que escancare o debate da violência, que abre canais substantivos de melhoria da qualidade de vida da população negra que permanece em profunda desigualdade em relação aos não negros e apontem para mudanças na estrutura de poder em nosso país que passa por uma reforma política, democratização dos meios de comunicação, reforma urbana e agrária e tantas outras medidas necessárias.

Leia Também:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *