[Cartas do velho mundo]
08.06.20 – A SEMANA DE CÃO DO BOLSONARISMO

Como o ex-capitão ainda se sustenta? A ideia de que ele tem poder porque fala à baixa oficialidade das Forças Armadas e às Polícias Militares é uma meia verdade. Há uma hipótese mais plausível

7/6: Manifestação contra a ultra-direita em São Paulo

Por Antonio Martins

Em que instante, nas condições muito particulares desta década, um governo de devastação nacional torna-se insustentável e cai? O que pode segurá-lo, quando os efeitos catastróficos de seus atos tornam-se evidentes? Nas próximas semanas, o Brasil ajudará a responder a estas questões. Infelizmente, irá fazê-lo num cenário de milhares de mortes diárias.

Nos últimos dias, o governo Bolsonaro sofreu um sequência de reveses marcantes. Na sexta-feira, sua ação diante da pandemia foi desprezada até mesmo por seu maior aliado geopolítico, Donald Trump – ao que o ex-capitão respondeu chamando o detrator de “meu amigo, meu irmão”… Na sexta, sua determinação bisonha, para que o ministério da Saúde oculte o número total de mortes e contaminações por covid-19 gerou críticas generalizadas, uma nova investigação do Ministério Público e escassos efeitos de acobertamento real. No domingo, ruiu seu discurso de que é o único político a “ouvir as ruas”, quando as manifestações contra seu governo superaram, em muito, as que o apoiam. E no fim de semana o presidente ainda foi obrigado a aturar a recusa do ex-empresário (e ultrafundamentalista) Carlos Wizard a assessorar o ministério da Saúde; e cedeu à chantagem do astrólogo Olavo de Carvalho, que agora faz cobranças públicas de dinheiro em troca de “apoio”.

Como Bolsonaro ainda se sustenta? A ideia de que ele tem poder porque fala à baixa oficialidade das Forças Armadas e às Polícias Militares é uma meia verdade. Que há uma tentativa de romper a hierarquia militar, é notório. Como lembrou Ciro Gomes ontem, em entrevista importante, o poder de desestabilização destes movimentos é grave. Mas é possível imaginar um Estado como o Brasil conduzido pelo sub-oficialato das PMs?

Há uma hipótese mais plausível. Bolsonaro resiste porque se escora na aristocracia financeira – e em seu representante, Paulo Guedes. Na crise mais grave do capitalismo, pelo menos desde 1929, quem defenderá os interesses de grandes corporações virtualmente quebradas, em inúmeros setores? Quem deterá a provável contaminação dos bancos, que emprestaram a elas? Para preservar o sistema, haverá, obrigatoriamente, um caminho político a percorrer – porque a salvação dependerá, como em 2008, dos Estados. A oligarquia financeira, que tem enorme poder de influenciar governantes, parlamentares e mídia, não pretende abandonar o ex-capitão sem uma rota de fuga alternativa. Certamente negocia saídas, neste exato momento. E poderá ser obrigada a abandonar Bolsonaro, às pressas, se a governabilidade tornar-se insustentável – e se o risco de queimar-se com ele crescer… Veremos, nos próximos dias e semanas.

* * *

Felizmente, desta vez não prevaleceu a autofagia. Não surgiram polêmicas destrutivas, entre a esquerda, em torno das manifestações de ontem em São Paulo, Brasília, Rio, BH e outras cidades. Havia argumentos respeitáveis tanto em favor de ir a elas, quanto de permanecer em casa – e as batalhas maiores, que virão a seguir, exigirão unidade.

Um primeiro balanço sugere que a jornada foi vitoriosa. Embora pequena, comparadas às de outros tempos, a presença teve efeito simbólico importante – inclusive porque, em todas as cidades, os manifestantes foram muito mais numerosos que nos minguados atos bolsonaristas. Também não é possível argumentar que a esquerda jogou por terra a defesa do isolamento social. Diante da sabotagem do governo, fica mais claro a cada dia que a sociedade não será capaz de se defender da pandemia sem derrubá-lo. E as marchas de ontem ajudam nesta derrocada.

Foi significativo o comportamento da população – mesmo num bairro politicamente conservador, como Pinheiros, em São Paulo. As TVs mostraram as pessoas que saíam às janelas para aplaudir os manifestantes e para atirar objetos contra a polícia que, a partir de certo ponto, os reprimiu.

Esta derrota do bolsonarismo nas ruas ajudará a direita não-fascista a descolar-se dele, nos próximos dias? Que destino o ministro Alexandre de Moraes e o plenário do STF darão ao inquérito sobre as milícias digitais de fake news, que tanto apavora o ex-capitão terrorista e seus filhos? Como os protestos em outras partes do mundo – em especial nos Estados Unidos – continuarão debilitando a ultradireita? Seremos capazes de criar, além dos panelaços, formas mais criativas de manifestação em quarentena? São as questões centrais desta semana.

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