“O que está em jogo em Atenas”

Jovem líder da esquerda grega sustenta: país é cobaia para reduzir direitos em todo continente; alternativa é refundar pacto europeu

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Por Alexis Tsipras | Tradução: Vila Vudu

Em 21 de maio, logo depois de convocadas novas eleições gerais na Grécia, o candidato da coalizão de esquerda, Alexis Tsipras, viajou à França e Alemanha. Procurou desmentir as alegações de que seu grupo é “contra a União Europeia”, ou que defende a “retirada do país do euro”. Frisou que seus adversários são outros: a oligarquia financeira que exerce cada vez mais poder sobre as instituições “democráticas” e as políticas que, para proteger os privilégios deste pequeno grupo, eliminam direitos sociais e detonam os serviço públicos.

Em Paris, Tsipras foi recebido na Assembleia Nacional, a convite do eurodeputado Jean-Luc Mélenchon, que disputou as eleições presidenciais e lidera o Partido de Esquerda. Depois, concedeu entrevista coletiva. Ao abri-la, fez a seguinte fala, em que procurou resumir o projeto de seu partido (A.M.).

Não sei se estamos causando medo na Europa, mas acho que, sim, surpreendemos um pouco. Pelo menos, se se avaliar pelo número de jornalistas aqui [risos].

Esse é, mesmo, um dos nossos objetivos: estimular a inteligência europeia a considerar os fatos, a olhar de frente a realidade. É preciso que todos compreendam que a crise não é grega, não diz respeito exclusivamente à Grécia, concerne a todos os povos europeus. Trata-se portanto de encontrar solução europeia comum, para um problema que é comum.

Queremos que todos tomem consciência do fato de que povo algum, seja onde for, no planeta, na Europa, jamais se deixou levar, sem resistência, a uma espécie de suicídio induzido. O que se passa na Grécia há dois anos é uma espécie de indução ao suicídio do povo grego.

Ouve-se muito falar de programa de ‘austeridade’, mas o que está sendo implantado na Grécia não é simples programa de ‘austeridade’: trata-se de uma experiência, de uma experimentação europeia, do que possa vir a ser uma “solução neoliberal ‘de choque.

A Grécia vive hoje uma crise absolutamente sem precedentes, com características de crise humanitária. Estamos por isso hoje em Paris, e amanhã na Alemanha, para dizer aos povos europeus que absolutamente nada temos contra nenhum deles.

Na Grécia, estamos em pleno combate, uma luta que combatemos em nome do povo grego, do povo francês, do povo alemão e de todos os povos da Europa.

Porque, se prosseguir aquela experimentação, aquela experiência de aplicar na Grécia aquela ‘solução neoliberal de choque’, a experiência, imediatamente depois, será exportada para outros países europeus.

Mas a guerra que vivemos hoje na Europa não é guerra entre nós, os povos europeus: é guerra em que se enfrentam, de um lado, as forças do trabalho e, de outro lado, as forças invisíveis da finança e dos bancos. Para nós, é difícil afrontar para vencer esses nossos inimigos.

Nossos adversários políticos, como todos vimos durante a campanha eleitoral, não têm qualquer projeto, não têm programa, não estão representados por nenhum partido ou coalizão clara de projetos ou ideias. Apesar disso, são eles que governam.

“Eles”, os que governam, são o capital financeiro, os bancos, os que detêm os capitais, e que se aliaram no seio de uma Europa que faz guerra à Europa, guerra aos europeus, guerra ao povo grego, para arregimentar os meios necessários para, amanhã, poder generalizar a sua ‘solução’ de choque neoliberal, contra outros povos europeus.

Mas, afinal, depois das eleições de 6 de maio, estamos às vésperas de um novo pacto, que o povo grego espera conseguir construir, para firmar sua vitória. Queremos mudar as coisas na Grécia, para emitir, bem clara, uma mensagem de esperança a toda a Europa. Para fazer lembrar, aos que esquecem a história, que o Memorando nos levou ao desastre.

E para buscar, com todos os povos europeus, uma refundação da Europa – outra Europa que, dessa vez, será criada sob princípios de solidariedade e coesão social.

Muito nos alegra constatar que, mesmo que ainda não tenhamos chegado aos cargos e responsabilidades de governo, já sopram ventos de mudança em todo o continente.

Prova disso é que haja aqui tantos jornalistas.

Prova disso, também, é que questões e ideias que, há bem pouco tempo, pareciam absolutamente extemporâneas, são hoje fatos que se veem e discutem-se por toda parte. Até nossos adversários são obrigados a discutir. E temos, sim, de obrigá-los a discutir, porque estamos sob chantagem, mas a verdadeira chantagem que se arma contra nós é outra, muito mais séria que a que vemos hoje à superfície.

A verdadeira chantagem não está em nos ameaçarem com o fim da Grécia, se não nos acomodarmos sob o imperativo do choque neoliberal.  A verdadeira chantagem, hoje, é ameaçarem toda a Europa com o fim do euro e da União Europeia enquanto tal.

Por tudo isso, acreditamos que, dia 17 de junho, na Grécia, as forças da esperança vencerão o medo. A esquerda grega alcançará vitória decisiva, histórica. Entendemos que será o começo de grandes mudanças em toda a Europa.

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Um comentario para "“O que está em jogo em Atenas”"

  1. Excelente o comentário! lúcido e atual

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