Minha irmã e eu: Humana comédia 

Em Goiás, a mãe some e suas filhas, com personalidades díspares, tentam encontrá-la. Sucesso de bilheteria, filme consegue equilibrar clichê com inovação, dialogando com o espírito do tempo de cultura de celebridades e identitarismos

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Por José Geraldo Couto, no Blog do Cinema do IMS

Nada como uma boa comédia popular para alavancar as bilheterias do cinema brasileiro e elevar o astral do público. É o caso de Minha irmã e eu, de Susana Garcia, que já foi visto por mais de 750 mil pessoas e certamente baterá a marca do milhão de ingressos.

Toda comédia bem-sucedida é o resultado de algum equilíbrio entre a originalidade e o clichê. Há que surpreender, mas sem perder a capacidade de comunicação, ou de cumplicidade, com o espectador médio – seja lá o que isso signifique. Para tanto, é preciso estar em perfeita sintonia com o espírito do tempo, com suas inquietações, suas tensões, sua mitologia e sua linguagem. Minha irmã e eu cumpre bastante bem esses requisitos.

Parte-se aqui de uma situação clássica: o reencontro de duas irmãs de vidas e personalidades contrastantes, por ocasião de um aniversário da mãe idosa (Arlete Salles). A irmã mais velha, Mirian (Ingrid Guimarães), é a que ficou em sua cidade, no interior de Goiás, levando a existência tediosa de obedecer ao marido, criar os filhos e cuidar da mãe. A mais nova, Mirelly (Tatá Werneck), vive há anos no Rio de Janeiro, onde cuida de animais de estimação de celebridades, mas se apresenta nas redes (e para a família) como amiga íntima delas todas.

Comédia de erros

O sumiço da mãe desencadeia a comédia de erros. Supondo que ela tenha viajado ao Rio para viver com Mirelly, Mirian segue de carro para lá – e todo humor dessa primeira parte vem dos malabarismos da caçula para esconder sua real situação. A longa viagem de volta a Goiás e a busca pela mãe desaparecida servem para as irmãs cotejarem suas vidas – e para o filme brincar com inúmeros temas de nossa época: a cultura das celebridades, o terreno minado das sutilezas identitárias e seu vocabulário, a realidade paralela forjada pela internet, etc.

Minha irmã e eu não inventa a roda, e está longe de ser uma obra-prima, mas conta com uma porção de qualidades que justificam seu êxito, em especial os diálogos certeiros e a atuação inspirada das duas protagonistas, bem como sua interação sagaz e hilária com figuras reais: Lázaro Ramos, Iza, Chitãozinho e Xororó, etc.

Hitchcock dizia que o problema não é o clichê, mas partir de uma situação original e desembocar num clichê. O recomendável seria o contrário – e é o que ele fazia. Minha irmã e eu, por sua vez, parece realizar o tempo todo um movimento de pêndulo entre a inovação e o clichê. Em seus melhores momentos, mergulha no lugar-comum para ironizá-lo em seguida, ou para lhe dar uma torção inesperada.

Um exemplo singelo: a certa altura, uma Mirelly atormentada pela culpa parece prestes a confessar sua farsa à irmã. “Preciso te contar uma coisa”, diz ela, séria. E depois de uma pausa: “Tenho tesão no Felipe Neto”.

A direção de Susana Garcia praticamente consiste em emoldurar com eficiência o embate (a “química”) entre as duas atrizes – que, aliás, são autoras do argumento do filme. O que não a impede de criar cenas de um humor visual notável, como as de Mirelly montada num touro desgovernado, curvada numa bicicletinha de criança ou espremida num vestido absurdamente apertado, ou as irmãs trepadas sobre os ombros de dois homens altos, procurando a mãe no meio do público de um show sertanejo. Há espaço até para glosar uma sequência famosa (a de Geena Davis e Brad Pitt) de Thelma & Louise.

Conciliação e ruptura

O espectador mais exigente talvez se ressinta do ocasional sentimentalismo ou da música sertaneja onipresente, mas é possível ver essas coisas como concessões passáveis ao gosto hegemônico da época. O importante, a meu ver, é que o filme não cai na pior armadilha de tantas comédias populares ou programas humorísticos, que é a de reforçar preconceitos e estereótipos, fazendo piadas de gordo, de gay, de doméstica, de velho caquético e por aí afora. Longe disso.

Mais importante que tudo: sua conciliação final não implica a volta edulcorada a uma situação falsamente feliz, mas uma ruptura com o passado e a abertura a novas possibilidades para as três mulheres: as irmãs e a mãe. Um “feminismo bruto”, na feliz definição do jornalista Mario Sergio Conti. Em vista disso, perdoa-se até o surrado recurso aos “erros de gravação” na sequência dos créditos finais. Não se pode ter tudo, e não nasce um Billy Wilder – ou um Mario Monicelli – todos os dias.

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