E se os “donos do mundo” investissem mais em Saúde?

Em Davos, diretor-geral da OMS pede que países invistam ao menos 1% do PIB em atenção primária. Com isso, 60 milhões de vidas poderiam ser salvas e vida saudável aumentaria em 3,7 anos. Leia também: coronavírus chinês chega aos EUA

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Por Maíra Mathias e Raquel Torres

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NOTÍCIAS DE DAVOS

Começou ontem o Fórum Econômico Mundial. A edição deste ano deu um foco bastante grande à questão ambiental, com direito a discurso da ativista Greta Thunberg, que constatou que os líderes mundiais não estão fazendo nada diante das mudanças climáticas. E, se Bolsonaro desistiu da sua participação, Paulo Guedes está lá para representar o ideário do governo brasileiro. Segundo o ministro da Economia, o pior inimigo da natureza não são os políticos, para quem Greta aponta o dedo, ou as indústrias poluentes ou o modelo de desenvolvimento econômico, mas basicamente os pobres. “O pior inimigo da natureza é a pobreza. As pessoas destroem o meio ambiente porque precisam comer”, disse em um painel sobre o futuro do trabalho. Guedes também aproveitou a oportunidade para falar sobre o uso de agrotóxicos: “Todos nós queremos um espaço mais verde e queremos mais comida. E dependendo de quais químicos você usa para ter mais comida, você não tem um espaço limpo. E isso é uma solução política muito complexa.”

E Donald Trump usou seu tempo de palco para listar o que acredita serem suas conquistas econômicas nos EUA (onde, no mesmo dia, começou o julgamento de seu impeachment). Mas, por um breve momento, falou do clima. Primeiro, comprometeu-se a fazer parte da iniciativa de Davos de plantar um trilhão de árvores… Em seguida, chamou ativistas do meio ambiente de “alarmistas” e “socialistas radicais“.

Enquanto isso, o diretor-geral da OMS, Tedros Ghebreyesus, tentou convencer os líderes nacionais a aumentarem os gastos em saúde de seus países em 1% do PIB e a injetarem o montante principalmente em atenção primária. Assim, os sistemas de saúde receberiam em média mais US$ 200 bilhões por ano. Com isso, a OMS estima que seriam salvas 60 milhões* de vidas anualmente e que a “vida útil” média aumentaria 3,7 anos até 2030. O argumento também foi econômico: segundo Ghebreyesus, os países de baixa e média renda ainda veriam um crescimento de 2 a 4%. “A preparação para emergências, a promoção e a prevenção da saúde e a atenção primária representam alguns dos melhores investimentos de custo-benefício que um país pode fazer”, acrescentou ele depois, em vídeo postado no Twitter da OMS. Mais uma vez, a Organização apontou fontes possíveis para obter esses recursos: aumento da tributação de produtos não saudáveis, como refrigerantes e álcool, e restrição dos subsídios para indústrias prejudiciais à saúde pública, como a de combustíveis fósseis. Já a Unaids emitiu um comunicado à imprensa pedindo que as lacunas no financiamento público para a saúde sejam preenchidas com a maior taxação dos ricos e das empresas.

VÍRUS DE WUHAN

Ontem, subiu para nove o número de mortos pelo novo coronavírus chinês – que, aliás, agora tem nome: vírus de Wuhan, em referência à cidade onde surgiu. Já há 440 casos confirmados da doença respiratória no país e um total de 2.197 pessoas que tiveram contato com os doentes foram isoladas pelo governo, e 765 já foram liberadas dessa observação. Outro relatório feito por especialistas foi divulgado ontem, desta vez elaborado em colaboração com a Organização Mundial da Saúde, apontando que o número real de pessoas infectadas pode chegar a 1,5 mil, sendo 1.343 em Wuhan e 115 no resto da China. 

Um dos médicos responsáveis por investigar o novo coronavírus declarou, ontem, que também foi infectado. A notícia fez com que o governo chinês anunciasse medidas de proteção para os profissionais de saúde contra o vírus que, nas palavras de um oficial traz muitos desafios pois “está se adaptando e em mutação”. 

E os Estados Unidos confirmaram seu primeiro caso: trata-se de um homem de 30 anos que viajou para a região de Wuhan e, depois, voltou para Seattle. Seu quadro é estável e o Centro de Controle de Doenças americano está rastreando todas as pessoas que tiveram contato com ele. Taiwan também confirmou sua primeira infecção – e a situação por lá é mais dramática, já que o território não é reconhecido como país e não tem assento na OMS, por exemplo. O presidente pediu, ontem, para que a Organização não exclua Taiwan do esforço global de prevenção por fatores políticos. Houve novidades também na Tailândia, que anunciou ontem seu quarto caso. Até o fechamento da news, a situação continuava a mesma no Japão e na Coreia do Sul. 

Hoje, acontece a reunião do comitê de crise da OMS que pode decidir que o vírus de Wuhan é uma emergência internacional de saúde pública, por seu potencial de se tornar pandêmico.

ACORDO AFRICANO

A venda de medicamentos falsificados é um negócio milionário no continente africano, onde até 60% dos remédios vendidos são falsos e onde estão 42% dos produtos médicos falsificados ou fora do padrão apreendidos no mundo. As consequências para a população são catastróficas: mais de cem mil pessoas morrem todos os anos. No último sábado, líderes de sete países – Senegal, Togo, Uganda, Congo, Níger, Gana e Gâmbia – se comprometeram a criar uma estrutura legislativa que combata o problema.

A nova legislação vai criminalizar o tráfico e a venda de medicamentos falsificados, com pena de prisão de, no mínimo, dez anos para os infratores. Mas a reportagem do site Quartz mostra que não é fácil dar cabo do problema. Organizações criminosas transnacionais estão se envolvendo nisso porque a venda de remédios falsos já é duas vezes mais lucrativa do que o tráfico de seres humanos ou de armas e drogas ilegais. Junto a isso, a África Subsaariana reúne condições que favorecem o estabelecimento do tráfico, como governança fraca, prestação de assistência médica insuficiente, rede de farmácias pequena e muita pobreza. Hoje, as leis sobre isso na maior parte dos países africanos é mais frouxa do que no resto do mundo – e, quando há alguma legislação, as sanções são fracas e a aplicação é ineficaz. E mudar a legislação não é tudo: “até membros de alto nível do governo já estiveram envolvidos no tráfico, geralmente colocando os reguladores em situação difícil. Em dezembro de 2017, o deputado Beninoise Mohammed Atao Hinnouho [do Benim] foi preso depois que sua casa foi investigada e centenas de caixas de drogas falsas encontradas”, exemplifica a matéria.

DESDOBRAMENTOS

Falamos ontem sobre a situação de presos da Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, na capital de Roraima, onde uma doença infecciosa desconhecida já levou mais de 20 pessoas à internação. O  Ministério Público do estado pediu a interdição parcial da instituição, por conta do surto e da superlotação. A reportagem da Ponte lembra o histórico de violações cometidas no local – e a situação hoje é grave: as celas de seis metros quadrados, projetadas para três presos, hoje abrigam cerca de 15. No requerimento, os promotores destacam que é desumano fazer com que três pessoas ocupem o mesmo metro quadrado durante 22 horas por dia, com apenas duas horas de banho de sol. Eles também pediram a intimação pessoal dos titulares das secretarias estaduais de Justiça e de Saúde para que, em 24 horas, fosse feito um plano de emergência para isolamento e tratamento dos infectados.

Segundo o Conjur, representantes do Executivo e do Judiciário assinaram ontem um acordo nesse sentido. O plano plano prevê que sejam discriminados os produtos com os quais os parentes dos detentos poderão ingressar no presídio; deve ser liberada hoje a entrega de roupas limpas e produtos de higiene; os presos infectados devem ser transferidos “para um bloco onde poderão, de acordo com a necessidade, receber tratamento médico e psiquiátrico”, e a penitenciária deve passar por um processo de higienização. Mas o acordo vem tarde. O mesmo site conta que a OAB no estado já tinha identificado e denunciado as condições insalubres em meados de setembro do ano passado. Na época, fazia meses que o local não recebia material para limpeza das celas nem para higiene pessoal. E o estado de saúde dos presos já era precário, com muitas infecções por HIV, HPV, sarna e feridas.

FEBRE HEMORRÁGICA BRASILEIRA

Entre cem e 150 pessoas estão sendo monitoradas por terem tido contato com o homem que morreu por febre hemorrágica brasileira. A informação foi dada ontem pelo Ministério da Saúde, que explicou que se trata de uma medida de precaução. O monitoramento atinge familiares da vítima e profissionais de saúde e segue até 3 de fevereiro. Ninguém apresentou sintomas até o momento.

MAIS UMA

Subiu para 22 o número de pessoas que apresentaram sintomas da síndrome nefroneural, ligada à contaminação de cervejas por dietilenoglicol. Segundo o novo boletim epidemiológico da secretaria estadual de Saúde de Minas, a nova vítima é uma mulher que teria consumido uma das cervejas da marca Backer, que apresentaram contaminação. 

2,5 MIL ANOS DEPOIS…

O tecido neural costuma se desintegrar rapidamente depois da morte. Mas não foi o que aconteceu com um homem morto na Inglaterra em algum momento entre 673 e 482 aC: em 2008, seu crânio foi encontrado por arqueólogos e, ainda que mantido sem cuidados e em temperatura ambiente por todos esses séculos, o cérebro estava em ótimas condições. Mais ainda: não havia sinais de cabelos nem de qualquer tecido mole, e só o tecido neural estava preservado. Neurologistas da University College London analisaram amostras por um ano e, na quarta passada, publicaram os resultados no Journal of the Royal Society Interface. Eles sugerem que proteínas especiais foram poupadas dos efeitos das enzimas que trabalham na putrefação, permitindo a elas formar agregados resistentes. Ainda não se sabe como ou por que isso aconteceu, mas os cientistas imaginam que algum composto preservativo (ainda desconhecido) pode ter vazado para dentro do crânio a partir dos sedimentos onde ele foi enterrado. Embora muita coisa ainda esteja nebulosa, a descoberta pode ter implicações importantes no estudo dos mecanismos de doenças degenerativas, como Alzheimer.

*Esta informação foi corrigida. No texto original, havíamos escrito 60 mil, o que não está correto.

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