Democracia direta na restauração de Havana Velha

Orçamento Participativo, vivido intensamente em Porto Alegre nos anos 1990, é adaptado para para obras de restauração na capital cubana. Renda do turismo ajuda a financiar trabalhos

Por Clarissa Pont | Fotos de Eduardo Seidl, no Sul21

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Orçamento Participativo, vivido intensamente em Porto Alegre nos anos 1990, é adaptado para para obras de restauração na capital cubana. Renda do turismo ajuda a financiar trabalhos

Por Clarissa Pont | Fotos de Eduardo Seidl, no Sul21

Desde outubro de 2014, qualquer pessoa maior de 14 anos que viva ou trabalhe no centro histórico da capital cubana pode se credenciar e participar da definição de prioridades de restauro em reuniões na sede do Conselho Popular, na movimentada Calle Obispo, entre Havana e Compostela. É a primeira experiência do chamado Presupuesto [Orçamento] Participativo em Cuba. Embora recente, espera-se que cada vez mais as decisões tomadas no restauro de um pedaço da cidade declarado Patrimônio Cultural da Humanidade estejam nas mãos da população.

O Orçamento Participativo é um processo pelo qual a população decide, de forma direta, a aplicação dos recursos em obras e serviços que serão executados pela gestão pública. A experiência surgiu e tomou força em Porto Alegre em 1989, durante a gestão de Olívio Dutra. Devido à longevidade e à importância adquirida por seus resultados, o Orçamento Participativo de Porto Alegre – embora hoje tenha perdido muito de seu vigor – ganhou projeção nacional e internacional, gerando novos paradigmas da participação cidadã institucionalizada por governos municipais.

Em Havana Velha, a ideia chegou através de uma campanha que explicava o processo político e chamava a população a participar. Por tu barrio – Presupuesto Participativo: Decide y transforma diziam os panfletos, adesivos e outdoors espalhados pela cidade. A iniciativa é resultado da colaboração entre o governo cubano, através da Oficina do Historiador, e da Agencia Suíça para o Desenvolvimento e a Cooperação. A partir das experiências das cidades de Porto Alegre e Montevidéu, e de um intenso intercâmbio entre as localidades, a equipe da Oficina e outras instituições cubanas aproximaram-se do que consideram uma ferramenta inovadora. A primeira rodada direcionou capital para o restauro de uma escola, junto a um plano de recuperação social e econômica do entorno.

A Oficina do Historiador foi fundada em 1938 dentro da Prefeitura de Havana para manejar o processo integral de restauro e revitalização cultural e social do centro histórico. Chamado de Plano Mestre, esse alicerce guia todas os trabalhos que partem da Oficina e atua de forma autogestionada, manejando um orçamento próprio — que sai de cada restaurante, bar ou hotel situado na Habana Vieja. Além do capital que o governo destina diretamente para a Oficina e passa a ser gerido por urbanistas, sociólogos e outros especialistas em cada uma das áreas que envolvem o trabalho com o centro histórico. O turismo, principal atividade econômica da Cuba atual, auxilia na possibilidade de conservação.

Foto Eduardo Seidl

É a partir da identificação de temas prioritários para a população que os especialistas da Oficina, os conselhos populares, as entidades municipais, o setor empresarial e os projetos socioculturais participam da atualização do plano estratégico de desenvolvimento do centro histórico. Ou seja, o orçamento participativo é uma das ferramentas utilizadas neste processo, que pretende desenvolver até 2020 o restauro completo das principais edificações e residências ali localizadas.

Os temas debatidos são variados e dão um bom exemplo da amplitude de preocupações que cercam a vida no centro histórico: meio ambiente, vitalidade urbana, equipamentos comunitários, gestão residencial, desenvolvimento econômico, mobilidade, acessibilidade e segurança.

Segundo Maidolys Iglesias Pérez, socióloga da Oficina e responsável por projetos desenvolvidos através do Plano Mestre, a aplicação da experiência tem sido exitosa por permitir que a população decida sobre os investimentos e também crie os projetos que vão pouco a pouco tendo influência na comunidade. “É um espaço para propor e decidir alternativas de solução aos problemas territoriais. As reuniões contribuem para a organização e para o sentimento de pertencimento e unidade entre vizinhos ou entidades. O resultado é um bairro mais confortável e mais seguro – para o morador e para o turista”, explica.

Funcionárias da limpeza pública em Habana Vieja | Foto Eduardo Seidl

Hoje, a Havana Velha conta com mais de 500 edifícios de alto valor arquitetônico e histórico. “A área é intensamente habitada, calcula-se que possui hoje 66 mil habitantes e conta com cerca de 22 mil edificações residenciais”, explica Maydolis. É esta densidade demográfica que dá ao centro uma movida distinta de outras capitais. Ali não está apenas o principal pólo turístico e cultural da cidade, mas também as casas, escolas, os pequenos mercados e uma ampla atividade social e econômica da população local. “Bem por isso, um projeto que não seja pensado e realizado pelas pessoas nunca vai se parecer a suas necessidades e sonhos”, conclui Maydolis.

O primeiro processo de escolha está encerrado, mas o projeto prevê o acompanhamento de todas as obras decididas de forma participativa. A partir de junho deste ano será criado um grupo de seguimento, que monitorará a execução das obras até o fim de 2016.

Entardecer em Habana Vieja | Foto: Eduardo Seidl

 

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