Yanomami: O sonho tormentoso de Deus

Em textos poéticos, a angústia frente ao eterno retorno da tragédia dos povos da Amazônia. O Criador vislumbra o impasse da destinação de suas criaturas. Tudo em nome da “poeira brilhante na lama”, como definiu Davi Kopenawa

Foto: Ricardo Stuckert
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O PESADELO DIVINO

Num sonho tormentoso, Deus se vê falando a Motociata e Motosserra, ilustres ninfocidas e guardiãs do recém-criado décimo círculo infernal.

1. Há muito contemplo o caminho que percorreis. Conheço as vossas tramas e os vossos ardis. Bem sei do que sois capazes.
2. Agora, pois, atentai à minha palavra: Eis que ponho inimizade eterna entre vós e os ribeirinhos, e selo convosco uma firme aliança, simbolizada por este anel, feito do mais fino ouro que se pôde extrair da Terra Yanomami.
3. Sem o vosso auxílio e unidade de espírito não se cumpriria tão cedo o plano que ora cogito.
4. Arrependi-me novamente da criação e decidi, de uma vez por todas, extirpar os seres viventes da face da terra.
5. Não posso, porém, renunciar así no más à minha obra, pois, feito o belo Narciso, também ele um ser criado à minha imagem e semelhança, apego-me a tudo aquilo em que me vejo, ainda que mal, espelhado.

6. Por isso, lembrei-me de vós, que formais uma só carne e um só pensamento. 
7. Recordai o mandamento que ditei a vossos pais: crescei e multiplicai-vos!
8. Tomai em vossas mãos aquilo que escapou das minhas. Expandi a vossa atuação até os confins da terra e até o fundo dos mares. E não poupeis o luzeiro menor, dominai-o! E, se puderdes, tratai de ocultar o maior, toldando o firmamento com o vosso admirável arsenal de pestilências.
9. Acreditei uma vez nas virtudes dos filhos de Noé e dos filhos de seus filhos. De todo o coração, apostei na redenção da criatura. Debalde!
10. Fazei, pois, cumprir o meu intento e sereis recompensadas com a incomparável paz do inexistente.

DOS LEGADOS PATRIÓTICOS

Ao yanomami
A anomia

À mídia
O direito à afasia

Ao pastor
A voz da fanfarronice pia

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Leia também: A Queda do Céu: o Yanomami dá o espelho ao Brasil, de Álvaro Faleiros, na coluna “Visões indígenas em tradução”.

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