Uma energia incompatível com a humanidade

Catorze meses após tragédia de Fukushima, exame de suas consequências movimenta, no Brasil, iniciativa cidadã para banir centrais nucleares

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Por Chico Whitaker

Sobre o tema: Acaba de ser lançado livro que expõe, em profundidade, razões da iniciativa anti-atômica. Chico Whitaker, Ildo Sauer e Joaquim Francisco de Carvalho escrevem: Por um Brasil livre de Usinas nucleares – por que e como resistir ao lobby nuclear, Editora Irmãs Paulinas, disponível aqui

Em 11 de março 2011, no Japão, um terremoto de 8,9 graus e as grandes ondas de um maremoto, que invadiram dez quilômetros de terra, provocaram milhares de mortes e uma enorme destruição. Mas a cidade de Fukushima viveu uma segunda tragédia: uma onda de 14 metros destruiu o dique que protegia usinas de produção de eletricidade com reatores atômicos, causando-lhes avarias e explosões.

Este segundo desastre teve efeitos ainda piores. De fato o luto, ainda que doloroso, um dia será superado; os equipamentos coletivos, casas, edifícios e bens destruídos serão reconstruídos ou indenizados; mas a radioatividade resultante da explosão de uma usina nuclear contamina a terra, o ar, a água, as plantas e as pessoas, por mais de uma geração. Por isso, 3 mil moradores foram evacuados, num raio de 3 km, estendido depois para 10 e 20 km, com mais pessoas removidas.

Mais de cem atos de solidariedade com o povo japonês ocorreram pelo mundo em 11 de março de 2012, dia do primeiro aniversário do drama. Na França, em que 77% da energia elétrica consumida vem de usinas nucleares, uma “corrente humana” ligou Lyon a Avignon. Em Brasília, um ato inter-religioso rememorou Fukushima no dia 10, no Templo budista da quadra 315 Sul. Outras manifestações foram realizadas em dez cidades brasileiras, como São Paulo, Rio e Salvador, a partir das 10:15 do dia 11, momento em que o terremoto começou no Japão.

O livro de Whitaker, Sauer e Carvalho

Essas rememorações visavam também alertar sobre os riscos das usinas atômicas. Por isso mesmo, estão sendo colhidas no país assinaturas para uma Iniciativa Popular visando vedar a construção de usinas nucleares. Urge fazê-lo, porque nosso governo não se sensibilizou como nosso povo com o que ocorreu em Fukushima. Segundo pesquisa recente da BBC, 79% dos brasileiros são contrários a usinas nucleares, mas as autoridades retomam a construção de Angra III e pretendem implantar mais quatro usinas no Nordeste.

Era assim possível que nossa Presidenta negociasse, em sua viagem em fim de fevereiro à Alemanha, a continuidade da Garantia Hermes para o financiamento de Angra III. Seria desconcertante se isso ocorresse, num momento em que se avolumam as criticas à incoerência do governo daquele país, ao financiar usinas nucleares no Brasil depois de dizer que elas não são boas para o povo alemão e decidir desativá-las. Felizmente a decisão sobre o assunto foi postergada.

Alternativas existem, sem precisar também de represas enormes como Belo Monte, como asseguram tranquilamente os professores Ildo Sauer e Joaquim Francisco de Carvalho, da USP. Mais importante no entanto do que discutir se existem opções é considerar os dois problemas que ficam sem resposta: o da segurança dos reatores e o do lixo atômico.

Mais além dos terremotos e tsunamis, ou do fato de as usinas de Angra terem sido construídas na praia de Itaorna, palavra indígena que quer dizer “pedra podre”, nossos cientistas afirmam, como não podia deixar de ser, que não há obra de engenharia humana 100% segura. É o que mostra, aliás, a longa lista de acidentes nucleares ocorridos, devidos a falhas de projeto ou erros humanos. Há 25 anos, a explosão dos reatores de Chernobyl, na União Soviética, liberou 400 vezes mais radiações que a bomba atômica de Hiroshima, inutilizou grandes espaços e até hoje faz vitimas. Sem que os governos imitem o norte-americano depois de outro grande acidente, ocorrido naquele país em 1979, em Three Miles Island: ele decidiu não mais construir usinas e somente cuidar das 104 então existentes…

O segundo problema sem resposta é ainda mais grave: as radiações emitidas pelo lixo atômico, que penetram nas células do organismo humano e podem levá-lo à morte, permanecem ativas durante muitos anos. O lixo de menor radioatividade (90% do produzido, com tudo que é usado na operação dos reatores) mantém-se radioativo durante 300 anos. Mas 0,5% do lixo, considerado de alta radioatividade, vem do coração dos reatores (as “cinzas da combustão de urânio” e os produtos de sua fissão), leva milhares e até milhões de anos para tornar-se inerte. O documentário dinamarquês Para a eternidade (Into Eternity), sobre um depósito desse tipo de lixo na Finlândia, começa com as frases: a humanidade tem 50 mil anos, as pirâmides do Egito existem há 5 mil anos, e o lixo atômico durará 100 mil anos… O lixo atômico é portanto uma tenebrosa herança que estamos deixando aos nossos filhos, netos, bisnetos, tataranetos, e seus descendentes por muito tempo…

Ora, se acidentes são possíveis, esse lixo é uma realidade concreta e imediata. resulta da rotina de funcionamento dos reatores, como algo de que não se pode escapar. O grande escândalo é que as usinas existentes continuam ininterruptamente a produzi-lo, enquanto os tecnocratas de plantão dele pouco falam.

Não é surpreendente portanto que o monge budista Yoshihiko Tonohira, de Hokkaido, no Japão, tenha dito, em entrevista em Porto Alegre em janeiro de 2012, pensando com certeza tanto na segurança, como no lixo e na bomba atômica escondida atrás dos reatores, “existe um antagonismo básico e fundamental entre a continuidade da espécie humana e o uso da energia nuclear”.

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