Pela extinção da internet – como a conhecemos

É preciso politizar o mal-estar causado por uma rede dominada por corporações e robôs, sugere novo livro. Isso exigirá transformar o desencanto em transição, reconstruir o “eu online” e enfrentar as Big Techs, sem o romantismo offline

Imagem: Simón Prades/CIGIonline

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Será que uma outra internet — uma mais próxima à que acreditávamos nos anos 2000, descentralizada, menos vigilante, mais das pessoas do que de empresas e robôs — ainda é possível? Extinção da Internet, livro do professor e ativista holandês Geert Lovink, é um esforço para tentar responder a esta pergunta. Publicado originalmente em 2022, está sendo lançado neste mês no Brasil pela Editora Funilaria, em parceria com o BaixaCultura – na última semana, ele deu nome a uma mesa da última edição da Festa Literária Pirata das Editoras Independentes, a Flipei, em Paraty.

No livro, produzido a partir de uma aula inaugural na Universidade de Ciências Aplicadas de Amsterdam, Geert convoca os leitores a examinar o status atual da internet para se pensar, criativamente, em alternativas bifurcativas. Para isso, usa memes, cita fóruns da internet, ativistas conhecidos (e outros obscuros) e chama um time de pensadores que estão, quase todos, se debruçando hoje sobre a relação do capitalismo neoliberal com a tecnologia digital. Há principalmente a influência de Bernard Stiegler e sua antologia programática “Bifurcate: There is no Alternative” e Franco “Bifo” Berardi e seu “O Terceiro Inconsciente”, ambos a confluir na ideia de assumir o horizonte do caos (e do fim) como ponto de partida para a reflexão. Mas há também diálogo com outros contemporâneos, como Tiziana Terranova, Donatella Della Ratta e Yuk Hui, além de Mark Fisher, Jacques Derrida, Bertold Brecht e Walter Benjamin entremeados nas próprias reflexões de Geert, que tem um longo histórico nos estudos críticos da internet e da cultura digital: membro fundador da Nettime — um grupo e uma lista de e-mails sobre cultura digital, política e tática que desde 1996 reúne uma série de pesquisadores, professores, teóricos e práticos europeus —, também fundou, em 2004, o Institute of Network Cultures, que trabalha com pesquisas e publicações ligadas a arte digital, cultura da imagem, design e publicação digital a partir de uma perspectiva interdisciplinar e crítica. Além disso, é autor de livros como Networks Without a Case (2012), Social Media Abyss (2016) e Organization after Social Media (com Ned Rossiter) — todos sem edição brasileira, mas traduzidos para o alemão, espanhol e italiano. Nos últimos anos, Geert tem reforçado sua posição crítica ao que a internet se transformou em livros como Sad by Design (2019) e Stuck on the Platform (2022), nos quais ele analisa o crescimento das plataformas de mídias sociais e a relação do design pela qual foram feitas com a proliferação da desinformação, da circulação de memes tóxicos e discursos de ódio, da fadiga online a partir das telas (explorado durante a pandemia no chamado “zoom bombing”) e da adicção online.

Neste Extinção da Internet, ele segue nessa análise, agora de modo sintético e dialético, trazendo um resumo de suas principais questões atuais sobre essa “ressaca da internet”, como eu mesmo já a chamei em texto publicado aqui no Outras Palavras, em 2018. Como por exemplo: “Como transformar descontentamento e contra-hegemonia em uma verdadeira transição de poder nesta era da plataforma tardia? O que pode ocupar o vazio em nossos cérebros desfragmentados depois que a internet desocupar a cena? Em que pode consistir a vida depois que nossas mentes frágeis não forem mais atacadas pelos efeitos entorpecentes e deprimentes de descer a barra de rolagem do apocalipse (doomscrolling)? Pode o ‘eu online’ se livrar da armadilha do marketing da vaidade? Podemos experimentar a livre colaboração e cooperação para escapar da jaula do eu? Como salvar o tecnosocial das mãos do Vale do Silício e do controle estatal, sem cair no romantismo offline ou no comunalismo voltado para dentro?”

As respostas que Geert traz a estas questões não se pretendem definitivas, porque estamos no meio de um processo de profunda transformação política, social e econômica a partir das tecnologias digitais. Sua ideia, com este livro, está mais para a politização desse mal-estar que nos acomete sobre os rumos da internet hoje, para com isso jogar luz a possíveis bifurcações. Seja destacar caminhos já existentes, como sistemas de uma internet mais “alternativa”, geralmente ligado ao software livre ou originários de base comunitária, que permanecem como opção a uma internet monopolista e plataformizada; ou a outros a serem criados. Falar bastante do problema e assumir o caos e o “fim” pode ser um primeiro passo para tentar criar novos caminhos. Como diz Geert no livro: “A Extinção da Internet é o fim de uma era de possibilidades e especulações, em que a adaptação não é mais uma opção. (…) O esforço deve ser esticar o tempo, reivindicar e ocupar a futura internet e projetar configurações autônomas de tempo-espaço que permitam que a reflexão e buscas sem sentido se desenvolvam. A pós-internet será vendida como uma tecnologia irreversível. Como contra-ataque, precisamos redesenhar os sistemas atuais que estão causando a perda de memória e conhecimento. O projeto aqui não é apenas manter a extinção do protocolo da internet, mas também superar a depressão organizada a ela relacionada.”

Escrevi o prefácio e acompanhei o processo de tradução, já que o livro faz parte de uma coleção que estamos organizando, BaixaCultura e Funilaria, com publicações que buscam tratar das discussões tecnopolíticas envolvendo os rumos da internet, que chamamos de “Âncoras do Futuro” por conta de Milton Santos, autor desta frase: “E aí não é passado que constitui a nossa âncora – como aprendemos e, quem sabe, ensinamos – a nossa âncora é o futuro”.

Em 2024 estamos programando mais dois livros, em que trataremos perspectivas sobre as bifurcações possíveis a partir de pontos de vista do sul global. Acreditamos que nossa região, ainda com todos os problemas de acesso, regulação possível e desigualdade generalizada, tem o potencial real de alternativas novas ao incorporar e incubar soluções desde abajo, baseadas na inventividade gambiarrística de quem cria porque entende melhor que não há outro caminho para (sobre)viver.

Extinção da Internet tem tradução de Dafne Melo, está à venda no site da Funilaria e em breve terá seu PDF liberado, em licença Creative Commons BY SA NC. No Baixacultura já está o texto publicado como prefácio de “Extinção da Internet”.

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