Teatro Oficina propõe uma insurreição terráquea

Fechado na pandemia, Oficina celebra 60 anos com vertiginosa produção audiovisual. Ficção científica às avessas, Avá propõe: em vez da fuga, o futuro da humanidade está na re-ligação com a Terra e na rebeldia, afinal, é reexistir – ou enlouquecer

Imagem: Jennifer Glass/Teatro Oficina
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AVÁ – até que os ventos aterrem, direção de Camila Mota. De segunda (16/8) a domingo (22/8), às 21h. Sessão extra na terça (24), também às 21h. Exibição gratuita no site do TV Uzyna do Teatro Oficina com sugestão de ingresso voluntário via PIX (chave): [email protected]

Confira o trailer:

Podemos dizer que se trata de uma ficção científica às avessas. Desde Julio Verne até as aventuras farsescas de bilhardários excêntricos como Elon Musk e Jeff Bezos, passando pelos inúmeros seriados e filmes do gênero no século XX, criou-se o imaginário da fuga da terra como a perspectiva predominantemente hegemônica do futuro da humanidade. AVÁ é um poema sobre a re-versão desse imaginário. Da ficção científica para a re-ligação com a terra. Porque nunca deixamos de ser gente, bicho, mata, água e terra” – Diego Arvate, da Pulsar Filme

Com direção de Camila Mota, atriz e diretora da companhia Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona, AVÁ – até que os ventos aterrem, estreou dia 16 de agosto celebrando os 60 anos do terreyro de teatro que nos abriga na rua Jaceguay, 520, Bixiga, seguindo em curta temporada na Tv Uzyna.

AVÁ é uma ficção cósmica em 3 atos. Financiada pela Lei Emergencial Aldir Blanc, através do edital PROAC LAB 36/2020, é uma peça de teatro filmada sem público que se transmuta em um oavni (objeto audiovisual não identificado). Fechado desde março de 2020, o Teat(r)o Oficina se transformou em Estúdio Oficina para dar vazão ao pulso teatral da Companhia que vibra incessante neste Brasil pandêmico em contracenação com o aqui agora dos estados físicos, materiais, afetivos e cósmicos que nos atravessam e que atravessamos. AVÁ é uma dramaturgia inédita, de Cafira Zoé e Camila Mota, gestada pelas atmosferas da imaginação e do teatro, uma flecha para o passado e o futuro lançada amanhã, ontem e sempre hoje.

Trata-se de um trabalho intenso e frágil, elétrico e vivo, forjado na encruzilhada do teatro com o cinema, do corpo com o poema, do humor e do pânico. A encenação radicaliza os usos do vídeo e da projeção do terreyro eletrônico, fazendo do teatro inteiro videoarte, e também a relação com as alturas – acontecendo do subterrâneo ao teto móvel, da pista, rua Lina Bo Bardi, à árvore Cesalpina, do janelão de vidro à Oficina de Florestas que habita as terras do rio Bixiga. Em cena, dois personagens se encontram no cruzo do tempo e do espaço. A Gaivota (Joana Medeiros) e o Poeta Encapsulado Intergaláctico (Cafira Zoé) juntos percorrem uma jornada absurda-fantástica, guiados por três feiticeiras: o Centro da Terra (Carmen Silva), Camarada Catástrofe (Vera Barreto Leite) e o Olho do Mato (Sonia Barbosa Ara Mirim).

Imagem: Jennifer Glass/Teatro Oficina

Um andaime de construção virado falésia, ruína de um híbrido entre a cidade e o mar, com longas telas de construção viradas telas de projeção, está situado no centro do espaço no meio do teto-céu-aberto. É a carcaça corroída da construção civilizatória. Está ilhada, fincada, no chão do teatro, e no seu topo, presa há 53000 anos antes ou depois de ninguém, a Gaivota. Do subterrâneo, preso a mais de um século num submarino nuclear com proteções paranormais e para-noiados, atravessando viradas geológicas, desaparecimentos de povos, mutações genéticas, chuvas cáusticas, delírios coletivos, pandemias, estupidez civilizatória, corrosões da memória, afundamento dos oceanos e o nascimento vertiginoso de torres de concreto quilométricas brotando do chão como caralhos de pedra… emerge o poeta encapsulado. No eco do tempo há uma voz que nos diz: é preciso cuidar das profilaxias da terra. Com as mãos lavrar a terra, segurar o céu e lavar o medo. É preciso manter-se em tesa suspensão. Estar prestes! No teatro se encarnam as entidades do mundo que atravessam as épocas, os corpos e a peste, criando novos mundos, imaginando, experimentando e interpretando a vida a partir do fogo dos que vieram antes de nós e dos que nos esperam adiante.

Só se existe em ATO. Com AVÁ, enlouquecemos e reexistimos. Essa pequena insurreição terráquea em forma de teatro, ruídos, falhas, vertigens, sons e imagens é oferecida à Onilé, o centro da terra, a quem pedimos licença e agradecemos.

A história

Frame de Avá

53.000 anos antes ou depois de ninguém. Há três dias o eixo da terra está parado. O sol e a lua habitam o horizonte da terra ao mesmo tempo, alinhados. As vibrações sobre a superfície reduziram consideravelmente, estamos agora muito próximos do marco zero vital. Abrimos o abscesso fechado da terra. Lavaremos a pele de todos os organismos como lavramos a terra de todos os mundos. Seremos comidos por milhares de seres vivos e comeremos outros tantos por milhões e milhões de anos, é sempre a mesma força de vida, vocês a chamaram: pulsão, e se castraram. De tempos em tempos há a transubstanciação dos ventos. Tudo o que é vivo corrói. A terra treme. Os corpos queimam. Escutem o que os animais nos ensinam sobre a pulsão, há uma ética mineral, não se esqueçam, e também as águas, quentes e frias de todos os corpos compõem lagos de saúde e vida dentro e fora dos poros. As células das plantas e a hemoglobina humana precisam se encontrar. Só há um momento para a fotossíntese. O horror dos trópicos corroeu todos os olhos. Agora, o sol e a lua vão retomar suas órbitas. Sul, leste, oeste, norte. A terra, o céu e o sangue: a fermentação do pensamento. Vocês sentirão um grande tremor de terra e o dia ficará branco-alucinante como o leite das rosas feridas e a poeira das estrelas do mar. Libertem a partícula condensada de tudo. No topo do penhasco mais alto, num oceano de tormentas… lá, onde habitam as ruínas… reduzida à sua menor dimensão, metade-metade, não mais. Está secando a água onde deita o caranguejo grande.

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