Quem trava quem?
Pfizer decide não pedir aprovação emergencial, culpando entraves da Anvisa. Pazuello expõe empecilho – este, para firmar o contrato: farmacêutica exige que governo se responsabilize por efeitos colaterais
Publicado 18/12/2020 às 09:40
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A Pfizer aparentemente desistiu de pedir a aprovação emergencial no Brasil. Numa história um tanto enrolada, a empresa apontou ontem que as exigências da Anvisa são o principal entrave. Entre elas, estaria a obrigação do detalhamento da quantidade de doses oferecidas e o cronograma de vacinação. Dito assim, parece que andaremos em círculos, já que o número de doses depende de o governo federal conseguir firmar o acordo com a farmacêutica. Já os prazos para a vacinação, segundo o governo federal, dependem da… aprovação da Anvisa. Mas talvez seja menos complicado do que isso. O Guia da Anvisa para as autorizações emergenciais coloca, como exigência, as informações sobre a quantidade do produto acabado disponível (não necessariamente o que foi firmado em um contrato) e o cronograma de disponibilização das doses ao país (e não o cronograma de vacinação do governo brasileiro).
Outro empecilho seria a necessidade de a Pfizer fornecer “uma análise específica dos dados levantados exclusivamente na população brasileira, o que demanda tempo e análises estatísticas específicas”. Já a Anvisa diz que essa exigência não inviabiliza o pedido: “Eventuais dificuldades de atendimento de tais parâmetros não inviabilizam o peticionamento do uso emergencial, cuja análise considerará as justificativas apresentadas, para emitir ou rejeitar a autorização”, declarou, em nota.
O ministro da saúde Eduardo Pazuello revelou ontem, em audiência no Senado, que o presidente da Pfizer no Brasil esteve na Anvisa nesta segunda-feira para solicitar a autorização emergencial, mas desistiu. “E a resposta [do CEO da empresa, Carlos Murillo] foi: ‘Pensei que era mais simples, mas a agência é bastante detalhista’”.
Aliás, o repórter Caio Junqueira, da CNN, afirma que a relação entre Pazuello e a Anvisa está azeda: “Uma recente reunião no Ministério da Saúde demonstrou o grau de tensionamento do governo brasileiro com o processo de aquisição de vacinas contra o novo coronavírus. Nela, Eduardo Pazuello deu tapas na mesa e questionou ‘por que ninguém aperta a Anvisa’ para liberar as vacinas e também ‘o que falta para comprar as vacinas?’”.
Se o processo entre a Pfizer e a Anvisa está nebuloso, o entrave para concretizar a compra das vacinas pelo governo federal parece mais bem delineado. Na mesma audiência no Senado, o ministro mencionou como problemática a exigência feita pela Pfizer de ter no contrato uma cláusula isentando-a de qualquer responsabilidade por eventuais efeitos colaterais da vacina, além de sua recusa em ser julgada em tribunais do país (é daí, aliás, que vem a tal ideia de as pessoas assinarem um termo de responsabilidade). Em nota, a Pfizer disse que não poderia comentar os detalhes das negociações. Mas que “dados os riscos associados ao desenvolvimento de uma vacina, muitos governos estão fazendo novas leis que conferem proteção aos fabricantes”.
Isso não é segredo nem novidade; vem sendo problematizado há meses nos Estados Unidos, que firmaram acordo com muita antecedência. Todo governo que compra a vacina da Pfizer precisa se comprometer com essas cláusulas. Segundo a matéria CNBC, o mesmo acontece com a da Moderna, ao menos nos EUA. E não é mesmo uma questão muito simples. Na reportagem, o advogado Roger Dunns diz acreditar que a imposição tem a ver com o cronograma acelerado: “Quando o governo disse: ‘Queremos que você desenvolva isso quatro ou cinco vezes mais rápido do que normalmente faz’, provavelmente os fabricantes disseram ao governo: ‘Queremos que você, o governo, nos proteja de ações judiciais multimilionárias”.