O sentido politico da “faxina” de Dilma

Ao agir de modo aberto contra corrupção, presidente pode deixar direita sem discurso. Mas até onde ela levará sua ofensiva?

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Por Felipe Amin Filomeno*, colaborador de Outras Palavras e editor de blog pessoal

O que a “faxina” que a presidente Dilma Rousseff está realizando nos ministérios tem a dizer sobre a conjuntura social do Brasil contemporâneo? Num sentido amplo, é um fenômeno político implicado na trajetória de crescimento econômico com equidade social promovida desde 2003 pelas administrações do PT. Ao longo desta trajetória, as forças sociais conservadoras foram esvaziadas de um discurso crítico sobre política econômica e social, tendo que concentrar seus esforços em ataques à corrupção. Por outro lado, à medida em que a democracia se fortalece e problemas sócio-econômicos são minimizados, segmentos politicamente conscientes da sociedade tendem a apresentar novas demandas ao Estado, tal como o combate à corrupção.

A novidade de Dilma pode ser a passagem de uma estratégia defensiva para outra de ataque, capaz de enfraquecer ainda mais as forças conservadoras. A “social democracia globalizada” de Lula trouxe aumento da massa salarial e do nível de emprego, redução das desigualdades e incorporação de milhares de brasileiros à classe média. Como estratégia politicamente moderada de desenvolvimento, envolveu  a criação de uma ampla coalizão de centro-esquerda, tendo PT e PMDB como componentes principais. Para os intelectuais de esquerda e movimentos sociais mais radicais, a agenda meramente reformista de Lula foi uma decepção. O que estes talvez não tenham percebido é que foi justamente a “moderação” de Lula uma das principais causas de uma grande vitória da esquerda brasileira: a anulação do Democratas, principal representação partidária do neoliberalismo no país. O reformismo de centro-esquerda de Lula atraiu a classe média, trouxe benefícios aos pobres e, num momento de prosperidade, deixou a oposição sem um discurso que veiculasse um projeto alternativo ao país.

Na falta de uma estratégia focada em políticas econômicas e sociais, à oposição restou o ataque à corrupção. Isto não foi fácil. Em primeiro lugar, era preciso convencer a sociedade de que a corrupção era um traço distinto da administração do PT, ao invés de uma prática arraigada no Estado brasileiro que, por séculos, foi comandado por aquelas mesmas forças conservadoras em benefício das elites do país. Em segundo lugar, era preciso que tais ataques enfraquecessem não apenas o governo ou o partido, mas Lula, pessoalmente. Não funcionou. Apesar do mensalão, Lula derrotou Geraldo Alckmin.

Entretanto, não era nem o Democratas, nem o PSDB, o grande articulador da estratégia conservadora focada no ataque à corrupção. Foi a grande mídia tradicional, através de reportagens baseadas em versões e boatos, e de uma cobertura tendenciosa e desproporcional dos fatos. Seja em sua forma partidária ou em sua versão midiática, o ataque conservador à corrupção contribuiu mais para gerar crises de governabilidade do que para combater este terrível problema. Afinal, o ataque era muito mais fruto do oportunismo das forças sociais conservadoras do que de um compromisso com a ética no serviço público. Fosse isto teriam expurgado a corrupção do aparato estatal durante os 500 anos em que governaram o país, certo?

Bom, mas há um lado positivo nisso tudo. À medida em que o brasileiro se acostuma com a democracia, consegue emprego formal, obtém aumento salarial, e alcança um padrão de consumo de classe média, outros problemas – como a corrupção – passam a ganhar mais destaque em sua “agenda de preocupações”. Isso provavelmente aconteceria mesmo sem a pressão da mídia e me remete a algo que o Fernando Henrique chamou uma vez de “pedagogia da democracia”. É a este aspecto do problema que a administração de Dilma deve se voltar. Mais especificamente, é salutar que deixe a estratégia defensiva adotada no governo Lula (de tentar “blindar” o governo sem promover uma “faxina”) para uma estratégia ofensiva (promovendo de fato a “faxina”).

As dificuldades da nova estratégia estão na manutenção do apoio ao governo no Congresso, pois lideranças políticas envolvidas em casos de corrupção acabam afastadas da administração federal, e na perda do foco em outras prioridades do Estado (como o enfrentamento da crise mundial através de ajuste fiscal e política industrial). Por outro lado, seus benefícios estão em satisfazer demandas genuínas do eleitorado contra a imoralidade no serviço público, em aprimorar a gestão pública, e em esvaziar o conservadorismo do único discurso que lhe restou (o do combate a corrupção).

Felipe Amin Filomeno é sociólogo e economista, doutorando em Sociologia pela Johns Hopkins University, com apoio da CAPES/Fulbright. Tem artigos publicados nas revistas Economia & Sociedade, História Econômica & História de Empresas, e da Sociedade Brasileira de Economia Política.

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8 comentários para "O sentido politico da “faxina” de Dilma"

  1. renato machado disse:

    Vamos parar de sermos ingênuos. Existe distribuição de renda quando os ricos pagam impostos não é o nosso caso. Os ricos nunca ganharam tanto quanto no governo Lula. Explique isso? Precisamos ir no orçamento e ver quem está pagando isso. 50% do orçamento é para o para a dívida que o governo fez de tudo para não ser auditada. A manutenção do fator previdenciário , o arrocho sobre os aposentados , os cortes dos já parcos recursos das áreas sociais explicam isso. Sobre a tal faxina que o Lula não fez , não o faria atingiria Palocci , Guschiken , Paulo Bernardo , Vacarezza , Delúbio , Zé Dirceu , etc , etc. Todos esses senhores têm relações perigosas com o grande capital……

  2. Brasileiro disse:

    O artigo manipula a realidade(…a grande mídia tradicional, através de reportagens baseadas em versões e boatos, e de uma cobertura tendenciosa e desproporcional dos fatos), a Imprensa dá as notícias, se fossem inverídicas cairiam em descrédito muito rapidamente, e foi justamente o contrário que viu, foi através dela que se confirmou o que todos já sabiam, que a “Corrupção e a Impunidade”, estão presentes em todos os atos dos políticos, nos ministérios, no senado e na camara, e estão a favor do crime organizado e CONTRA O BRASIL E OS BRASILEIROS!!!
    A Dima sim, foi pautada pela imprensa e devia agradecer por isso, mas a “faxina” realmente não aconteceu, ninguém foi processado, punido, devolveu o dinheiro, teve bens bloqueados ou sequestrados e como sempre estão todos, livres, leves. soltos e sorrindo cinicamente na cara de todos nós!!! Além de varios outros ministros que tbm deveriam ter ido pra rua, e continuam nos cargos!!! CHEGA DE TANTA “CORRUPÇÃO E IMPUNIDADE” e basta de jornalismo CHAPA BRANCA!!!

  3. Sergio de Souza Brasil disse:

    As considerações feitas por Filomeno são simples e corriqueiras. Nada demais, até porque o explicitado por ele já corre em todas as bocas. O que me preocupa é a versão que se pretende passar de que a história política brasileira tem somente dois momentos: antes e pós-Lula, o que explicita um maniqueísmo simplório. A questão principal é: como as forças populares podem reverter as ações de um governo que desde 2003 tem sido manipulador pelo polulismo, facilitador da acumulação dos grandes impérios financeiros e operador de uma política meramente assistencialista? O que o governo Lula e seus seguidores realizou como projeto politico claramente vinculado às demandas do povo brasileiro? Uma bolsinha família aqui, um aumentinho salarial ali, uma subidinha do nível de consumo… Dos sindicatos nem se fale: subalternizados por postos e damandas de conchavo, as transformações sociais não virão mais através deles. Conclusão: a esquerda deve se repensar rapidamente antes de cair no dogma maniqueísta da chamada centro-esquerda. O artigo do Filomeno é um juntar de palavras e não avançou em nenhuma reflexão. Ponto morto.

  4. Antonio Carlos Godoy disse:

    Olá! A pergunta que me faço a muito tempo quando qualquer partido e/ou governo fala em “faxina”, relacionado a corrupção, fico me questionando se a “faxina” não ocorre por que blindar o governante – como no caso Lula, Dilma – é mais necessário para a governabilidade, ou não fazer a “faxina”, embora se fale nela, é um acordo político para que se tenha a governabilidade? Creio que parte da faxina foi realizada – as janelas estão limpas e enxergamos o que acontece dentro e fora da casa, mas precisamos varrer o chão, encerar o piso, tirar o pó, lavar a roupa suja. Eis um trabalho árduo. Num jargão policial “temos que cortar a própria carne”

  5. Análise perfeita. Abrangente. Enfocou todos os aspectos do caso e alerta para a possibilidade do governo Dilma ficar refém deste processo, paralizando o congresso e a administração. Me parece que Dilma está conciente da situação, já foi alertada por Lula e inclusive FHC deixou recados. Dilma tem afirmado que a “corrrpção” não é prioridade e que a “faxina” é a da miséria. Parabéns.

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