Como a Holanda venceu a ditadura do automóvel

No momento em que o país volta a inovar em mobilidade urbana, um vídeo de enorme importância para o Brasil mostra como é possível mudar mentalidades e sistemas de transporte

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Holanda inova mais uma vez em mobilidade urbana
País combina trens e bicicletas, abre enormes estacionamentos subterrâneos junto às estações e volta a demonstrar que políticas públicas inteligentes podem vencer ditadura do automóvel
Por Isabel Ferrer, no El País Brasil | Outras Mídias


Outras Palavras não publica normalmente material em outros idiomas, mas o vídeo acima (em inglês – para legendas em português, clique em “CC”, sob a tela) merece uma exceção. Precisamente no período em que surge no Brasil uma forte mobilização em favor de outro sistema de transportes e mobilidade, ele mostra que esta luta pode ser vitoriosa. Está focado na Holanda, provavelmente o país que melhor superou a locomoção baseada no automóvel individual — substituindo-a por uma vasta rede de trens, bondes e ciclovias.


Em seus 6m29, o documentário revela algo chocante: a cultura da bicicleta sempre foi forte na Holanda; no entanto, há menos de quarenta anos, o trânsito era tão hostil às bicicletas como o de nossas cidades. Num único ano (1971), houve 3,3 mil mortes no trânsito — entre os quais, 400 crianças — parte importante dos quais, ciclistas. Os dados são ainda mais expressivos por se tratar de um país cuja população (16,6 milhões) é semelhante à da região metropolitana de São Paulo.


As mortes estão estreitamente relacionadas a um processo muito semelhante ao vivido hoje no Brasil. Libertada do domínio nazista em 1945, a Holanda viveu, nos 25 anos seguintes, um enriquecimento acelerado, que beneficiou todas as classes sociais. A renda per capita cresceu 222%, entre 1948 e 1970. Boa parte dos que passaram a viver em condições mais favoráveis aspiravam ao padrão de consumo tradicional, em cujo centro está o automóvel. Para abrir avenidas, destruíam-se conjuntos residenciais e ciclovias. Praças foram convertidas em estacionamentos. O deslocamento médio realizado diariamente por um holandês passou de 3,9 para 23,2 km.

Dois fatores colocaram o modelo em xeque. O primeiro, e decisivo, foi uma intensa mobilização social contra a ditadura do automóvel, a partir dos anos 1970. Ele serviu-se do apego da população à bicicleta, que remota ao começo do século 20. Convergiu para intensas mobilizações em favor de um novo projeto de cidade. É algo que pode se dar também no Brasil contemporâneo, caso haja uma articulação mais forte entre movimentos como as lutas pelo direito à moradia, as bicicletadas e o ambientalismo urbano.

O primeiro choque mundial de combustíveis, em 1973, foi o catalisador final. Dependente do petróleo ao extremo, a Holanda viu-se contra as cordas, quando o preço do barril triplicou em poucas semanas. Porém, um governo ousado, dirigido pelo primeiro-ministro trabalhista Joop den Uyl, reagiu com medidas como os “domingos sem carro” e a proibição dos automóveis no centro das cidades.


Combinada com a mobilização social já existente, esta atitude deu início a uma revolução urbana. O traçado viário das cidades foi inteiramente transformado, para que surgissem áreas seguras para ciclistas. O uso da bicicleta, que declinara 6% ao ano no pós-II Guerra, cresceu entre 30% e 60%, em poucos meses. Junto com as ciclovias, floresceu um vasto movimento de recuperação das cidades, que transformou em praças e parques áreas antes colonizadas pelos carros. A profusão de espaços públicos e os contatos sociais e a sensação de liberdade que eles proporcionam são, por sinal, um dos ingredientes centrais para o encantamento produzido por cidades como Amsterdam.


O documentário termina com uma provocação: “Os graves problemas causados pelo automóvel não eram uma exclusividade dos holandeses”, diz o locutor. E instiga: “A saída que eles encontraram também não precisa ser”…

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37 comentários para "Como a Holanda venceu a ditadura do automóvel"

  1. Não é o Brasil que tem de copiar. Isso depende de cada um de nós.

  2. Excelente vídeo, muito didático pras autoridades responsáveis! Posso começar citando a rua Rafael Mazza, mais conhecida como CORREDOR DO OBELISCO, rua que dá acesso ao nosso mini-bairro, que além de ter ganhado vizinhos novos (residencial Vila Brasil), tem ainda mais um empreendimento do Ricardo Ramos em andamento para construçã de um condomínio. Vale lembrar a quantidade enorme de pessoas que trafegam nessa completamente precária: ainda tem o pessoal da Vasco Pires e do Dunas, que em sua maioria são crianças indo pra escola, gente de bicicleta e charrete. Eaí? E o trânsito? Um caos, e só piora! Acontece que la tem um lugar PERFEITO pra uma ciclofaixa que conectaria no início da domingos de almeida, que conta, com uma faixa central que serve de via alternativa. Encaminho a idéia. Vereador Ivan Duarte, prefeito Eduardo Leite. Bikers Vanessa, Marina, Leandro Karam e a quem interessar possa.

  3. Ito Porto disse:

    passou da hora de mudar o transporte…..

  4. Ito Porto disse:

    façam que eles virão……viver em muitas cidades poderá ser maravilhoso e saudavel…..vamos mudar???

  5. Como era nessa época e como estão hoje as opções de transporte público na Holanda? Porque só proibir a circulação de automóveis não adianta.

  6. Marco Azevedo disse:

    Faz- se necessário uma mudança cultural, bem como rever a ditadura imposta pelas montadoras de automóveis e a reboque pela industria da engenharia rodoviária em nosso país. Certamente a mudança deve se dar gradativa, pois há interesses da classe dos trabalhadores vinculados a estes setores da sociedade. Não acredito que bicicleta seja a solução para o transporte urbano em nosso país, porém ela poderá complementar. Há necessidade de políticas públicas ao incentivo ao uso do transporte coletivo, seja pelo meio rodoviário, ou ferrroviário, atrelando suas integrações.

  7. Dyrce Lobato disse:

    Gostaria que o Brasil copiasse.

  8. Carlos Colombo disse:

    Muito legal o vídeo, mas o texto agride. Amsterdam é realmente uma cidade incrível, muito mais pelo espírito de liberdade e respeito do que por suas inovações em transportes. Não se pode falar em mudanças de mentalidade, muito menos que o país conseguiu superar a “ditadura do automóvel”. Os acontecimentos demonstram uma cultura holandesa preocupada com o bem estar e valorização da vida humana, a política absorve e adota suas práticas. A solução das ciclovias é mais uma resposta inovadora às incoerências adotadas pela influência Marshall e que a Holanda, pelo que me pareceu, faz questão de adaptá-las à maneira local. Mesmo sendo indiscutível o benefício de viver com tantas bikes circulando, ou servindo-se delas para viver, o país não superou os automóveis que infestam as cidades holandesas, causam micro engarrafamentos toda mão porque inúmeros barcos fazem abrir as belas pontes…enfim, tudo isso é lindo e admirável, mas a verdade é que mesmo alí a quantidade de carros, motos, caminhões, barcos, bicicletas, trens e até tênis deslizantes fazem de um tranquilo passeio pela cidade um caos mágico.

  9. Lucas alves disse:

    E o clima em Amsterdam…..-22 em janeiro desse ano, e o povo na rua pedalando…

  10. Lucas alves disse:

    Então achei muito interressante as idéias propostas… mas acredito de verdade que seria quase impossivel de se aplicar em cidades como São Paulo que são realmente gigantes e a necessidade de locomoção é maior ainda pois encontrar empregos na região que você mora(exceto centro) é como encontrar ouro
    Acredito que seria mais aplicavel ao nosso caso um investimento real no transporte público que geraria em um efeito parecido com o Holandes, o meio seria diferente mais o fim parecido, no libertariamos de fato da ” ditadura do automovel”

  11. Marcelo disse:

    Muito legal. Uma diferença é que em São Paulo vamos ter que usar bikes elétricas. Eu suo pacas no calor e sempre tem uma subida no caminho.

  12. Maria Teresa disse:

    Concordo Drausio. Amsterdan tem atualmente perto de 1 milhão de habitantes, transporte público eficiente e educação milenar. Comparando com SP: 11 milhões de habitantes, transporte público sofrível e educação zero. SP não comporta bicicleta como alternativa de transporte. O que eu vejo aqui é um abuso de todos: motoristas, ciclistas, motociclistas, pedestres… Cada um quer ter mais direito que o outro. Viver aqui está se tornando um castigo. De minha parte, logo vou cair fora.

  13. Estou fazendo sugestões para que as Câmaras Municipais façam Indicações aos respectivos Chefes do Poder Executivo, no sentido de que nos projetos de infraestrutura e mobilidade urbana dos municípios sejam priorizadas as ciclovias…

  14. Lisete Massena disse:

    Antes de qualquer coisa precisamos segurança e educação para então podermos sair às ruas de bicicleta. Segurança para não ser assaltada,para não ser atropelada. Educação própria e dos demais motoristas para serem respeitadas todas as regras de trânsito e bem conviverem os automóveis e as bicicletas. Fundamental o aumento e melhoria do transporte público. Parabéns pelo vídeo, obrigada por compartilhar.

  15. Drausio disse:

    Só lembrando que a Holanda inteira cabe no estado do Espirito Santo.

  16. Rodolpho disse:

    Excelente vídeo. Obrigado por compartilhar.
    Tem gente que generaliza ao dizer que no Brasil o modelo não é viável. Mas é só sair dos grandes centros e ir principalmente para as cidades litorâneas. Lá a quantidade de gente que se locomove de bicicleta ou moto é maior do que em carros ou coletivos.
    Parabéns aos holandeses!

  17. Thais disse:

    Ah, e dou valor à Holanda, viu. Ô país legal! Tenho muita vontade de conhecer.

  18. Thais disse:

    Concordo que a bicicleta como meio de transporte principal no Brasil não daria certo por conta do clima, principalmente. Onde moro por exemplo (Nordeste), eu chegaria pingando de suor no curso que faço, há alguns quilômetros da minha casa.
    O ideal seria um transporte público de qualidade, isso sim! Ônibus, trem e metrô, em quantidades e condições ideais de uso, que permitissem me deslocar com segurança e o mínimo de conforto.
    Aliada a isso, a instalação de ciclovias para percorrer pequenas distâncias seria excelente! Hoje tenho medo de andar de bicicleta nas ruas, com medo de sofrer um acidente ou de ser assaltada.
    Mas esse cenário perfeito está longe da nossa realidade por vários motivos, dentre eles a própria cultura da população mesmo. Conheço gente que sai com o carro da garagem pra ir no outro quarteirão, comprar pão ou cerveja! rsrs

  19. Antonio Martins disse:

    Obrigado também, Soninha!

  20. Antonio Martins disse:

    Obrigado, Murilo. Corrigido!

  21. Denis disse:

    … e pior, pedalando sob o sol de 30 graus 😛

  22. Denis disse:

    Boa! É bem por aí! Clima e topografia tem TOTAL relação com esse tema…

  23. Denis disse:

    muito fácil andar de bike numa cidade plana, com a industria/comercio bem distribuída pela cidade. aqui em SP isso nunca vingaria. imagine você, morador do capão redondo, pedalando todo dia até a praça da sé pra chegar no “trampo”. aham!

  24. Murilo Fujita disse:

    Ótimo documentário!
    Só para ajudar melhorar o texto, substitua “domingo em carro” por “domingo sem carro” como diz a legenda.
    Gostei muito. Espero que o nosso Brasil também evolua com as ideas da Holanda!

  25. Tem um erro bobo de digitação que muda todo o sentido: “Domingos em carro” rsrs. Lindos texto e vídeo, amei.

  26. Guilherme disse:

    Clima ameno? Em Amsterdam? Em março, por exemplo, a temperatura MÁXIMA prevista é de 8ºC (http://www.zonaclima.com/climate/netherlands/celsius/amsterdam.htm).
    Sobre relevo, sugiro ver as ciclovias de San Francisco: http://www.pedal.com.br/forum/quem-de-fato-investe-na-bike-como-transporte_topic28378.html
    (Pesquisa rápida de 5 min, poderia me aprofundar mais se tivesse tempo.)
    Nem acho que bicicletas são a solução final e definitiva para o transporte urbano, ainda que sejam muito importantes. Transporte coletivo e possibilidade de integração entre diferentes modais são fundamentais pra qualquer cidade grande.
    Não falta clima, não falta relevo. Falta vontade.

  27. wanderley gradela filho disse:

    Nem tanto, os empregos seriam direcionados para a cadeia produtiva da bicicleta que envolve indústria e serviços, aliás muito mais serviços e os empregos das montadoras de automóveis estão sendo reduzidos há muito tempo.
    bicicleta já!
    vou divulgar

  28. Luiz Cunha Ortiga disse:

    Excelente matéria.
    A tendência será a conscientização do uso paulinadamente da bicicleta em detrimento do automóvel. Uma questão de tempo.

  29. Luiz disse:

    A ditadura do automóvel é imposta pelas grandes montadoras, intaladas principalmente no Estado de São Paulo. Imaginemos se num belo dia todos resolvessem andar de bicicleta e deixassem seus carros na garagem.
    Seria uma maravilha para os pulmões, não é mesmo? Mas a que custo social? Como iam ficar os milhares de empregos do ABC?
    Não acredito em fórmulas mágicas, idílicas e utópicas. A adoção de uma nova estratégia de mobilidade urbana é necessária mas todas as partes envolvidas têm que ser ouvidas.
    Será que um metalúrgico paulista pensa assim? E as empresas que funcionam nesta cadeia produtiva, teriam que fazer uma demissão em massa pré-falimentar?
    Bicicleta é bom sim, mas tenhamos muito cuidado nesta relação delicada que envolve o homem e o trabalho.

  30. wim tomassen disse:

    Pienso que el nombre de accidentes es menos en este momente porque desde muchos anos la ley dice: un accidente entre coche y ciclista o entre ciclista y pieton le mas debil debe ser protegido y le mas fuerte debe probar su inecencia. Este ley a cambiado mucho en el trafico.

  31. Pedro disse:

    É preciso haver aqui um choque cultural, de mentalidade, assim como o que houve na Holanda quando implementaram o famoso sistema das bicicletas brancas. As bicicletadas provavelmente já estão contribuindo muito nesse sentido. O engajamento na causa das bicicletas, do direito de ir e vir de forma alternativa ao automóvel, é também uma luta política – tão necessária em tempos de crise ecológica.

  32. Antonio Martins disse:

    Agradecimento atrasado, ao Zé: a versão original, redigida por mim, estava de fato confusa. Dava a entender que houve 3,3 mortes de ciclistas. Alertado por ele, corrigi. O Luiz deparou com a versão já consertada, por isso achou estranha a observação inicial. Fica o esclarecimento e um pequeno sinal de que o site só tem a melhorar, com a participação ativa dos leitores. (Antonio Martins)

  33. Larissa disse:

    Tem também o caso de Compenhague, que apeser de não ter um clima ameno, adotou a bicicleta como importante meio de transporte:
    http://cidadesparapessoas.com.br/o-projeto/jan-gehl/

  34. Luiz disse:

    “Num único ano (1971), houve 3,3 mil mortes no trânsito — entre os quais, 400 crianças — parte importante dos quais, ciclistas.” acho que foi isso que o texto disse

  35. Yan Vianna disse:

    Mas acho que é difícil encaixar esse modelo no Brasil todo pela topografia e pelo clima. O ponto culminante da Holanda é 300m isso porque fica na fronteira, pois as altitudes são bem mais baixas, fora o clima mais ameno durante o ano. Lógico que em alguns pontos é possível, mas de forma complementar. O necessário é investir no sistema de transporte coletivo tornando mais barato e eficiente.

  36. disse:

    só uma correção: pelo que entendi do vídeo, não foram 3,3 mil ciclistas mortos, mas sim 3,3 mil pessoas mortas em acidentes de trânsito. quer dizer, não foram apenas ciclistas: os acidentes começaram a matar geral na holanda daquela época. claro, por causa do aumento indiscriminado de armas motorizadas circulando pelas ruas em alta velocidade. belo vídeo, belo exemplo!

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