Investigando o caos ferroviário paulista

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Para consultor do sindicato dos ferroviários, panes e acidentes estão relacionados à tentativa desastrada de integrar a rede sem fazer os investimentos necessários; segurança dos passageiros está em risco

/// este texto inaugura uma reportagem colaborativa sobre os transportes em SP

“Os problemas da CPTM não são pontuais: são sistêmicos.” É o que me diz Rogério Centofanti, consultor do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias em Transporte de Passageiros da Zona Sorocabana (Sinferp), quando nos encontramos num restaurante do Centro de São Paulo para conversar sobre as recentes falhas de funcionamento na Companhia Paulista de Trens Metropolitanos.

Nosso bate-papo aconteceu apenas alguns dias após passageiros em fúria terem investido contra as instalações da estação Francisco Morato da CPTM, na Linha 7 Rubi — demonstração inconteste não de vandalismo gratuito, mas de que os usuários não aguentavam mais as panes, atrasos e paralisações constantes no fluxo dos trens. “O quebra-quebra”, diz, “foi apenas mais um indício das deficiências que vimos denunciando faz algum tempo”.

De fato, Centofanti acompanha de perto a rotina da CPTM — além das novidades do transporte ferroviário no país — e publica tudo num blogue chamado São Paulo Trem Jeito. Na página é possível ler notícias sobre os problemas do sistema ferroviário metropolitano desde, pelo menos, maio de 2011. Claro, o consultor do Sinferp, como qualquer usuário da rede, sempre soube que a CPTM há tempos oferece serviço precário aos passageiros. Porém, pouco a pouco, foi percebendo que os problemas eram ainda mais graves do que máquinas antigas, vagões lotados, falta de ar-condicionado e estações caindo aos pedaços.

“A ferrovia é um sistema: redes aéreas, subestações elétricas, sinalização, trilhos, trens, controle operacional — tudo deve se adequar para que o transporte funcione bem”, ensina Centofanti. “Nos últimos anos, o que fez o governo? Comprou novos trens, tirou foto com a imprensa e pronto. Mas a tecnologia existente não é compatível com as novas composições. É como colocar Fuscas e Ferraris para rodar numa mesma estrada velha. Certamente, haverá problemas.”

E as falhas só cresceram nos últimos meses. Sobretudo após o aumento no fluxo de passageiros, possibilitado pela inauguração da Linha 4 Amarela do Metrô, que liga o Centro de São Paulo ao Butantã, na Zona Oeste. No trajeto, a primeira linha privatizada do sistema corta os trilhos da CPTM em dois pontos: na estações Luz (linhas 7 Rubi, 10 Turquesa e 11 Coral) e Pinheiros (Linha 9 Esmeralda). A integração levou à malha ferroviária um “tsunami de passageiros”, nas palavras do secretário de Transportes Metropolitanos, Jurandir Fernandes, que admitiu a incompetência do governo em prever a avalanche de novos usuários. “Fomos pegos de surpresa.”

Em 2010, 642 milhões de pessoas se apertaram e passaram calor dentro dos trens da CPTM. No ano seguinte, a lotação foi ainda maior: 700,2 milhões — média de 2,3 milhões por dia útil. Entre outubro de 2011 e março de 2012, a houve diariamente 1,2 milhão de novos usuários, saltando para 2,7 milhões o número de passageiros que se locomove pelos trilhos.

A situação começou a se complicar — e a chamar a atenção — após a morte de cinco trabalhadores ferroviários, no final de 2011. No dia 27 de novembro, dois engenheiros e um técnico foram atropelados por uma composição que trafegava pela região do Belém. Poucos dias depois, em 2 de dezembro, mais duas tragédias, também por atropelamento, desta vez na Linha 8 Diamante.

Em março de 2012, dois trabalhadores disseram ao Diário de S. Paulo que por muito pouco não entraram também eles para as estatísticas: no dia 4, enquanto trabalhavam na manutenção dos trilhos, de madrugada, um trem apareceu do nada e quase os atingiu nas cercanias da estação Jaraguá, na Linha 7 Rubi.

Além das mortes, Rogério Centofanti enumera alguns casos de descarrilamento que também foram registrados recentemente pela CPTM. Apenas em 2012, houve pelo menos três casos: em janeiro, fevereiro (veja vídeo) e março, todos na Linha 9 Esmeralda. Outro indício da complexidade do problema foi observado pelo Sinferp nas sucessivas colisões entre trens também ocorridos nos últimos meses.

Três pessoas ficaram feridas no último 26 de janeiro após um choque entre dois trens de passageiros da CPTM na Linha 8 Diamante, entre as estações Itapevi e Engenheiro Cardoso. Poucos dias depois, em 15 de fevereiro, uma locomotiva de manutenção e um trem bateram na Linha 7 Rubi e deixaram um saldo de 51 feridos — dois com gravidade. Outra colisão, em julho de 2011, deixou 40 vítimas leves. O acidente mais recente, porém, aconteceu em 24 de março, quando uma composição da CPTM chocou-se lateralmente com um trem de carga da empresa MRS Logística nas proximidades da estação Rio Grande da Serra (Linha 10 Turquesa).

Centofanti explica que a diretoria da CPTM eximiu-se de responsabilidade em todos os casos. Quando trabalhadores foram atropelados, disse que a culpa era das próprias vítimas, que caminhavam inadvertidamente sobre os trilhos. “Claro que estavam nos trilhos: são ferroviários, oras, estavam trabalhando. A empresa queria que estivessem onde?”, protesta o consultor do Sinferp. Após as ocorrências de descarrilhamento e colisões, a CPTM não hesitou em classificá-las como “falha humana” e demitir por justa causa maquinistas e controladores de tráfego. “Em alguns casos, teve razão”, reconhece Centofanti. “Mas isso não quer dizer que o sistema estivesse funcionando às mil maravilhas.”

De acordo com Centofanti, um dos controladores envolvidos num dos acidentes não gostou de ser demitido resolveu denunciar à imprensa uma série de falhas no sistema de sinalização dos trens: segundo ele, as composições estavam simplesmente sumindo do mostrador instalado no Centro de Controle Operacional (CCO). Quando funciona bem, o equipamento permite ao controlador saber com exatidão o posicionamento de cada composição na malha ferroviária. Quando falha, os funcionários perdem a localização dos trens. Ficam assim impossibilitados de orientar os maquinistas sobre quais movimentos podem ser executados — e quando e onde e com que direção.

“Só então ficamos sabendo que também a tecnologia empregada para o controle do tráfego da CPTM apresentava problemas”, diz Centofanti. “Fomos atrás da informação e tivemos acesso a relatórios internos da empresa que atestam a existência de pelo menos oito falhas no sistema de sinalização ocorridas nos últimos meses.” Felizmente, nenhum acidente aconteceu — o que não diminui a gravidade do problema, alerta.

O consultor do Sinferp soma às panes tecnológicas um arriscado artifício utilizado pelos controladores para aumentar artificialmente a eficiência do sistema. “Quem opera os trens da CPTM são os maquinistas, mas a velocidade é controlada pelo CCO através de um programa chamado Automatic Train Control (ATC)”, explica. “Devido ao aumento no fluxo de passageiros e à necessidade de diminuir o intervalo entre os trens para atender à demanda, o CCO tem ordenado aos maquinistas que desliguem o ATC. Isso acaba com o controle eletrônico de velocidade, e também com a garantia de que os trens irão circular sempre com distâncias seguras entre si.”

Por isso, Rogério Centofanti afirma que (contabilizando as panes no sistema de sinalização, os controladores que regularmente ficam às cegas no CCO e as ordens expressas para desligar o ATC) o sistema ferroviário da CPTM funciona exclusivamente no manual com assustadora frequência. “Mas, claro, sem as medidas manuais de segurança, que não permitiriam que os trens operassem com a celeridade necessária para atender à demanda”, atesta. “Tudo fica nas mãos do maquinista.” –@tadeubreda

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2 comentários para "Investigando o caos ferroviário paulista"

  1. rubens disse:

    SOU POLICIAL FERROVIÁRIO FEDERAL, GRADUADO EM HISTÓRIA PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO E BACHAREL EM HISTÓRIA ORAL PELA MESMA INSTITUIÇÃO, E LAMENTO O POUCO CONHECIMENTO DE ALGUNS COM RELAÇÃO A TÃO RICA E HONRADA HISTÓRIA BRASILEIRA. LAMENTO O DESCONHECIMENTO QUANTO AO PASADO E QUANTO AOS VERDADEIROS POLICIAIS FERROVIÁRIOS FEDERAIS E SUAS DIGNAS ATRIBUIÇÕES AO LONGO DE NOSSA HISTÓRIA. IGNORAR NOSSO PASSADO DE GLÓRIAS, É IGNORAR TAMBÉM NOSSA NACIONALIDADE, NOSSA CIDADANIA. IGNORAR O NOSSO BRAZÃO É O MESMO QUE IGNORAR PARTE DE NOSSA BANDEIRA, IGNORAR O NOSSO SUOR E NOSSA LUTA, É O MESMO QUE DIZER QUE NO BRASIL NÃO EXISTE FERROVÍA, TRILHOS, DORMENTES, CABOS, TRENS, CASES, CATENÁRIAS…. IGNORAR UM PFF, É ESQUECER AQUELES QUE MORRERAM LUTANDO PARA QUE ALGUMAS PESSOAS PUDESSEM E TIVESSSEM A LIBERDADE DE ESTUDAR, DE SE FORMAR, E DE PODER EXERCER A JUSTIÇA. IGNORAR UM PFF, É ESQUECER TODOS OS MARGINAIS QUE TROCAMOS TIROS, PRENDEMOS E RETIRAMOS DA SOCIEDADE. UM BANDIDO A MENOS NA SOCIEDADE, QUE SE ESTIVESSE SOLTO PODERIA TER MUDADO O RUMO DE ALGUMAS VIDAS E DE ALGUMAS FAMÍLIAS INOCENTES, E FINALMENTE, IGNORAR UM PFF, É DIZER A MUITAS MÃES, A MUITOS PÁIS, FILHOS, E NETOS, QUE SEUS PAIS MORRERAM EM VÃO, QUE O BRAZÃO QUE ELE ORGULHOSAMENTE LEVOU NO ÚLTIMO PALETÓ QUE USOU, NÃO TINHA VALOR. É DIZER QUE SUA VIDA FOI UMA FARSA E ELE FOI UM IMPOSTOR. MAIS UMA VEZ LAMENTO O POUCO CONHECIMENTO SOBRE A HISTÓRIA DO BRASIL, NÃO ESSA HISTÓRIA CONTADA E ESCRITA POR PSEUDOS-HISTORIADORES, MAS A VERDADEIRA HISTÓRIA, A DO COTIDIANO, AQUELA QUE FOI CONTADA DE BOCA EM BOCA, DE VIDA EM VIDA, A VERDADEIRA HISTÓRIA DA SOCIEDADE BRASILEIRA. UM PFF SABE QUE É PFF E ISSO POR SI SÓ JÁ É MOTIVO DE ORGULHO. O QUE PEDIMOS NÃO É ESMOLA, O QUE PEDIMOS É RESPEITO E JUSTIÇA

  2. A estrada de ferro tritura ilusões,
    come planícies, bebe descampado
    e leva dentro de seus vagões
    os homens e o gado.
    Um dia, sem discursos nem sermões,
    tudo foi confiscado e leiloado
    planícies, vagões e descampado.
    Tudo como laranjas ou limões
    nas banquetas de um mercado.
    Tudo para aumentar confusões,
    tudo com nevoeiro misturado
    – e quem comprou os vagões
    comprou os homens e o gado.
    Sidónio Muralha in OS OLHOS DAS CRIANÇAS, SP 1963

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