Chéri à Paris: Lagostas psicodélicas
A história malucrazy (e esquecida) de um episódio dos anos 1960, que quase terminou com guerra entre Brasil e França
Publicado 09/03/2012 às 17:30
Por Daniel Cariello*, em Chéri à Paris
Vistos de longe, os anos 60 foram a década em que metade do mundo parecia ter tomado um ácido. Músicas, filmes e livros psicodélicos brotavam por todos os cantos, como sementes (de papoula). A viagem era tão geral que nem as relações diplomáticas escaparam.
Veja a Guerra das Lagostas, incidente envolvendo o Brasil e a França, ocorrido entre 1961 e 1963.
O imbróglio começou quando barcos franceses vieram pescar lagostas na costa de Pernambuco. O governo brasileiro chiou. O francês bufou. O brasileiro ameaçou. O francês disse “merde!” e mandou uma frota de guerra. O brasileiro mandou os franceses tirarem os navios e os narizes da nossa costa.
Então a coisa complicou de vez e uma guerra tornou-se iminente. Foi aí que os diplomatas de ambos os países, que andavam meio entediados desde o fim da década de 40, entraram na parada.
Na mesa de negociações, os nossos disseram que as lagostas estavam em território brasileiro e dessa forma nos pertenciam. Os franceses concordaram e discordaram ao mesmo tempo, alegando que enquanto andavam e tocavam o fundo do mar, tais crustáceos realmente respondiam às leis de pindorama. No entanto, quando nadavam, estariam em águas internacionais e, portanto, não tinham passaporte e poderiam ser livremente pescadas.
A história ficou tão malucrazy que nesse instante o General de Gaulle proferiu – ou não, porque ninguém sabe se é verdade mesmo – a sua frase mais famosa em terras tupiniquins: “Le Brésil, ce n’est pas un pays sérieux”, o Brasil não é um país sério. E ele queria o quê, oras, que a gente não entrasse na brincadeira?
O quiproquó só foi resolvido quando um almirante brasileiro soltou o argumento mais brilhantemente psicodélico possível, afirmando que se as lagostas quando nadam podem ser consideradas peixes, então os cangurus quando saltam seriam nada menos do que aves.
Brasileiros e franceses concordaram que o raciocínio fazia muito sentido. E acendeu-se então o cachimbo da paz.
–
(*) Daniel Cariello é colaborador regular do Outras Palavras. Escreve a crônica semanal Chéri à Paris,
Sobre o incidente, Juca Chaves, salvo engano, senão Chico Anísio, numa visão humorística do descobrimento do Brasil, narra diálogo no encontro de Pedro Álvares Cabral com uma nau francesa:
– Olá navegantes, de onde vens e para donde vais?
– Nós viemos do Brasil…
– Ah… então já descobristes ‘a’ Brasil?
– Non, nos fomos ‘au’ Brasil…
“buscar lagosta, buscar lagosta,
que lá na França todo mundo gôsta” (Sic., cantado)