Novo movimento, velhas reações

.

Crônica de um protesto em Bauru-SP: como empresários e assessores do ministro Aldo Rebelo reagem diante de jovens que não perderam o desejo de mudar

Por Carolina Ito | Foto de João Francisco de Araújo

“Olha aí, os ambientalistas!”, diz uma senhora. “O que vocês estão fazendo?”

Ela chega com uma amiga que estava vestida de maneira parecida. As duas fumam e se equilibram no salto alto dos sapatos e lembram as personagens daquele reality show mais estranho que a ficção, o “Mulheres Ricas”.

“A gente tá protestando contra o Novo Código Florestal que o Aldo Rebelo propôs”, explica a manifestante.

“Mas esse assunto não tem nada a ver, vocês deviam entrar e conversar… O assunto de hoje é Copa do Mundo”, diz ela, caminhando em outra direção, como quem não quer alongar a conversa.

“Não é o mesmo assunto, mas é a mesma pessoa, oras”, argumenta a manifestante mesmo sem ser ouvida.

Em frente à sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), vários copinhos de café e bitucas de cigarro atirados ao chão indicavam que as pessoas esperavam há um bom tempo. O ministro do Esporte, Aldo Rebelo, chegaria a Bauru para uma palestra sobre a Copa do Mundo de 2014. O evento discutiria as possibilidades de a cidade ser uma das subsedes da Copa, buscando articular lideranças locais para criar novos centros de treinamento. Repórteres e muitos senhores de terno aguardavam a chegada do ministro, que ultimamente tem ganhado destaque por encabeçar a frente de parlamentares que exigem a aprovação do Novo Código Florestal.

A ansiedade dos manifestantes era grande, afinal, no dia anterior, a presidenta Dilma havia declarado seu posicionamento, vetando 12 artigos (num total de 84) e alterando outros 32. Apesar de modificações importantes, o texto continuou mais ajustado à versão aprovada pelo Senado, tendo em vista que a sociedade vem pressionando a presidenta pelo veto integral.

O Novo Código Florestal estava completamente fora da pauta do evento, mas cerca de 15 jovens, foram até o local para que a decisão de Dilma Rousseff não passasse em branco. “Mais do que Copa, precisamos de florestas”, dizia um cartaz.

“Vocês são de qual universidade?”, pergunta Rafael Lacerda, membro da União Estadual dos Estudantes.

“Aqui tem gente de várias universidades, mas todo mundo é de Bauru”, responde a manifestante.

Pediu, então, que os manifestantes “se acalmassem”, tentou discutir alguns aspectos do Código Florestal e disse que era a favor do veto parcial. “O Aldo”, insistia, “é um ex-presidente da UNE”.

E, com quase uma hora de atraso, o “Aldo” chega, acenando para todos na companhia de assessores também sorridentes. Havia uma viatura com quatro policiais. Todos os jornalistas entraram para iniciar a coletiva de imprensa e os ouvintes se dirigiram ao auditório onde iria acontecer a palestra.

“Só entra com nome na lista. O auditório tá lotado”, disse um dos organizadores aos manifestantes que tentavam entrar.

Mais um não: Depois de argumentarem exaustivamente, os jovens que estavam no protesto conseguiram entrar para assistir à palestra sobre a Copa do Mundo. Mas o organizadorfoi enfático:

– “Sem protesto, hein!”.

Consegui pegar o fim da coletiva de imprensa, mesmo sem ter credencial. Ouvi apenas uma pergunta sobre o planejamento do Ministério do Esporte para a realização da Copa e logo a sala se encheu de comentários que elogiavam desde as entrevistas de Rebelo na mídia, até o seu casaco amarelo-gema que levava no peito o nome “Aldo”.

A coletiva de imprensa foi breve – cerca de 20 minutos – e os repórteres se dirigiram ao auditório para a segunda parte. Segui o fluxo, ouvindo o que se passava pelos corredores.

“O que é esse povo protestando contra o código florestal?”, ironizou um professor universitário que parecia ter intimidade com o ministro. “Querem ir pra rua, mas não têm referência”, concluiu em seguida.

No auditório, percebi que havia um número razoável de cadeiras vazias. A palestra teve início com todas as apresentações burocráticas e seguiu com a fala do ministro.

Rebelo comentou as acusações de que o governo está gastando com a Copa ao invés de investir em serviço público, argumentando que as obras já estavam previstas no orçamento muito antes e que serão úteis a toda população brasileira. Em tom descontraído, afirmou que “estádio não é elefante branco” e que terá espaços para realização de outros eventos, “desde casamento até congresso”.

Ao sair da palestra, o protesto voltou a ser alvo de comentários do tipo “essa mobilização funciona em festa, não em política” ou ainda, “esse pessoal é revolucionário de Facebook”.

Contramanifestações: Sem protestos no recinto, a palestra terminou. Do lado de fora, a manifestação continuou. Uma faixa, que cobria a entrada principal, dizia: “Desliguem essas motosserras”.

“Tem gente ganhando muito dinheiro com ecologia. Tomem cuidado para não serem manipulados!”, advertia um senhor bradando assuntos desconexos.

“Dá um baseado pra eles!”, gritava outro homem de terno, rindo com os amigos.

O ministro sai da sede da OAB em direção ao carro – que havia parado em uma vaga para idosos – para pegar um voo que saía às 19h. Um rapaz que não estava presente durante a manifestação, joga dois ovos na direção de Rebelo, sem acertá-lo, e sai correndo. Os estudantes que estavam com apitos, gritando em protesto, foram logo responsabilizados pelo episódio e acabaram endossando a discussão.

“Eu vim aqui porque eu acho certo, não penso coletivamente. É difícil controlar movimentos espontâneos”, disse uma das manifestantes enquanto eu me perguntava se é possível haver articulação em meio à falta de “referências” ideológicas. E se a referência for a vontade de mudar?

Leia Também:

5 comentários para "Novo movimento, velhas reações"

  1. Ótimo texto Carolina!

  2. ricardo papito disse:

    Sua cronica nos leva a imaginar exatamente o que acontece no “mundo da politica” atual, políticos e assessores que tratam e consideram o “povo” com cinismo e desdem ou ainda, vassalos que só possuem valor na época das eleicoes; quanto ao passado dos políticos de esquerda, pra que revivê-lo….está tudo tao bom, nunca ganharam tanto dinheiro e tao facil, basta seguir a carruagem….

  3. Henrique de Souza Miranda disse:

    Este ministro aldo, aplica-se muito bem o ditado de “Quem te viu,e quem te vê”,pois quando presidente da UNE e candidato a dep. federal na década de 80, este apregoava a ‘revolução” e mudanças na sociedade brasileira.Atualmente passou a ser porta voz do latifúndio e do agronegócio,setores historicamente conservadores e mesmo retrógrados,defendendo propostas para um código florestal, que representa um retrocesso na legislação ambiental de nosso País, de acordo com cientistas e ambientalistas.

  4. Rodrigo Más disse:

    Ótimo Carolina Ito! A velha politica mergulhada no pântano da baixa intensidade. Esquerda e Direita não se diferencia na essência. Transitar para outro modelo civilizatório, para uma economia de baixo carbono exigi romper com o homem velho.

  5. O titulo diz tudo, novos movimentos, velhas reações!!!!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *