Brumadinho: o que a Vale escondeu

Ministério Público aponta: mineradora sabia que represa era uma das dez em situação crítica, mas ocultou fatos e não tomou providências. Leia também: Brasil tem 41 barragens sem declaração de estabilidade e 17 sem planos de emergência

Foto: Felipe Werneck / Ibama
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Por Maíra Mathias e Raquel Torres

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BRUMADINHO: UM ANO DEPOIS

Amanhã faz um ano desde o rompimento da barragem da Vale no Córrego do Feijão, que deixou 258 mortos e 11 desaparecidos. Esta semana, o Ministério Público de Minas Gerais denunciou 16 pessoas por homicídio qualificado e crimes ambientais: o ex-presidente da empresa, Fabio Schvartsman; dez funcionários da mineradora; e cinco da Tüv Sud, responsável pelo laudo que atestou a segurança da barragem.

A denúncia detalha uma lista das “top 10” barragens da Vale em “situação inaceitável de segurança” – o documento feito pela empresa é de 2018, mas as condições reais das estruturas eram ocultadas das autoridades, como explica o Estadão. O ranking levava em conta não só o risco de ruptura mas também as consequências econômicas de cada possível desastre. E chama a atenção o fato de que a barragem que rompeu sequer aparecia no topo: estava em oitavo lugar e, após uma atualização da lista em outubro de 2018, foi para a lanterna. Em 1º lugar estava a Barragem Capitão do Mato, seguida por Taquaras. A conclusão dos promotores foi que “os funcionários da Vale detinham internamente profunda informação sobre a situação de criticidade de suas barragens, mas optaram por assumir riscos criminosos”.

O Brasil tem atualmente nada menos que 41 barragens de mineração sem declaração de estabilidade e 17 sem planos de emergência. A informação, divulgada pela Folha, vem de um portal que a Agência Nacional de Mineração lança hoje. Há um agravante quando se trata de barragens antigas, de empresas que faliram ou não estão mais no Brasil. É o caso das duas mais perigosas de Minas Gerais, que ficam na Mina Engenho, a 37 km de Belo Horizonte. Elas não têm nem declaração de estabilidade nem plano de emergência. Mas estão inativas há oito anos, e sua proprietária, a Mundo Mineração, não tem mais atividades no país. O que fazer? O diretor da ANM, Eduardo Leão, diz que há “lacunas na legislação” sobre as responsabilidades…

Ao mesmo tempo, “há um sucateamento do aparato governamental para a fiscalização, emissão de contra laudos e verificação da veracidade das informações que são colocadas nesses documentos”, segundo Miguel Fernandes Felippe, coordenador do relatório Minas de Lama. Em entrevista ao site da Escola Politécnica da Fiocruz, ele alerta: “as mineradoras produzem esses documentos ou contratam outras empresas para fazê-lo para solicitar autorizações e licenças, mas o governo não tem  recursos humanos ou estrutura física para fazer uma espécie de contra laudo e, muitas vezes, simplesmente aceita o que está escrito pela empresa contratada pela mineradora”.

Enquanto isso, o Rio Paraopeba segue morto, com água imprópria e sem condições de uso em toda a extensão abaixo de Brumadinho. Pesquisadores da Fundação SOS Mata Atlântica refizeram este mês a mesma expedição feita uma semana após a tragédia, percorrendo 2 mil quilômetros e passando por 21 cidades. E viram que não se trata apenas de o rio não ter se recuperado: ao contrário, sua situação piorou. Alguns pontos em que a água aparecia como ruim no ano passado estão, agora, classificados como “péssimos”, e poucos tiveram alguma melhora. Em 11 dos 23 pontos analisados, a presença de contaminantes ainda não permite a presença de vida aquática. E nenhum dos pontos apresenta qualidade boa ou ótima.

“Houve um deslocamento das concentrações de metais pesados para o baixo Paraopeba, na altura de Pompéu, Juatuba e no reservatório de Retiro Baixo. Os rejeitos estão ficando ali. Vimos uma curva inversa de comprometimento”, explica Malu Ribeiro, coordenadora do projeto, no Estadão. O uso das águas do rio continua suspenso pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas, pela “não comprovação da ausência de risco”. A Agência também confirma a presença de metais pesados.

PELO CONTINENTE

A revista alemã Lateinamerika-Magazin publicou sua edição mais recente, dedicada a discutir políticas de saúde nos países da América Latina. As editoras do Outra Saúde foram convidadas a escrever um artigo sobre o contexto do governo Bolsonaro e fizeram um balanço do seu trágico primeiro ano: o cancelamento do Mais Médicos, as consequências diretas da pauta conservadora para a saúde, os retrocessos no meio ambiente e nas políticas voltadas para alimentação e as investidas contra o já frágil financiamento do SUS são alguns dos temas abordados.

Há outros textos interessantes para pensar como andam nossos países vizinhos. A entrevista da edição trata do Equador e da relação entre seu o sistema de saúde e a medicina indígena, mais especificamente da atuação de parteiras tradicionais. Rosa Cota, uma curandeira Kichwa Kayambi, trabalha formalmente há oito anos em um hospital em Otavalo e, na entrevista à pesquisadora Naomi Rattunde, fala sobre os chamados “partos intraculturais” no Equador. O conceito de saúde intercultural está na Constituição de 2008, que também prevê sua promoção pelas instituições públicas. Mesmo assim, Rosa avalia que falta muito para que essa promoção se espalhe. “A saúde intercultural consiste em combinar os dois sistemas, ou seja, os métodos e medicamentos da medicina ocidental e o conhecimento da medicina indígena. (…) Na verdade, isso deve ser feito em qualquer lugar, mas o estabelecimento de um sistema de saúde intercultural também deve ser promovido e acompanhado pelos governos. Infelizmente, apenas Otavalo possui um hospital, principalmente por causa das lutas dos movimentos indígenas. Graças a essas lutas, fizemos progressos aqui no setor da saúde.”

Gerold Schmidt escreveu sobre os problemas do sistema de saúde mexicano e a recente tentativa do governo Lopez Obrador de dar conta de parte deles com a criação do Instituto Nacional de Salud para el Bienestar (Insabi). Por lá, existem três formas de acesso à saúde. Se você é servidor público, pode contar com um sistema de seguridade social próprio. Caso tenha emprego formal, há um outro sistema. Para a maioria da população que vive na informalidade e na pobreza, havia o chamado sistema nacional que cobria apenas as doenças mais comuns. É para melhorar as coisas nesse terceiro sistema que surgiu o Insabi, trazendo a promessa de cobrir todas as doenças. Além disso, qualquer residente no país vai poder pleitear o benefício, não apenas os cidadãos mexicanos. Para isso, o governo incrementou o orçamento da saúde em 20%, carimbando 1,9 bilhão de euros a mais em 2020. O problema, aponta Schmidt, é que a soma que parece auspiciosa na verdade só faz cobrir a depreciação acumulada no governo Peña Nieto: o Instituto Mexicano de Competitividade apontou que houve redução real de exatos 20% naquela gestão. “É dificilmente concebível que as estruturas do sistema de saúde mexicano possam ser renovadas em um curto período de tempo”, reflete o autor do artigo, acrescentando: “Quanto mais melhorias houver no setor de saúde pública, maior será a resistência do setor privado de saúde, que teria que temer enormes perdas de lucros. Qualquer tentativa séria de obter assistência médica amplamente gratuita e adequada para a população que não tem acesso ao seguro de saúde exigirá muito mais recursos do que estão atualmente disponíveis para esse fim. No entanto, parece ter sido um começo”.

Já Inga Kreuzer fala sobre o “efeito Macri” na saúde argentina. A mudança mais visível no período foi a extinção do Ministério da Saúde. Por recomendação do FMI, a Pasta foi unificada com o Ministério do Desenvolvimento Social. O resultado foi a perda de tração de todas as ações e programas sob o guarda-chuva da saúde. “Em outras palavras, atrasou todos os processos e o planejamento futuro para melhorar ou até expandir a assistência médica se tornou quase nulo”, observa Inga. Mas além disso, a inflação galopante no governo Mauricio Macri não poupou os preços de tratamentos e medicamentos, que dispararam. Com isso, as várias empresas de seguro de saúde cortaram benefícios e removeram itens do catálogo. Por lá, o sistema de saúde é muito fragmentado: o setor público conta com a empresa nacional e 23 empresas provinciais de seguro de saúde e há mais de 200 empresas de seguro de saúde organizadas por profissão, além das empresas privadas de seguro que atendem quem pode pagar. “Mas o ponto crucial para o sistema de saúde argentino, além de todos os desafios geográficos, estruturais e econômicos, é a descontinuidade política”, aponta Inga, que explica que quando Alberto Fernandez assumiu o governo, em dezembro, todos os programas e muitos contratos de trabalho terminarão, à medida que novos governadores e prefeitos forem eleitos nos níveis provincial e municipal.

E a questão chilena, que temos acompanhado na news, é explicada muito didaticamente por Sarah Moldenhauer aqui. “Somente entre janeiro e junho de 2018, morreram 9724 pessoas que estavam em filas de espera no setor de saúde pública. Muitos deles só precisavam de uma consulta com um especialista ou uma operação. Alguns deles, cerca de 480 pessoas, também estavam matriculados no programa AUGE”, escreve a autora. Evidentemente, ela conta como as demandas relacionadas à saúde apareceram nos protestos recentes no país. Mas ressalta que essas demandas existem faz muito tempo, e são “tão extensas quanto os erros estruturais do sistema”.

NÃO CAIRIA MAL

Se vai dar samba, não sabemos, mas Paulo Guedes pediu ao grupo responsável pela reforma tributária que faça simulações para aumentar os impostos sobre produtos que fazem mal à saúde. Cigarros, bebidas alcoólicas e produtos com excesso de açúcar seriam agrupados em uma mesma carga tributária. A notícia foi dada a jornalistas pelo ministro em Davos (“Estou doido para elevar o imposto do açúcar. Pedi para simular tudo”, disse), mas a proposta de imposto seletivo já aparece nos dois projetos de reforma em jogo, um na Câmara e outro no Senado. No dos deputados, a definição dos produtos abarcados seria feita em legislação posterior, mas os autores sugerem álcool, cigarros e armas; já no Senado aparece o imposto seletivo, mas ele não tem a ver com saúde – incidiria sobre bebidas alcoólicas e não alcoólicas, açucaradas ou não açucaradas, combustíveis, cigarros, energia elétrica, serviços de telecomunicações e veículos terrestres, aquáticos e aéreos.

SÓ NA CHINA

A OMS decidiu não categorizar o novo coronavírus como emergência internacional de saúde pública. Mas declarou que o vírus de Wuhan é uma “emergência na China”. O país já computa 25 mortes e 830 casos.  De todo modo, o comitê de crise da OMS deve voltar a se reunir em dez dias para reavaliar a situação, já que houve divisão entre os 16 membros. O grupo de especialistas também alertou os governos a se prepararem já que, a qualquer momento, um caso do vírus de Wuhan pode surgir em seus territórios. Mas não recomenda nenhum tipo de restrição nas viagens e no comércio.

Por aqui, o Ministério da Saúde afirmou que o o país entrou em alerta de nível 1 (inicial) para o risco de transmissão. Cinco casos suspeitos e notificados foram descartados pelo governo mesmo antes de serem testados especificamente para detectar o coronavirus. A Anvisa soltou um comunicado em que informa estar orientando as equipes que trabalham em portos, aeroportos e fronteiras sobre a detecção de casos suspeitos e a utilização de equipamento de proteção individual. Além disso, a agência reguladora afirma foram intensificados os procedimentos de limpeza e desinfecção nos terminais, e que vai emitir avisos sonoros nos aeroportos para orientar os passageiros.

MATA-COCA

O governo colombiano publicou um projeto de lei para permitir a volta, após cinco anos, de um programa de fumigação aérea de plantações de coca com o glifosato, popularmente conhecido como “mata-mato” (o apelido é auto-explicativo). A ideia é matar as plantações para confrontar o tráfico de drogas. Não é nada novo: segundo a matéria da Vice, a pulverização aérea nessas plantações foi feita por quase 25 anos no Plano Colômbia de guerra às drogas, liderado pelos EUA. Mas seu retorno está sendo criticado por oficiais de governos locais, ambientalistas, especialistas em políticas de drogas e, é claro, moradores das comunidades rurais que ficarão no caminho dos voos.  “O que é observado na Colômbia é que fumigação aérea de longo prazo não significa diminuição da oferta. (…) Pelo contrário, segundo uma avaliação da UNODOC [Escritório das Nações Unidas sobre Drogas] na Colômbia, coca é replantada em 0,6% das vezes quando um agricultor recebe planos voluntários de substituição de plantações, ma as erradicação forçada eleva os níveis de replantio para quase 50%”, diz ao site o diretor do Drug Policy Project do Institute for Policy Studies, Sanho Tree.

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