Literatura: O barro do meu bairro

Em Café, Dona Jacira — mãe do rapper Emicida — transforma suas memórias em ato de cura. Livro insinua-se como convite a bolo com cafezinho literário, mas digestão é pesada: sua sensibilidade griô tece densas histórias de morte e resistências

Imagem: LiteraRUA
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Por Eleilson Leite, na coluna Literatura dos Arrabaldes

Compartilho neste texto a leitura que fiz do livro Café, de Dona Jacira, obra publicada em 2018 pela Literarua. Com formato 23 cm x 16 cm e 440 páginas, o livro é robusto no tamanho físico e literário. Em um rico e denso registro de memória, Jacira Roque de Oliveira nos apresenta sua infância, especialmente o período dos 6 aos 14 anos que corresponde à década de 1970, período em que ela morou no Jardim Ataliba Leonel, bairro situado no extremo da Zona Norte de São Paulo. Café é uma obra a altura da grandeza da autora que, por ser mãe do Emicida, acaba ofuscada pela fama do cantor. Mas lendo seu livro, a gente coloca as coisas no devido lugar: é o Emicida, e também Fioti, outro artista da família, que são filhos dela.

A autora chama o leitor para tomar um café e ouvir suas histórias. Na verdade, o convite é para sua mãe, Dona Maria Aparecida Caldeira de Oliveira, a quem ela se reporta durante quase todo o livro. Por conta da referência à fumaça do café e do Gonzagão tocando no rádio, começamos a leitura com uma sensação de que vamos degustar um bolo e um cafezinho. Mas não é bem assim. Café não é uma obra de fácil digestão. É pesada. A autora do prefácio, Maria do Rosário Ferreira de Souza, bem que tenta alertar os leitores, mas o projeto gráfico, especialmente a capa com a foto da autora em pose extremamente simpática com sua caneca de café na mão, sugere uma experiência mais leve. Só que não.

Elaborar suas memórias neste livro foi para a autora um ato de cura, como ela própria diz. Jacira precisava reconstituir seu passado de criança que ficou adulta antes dos 10 anos. Ela faz um acerto de contas com uma porção de gente. Umas já se foram, outras ainda estão em seu entorno. Com as que teve as piores experiências, ela não cita os nomes, outras ela nomina, mesmo que use uma outra forma de chamá-las. Nessa narrativa, sua mãe tem um lugar central para o bem e para o mal. Ela teve que exorcizar o rancor represado que sentia pela matriarca para viver todo o amor que as une.

Dado o vigor literário da obra, ouso classificá-la como um romance de formação, mesmo que não tenha um traço de ficção. Se bem que Jacira admite que a recordação acaba sendo um campo fértil para a imaginação. Café pode ser posto no mesmo patamar de obras do gênero como os romances do ciclo do açúcar, de José Lins do Rego, especialmente, Menino de Engenho, ou Memorias do Cárcere, de Graciliano Ramos. Jacira soube fazer uso do recurso da memória para compor uma obra muito bem articulada e escrita com um esmero de autora experimentada. A narrativa não é linear, embora siga a cronologia de sua vida. Jacira consegue compartimentar bem o livro destacando momentos e temas de maior relevância na divisão dos capítulos (que chamo de partes).

Agrupei a história e três partes: A criança adulta; O bairro; Trabalho infantil. Mas poderia ter outras como Escola, Família, Comunidade, Morte, Negritude ou a Culinária. O livro é de uma abundância de elementos que permite diversos recortes temáticos. Escolhi esses três, pois neles percebi com mais nitidez a ação da memória como recurso de reconstituição e representação do passado. Jacira estreia com este livro, mas parece ser uma romancista veterana, algo como ocorreu com Carolina Maria de Jesus em Quarto de Despejo, mas também, e talvez ainda com mais ênfase, nos dois volumes do romance Casa de Alvenaria, da mesma autora. A propósito, Café merecia mais um volume, ou mais uma xícara. Histórias é que não faltam nessa vida difícil, porém, gloriosa de Jacira.

A criança adulta

A menina nascida em 1964, era chamada de Russinha. Era a mais nova entre cinco irmãos: “Na hierarquia das coisas, Deus me fez caçula”. Perdeu o pai três meses antes de nascer e cresceu sob a liderança de sua mãe, uma mulher tão amorosa quanto enérgica – e essa personalidade temperamental causou inúmeros traumas a Jacira. Por essa razão, a narrativa se articula em torno de uma conversa com a mãe na qual faz um inventário da conflituosa relação que havia entre elas e, por extensão, com os irmãos, tios e demais familiares. As poucas pessoas que tiveram um envolvimento de maior carinho e compreensão, dela se afastaram por imposição de situações controversas. Dora, uma senhora vizinha dela muito afetuosa a quem chamava de madrinha, se mudou em razão dos conflitos com a mãe de Jacira que via com desconfiança a adulação da mulher com sua filha. Outro caso importante é do Jaceni, o Ceni, jovem muito atencioso e meigo com o qual, aos 11 anos ela teve uma grande amizade que foi rompida por imposição da mãe do garoto que via como nociva a relação dos dois, achando que Ceni, que tinha traços afro pouco acentuados, fosse namorar com uma “neguinha”. O destino do pobre rapaz, na verdade, mostrou que a orientação sexual dele era outra. Revelada sua homossexualidade anos depois, foi expulso de casa, saiu no mundão e se meteu em encrencas que lhe custou a vida.

Podemos dizer que a bisavó de Jaci, Dona Emereciana, mulher branca, paranaense, era outra pessoa por quem Jacira nutriu um bom afeto. A ela é dedicado alguns capítulos do livro e menções em quase toda a obra. Há dois, especificamente, em que a recordação da anciã é narrada por meio da culinária. Ela tinha hábitos alimentares muito peculiares. Fazia um bolinho chamado “capitão” que era resultado da junção de tudo que sobrava nas panelas. Passava para as crianças seus conhecimentos empíricos: “Toda vez que for pegar planta pra comer, veja se o passarinho come. Se ele come, nóis come também”. Da bisavó, a mãe de Jacira herdou receitas típicas do Sul que a bisneta também registrou na memória. Além da polenta, a autora cita a galinhada e o doce de abóbora com coco. Essas duas últimas iguarias vêm com receita e o modo de preparo.

Seus quatro irmãos tiveram nomes bíblicos, por certo pela influência do pai que era presbítero missionário: Geni, Gedeão, Adi e Míriam. Ela fugiu à regra, mas não foi porque o pai religioso já estivesse morto quando nasceu. O nome Jacira foi dado em gratidão a uma mulher que se ofereceu para adotar a menina recém-nascida, sensibilizada que estava com a situação da família em virtude da morte do progenitor. Dona Cida, porém, não correspondeu à generosidade da mulher, mas, batizou sua caçula com o nome dela. A autora conta com orgulho esta parte, tanto pelo duplo gesto altivo da mãe, quanto pela origem indígena do nome que é associado à Lua.

A morte é uma recorrência na trajetória de Miudinha outro apelido de Jacira quando criança. O luto pontua todo o livro, mas tem um espaço específico na primeira parte e na parte 5 quando ela relata a morte de seu irmão Adi. A primeira morte é de seu pai que ela nem chegou a conhecer, como já foi dito: “sempre sonhei com meu pai vivo, ele nunca morreu pra mim. Nunca pensei em seu Estácio, meu pai morto. Sempre fantasiei”. Depois ela relata a morte de crianças, algumas de morte morrida, como se diz quando alguém morre em decorrência de uma doença, por exemplo, e outras por tragédia. E a autora relata inúmeras mortes trágicas no livro. Uma delas está no capítulo A enjeitada, cuja narrativa tem um acabamento literário tal que pode ser lido como conto que poderia ter vida própria. Trata-se da história de uma menina de 12 anos que fica grávida em decorrência de um estupro de um rapaz casado. O desenrolar da trama é recheado de situações revoltantes embaladas por misoginia, cinismo e crueldade.

Mais mortes são narradas nas nove histórias seguintes. Nessa dezena de capítulos, a morte é abordada não somente por conta do falecimento de alguém especificamente, mas como metáfora. Ela fala da morte dos dentes e das histórias nos velórios. No capítulo A morte que nunca cessa, ela trata de sua própria morte. Sim, Jacira morreu, tipo Belchior, parafraseado por seu filho cantor: “ano passado morri, mas este ano eu não morro…”. Essa morte se dá quando ela é retirada de seu território e levada para um convento, destino que teve todos os seus irmãos. Ela tinha seis anos. Esse é, me parece, o maior dos traumas que a autora viveu e é tema da segunda parte do livro dedicada quase que totalmente a esse drama. Uma passagem muito pesada do livro e que é narrada com um esmero literário que faz o leitor viver aquele momento com tensão, angústia, revolta e cumplicidade.

Para narrar esse episódio tão particular e central na sua infância, Jacira cria um alter ego, o Nico, um menino. Passa assim a narrar em terceira pessoa. O inusitado é que ela foi para uma ala do convento onde só tinha meninas. Entendo que essa estratégia de redação se dá como uma defesa da autora frente ao sofrimento que tem de narrar. Mas há também um outro aspecto a se considerar. Várias vezes a autora fala do quanto sua maneira de ser correspondia mais a um comportamento de menino do que de menina. Era com os garotos que ela mais brincava. Gostava de empinar pipa e outras brincadeiras do universo masculino. Era valente e, por vezes, chegava às vias de fato nas tretas de rua. Pois era esse seu lado garoto destemido que ela invocou para afrontar as freiras cruéis e suas funcionárias igualmente maldosas naquele convento nefasto e sujo que se apresentava como “Casa de Deus”. Ela resistiu e conseguiu que seu clamor chegasse a dona Cida, que nessa parte do livro é chamada de Dona Xica. A mãe vai até o convento, porém, é manipulada pelas freiras e se convenceu de que o problema estava na sua filha. A menina adoeceu e saiu daquele lugar amaldiçoado porque, de lá, foi conduzida para a UTI de um Hospital deprimida, sem fala, esquálida, praticamente morta.

O trauma com a passagem pelo convento se estendeu para as experiências na escola. Jacira estudou até a quarta série. Não há registro no livro de passagens boas no ambiente escolar, exceto fora dele, quando ela cabulava aula com os colegas e saia pelos arrabaldes onde havia árvores frutíferas, corredeiras d’água e muita vegetação para se embrenhar. Foi na escola que ela sentiu o racismo pela primeira vez, pelo menos explicitamente. Professoras a acusavam de ser suja, colocando-a no fundo da sala. Havia agressões verbais, morais e até físicas com inúmeros castigos. Há uma passagem no livro em que ela narra o revide que sua irmã mais velha deu na professora que lhe agrediu. A mana levou um tapa e a reação foi no sentido contrário, mas, com o dobro da intensidade, alterando a terceira Lei de Newton.

Míriam, a sua irmã, por conta da atitude foi expulsa da Escola, mas virou um mito entre os alunos e inspiração para a Jacira que também protagonizou um episódio de vingança. Mas ela usou como arma a caneta e o papel. Escreveu numa redação muito bem elaborada tudo o que pensava da escola. Foi parar na diretoria; sua mãe foi chamada. Mais uma vez Dona Cida foi ludibriada e a menina foi punida na escola e em casa. Jacira não via a hora de não mais precisar ir à escola, justo ela que tanto gostava de aprender. A saída foi trabalhar, pois quem trabalha não precisa de estudo, segundo a lei de sua casa e das periferias naqueles tempos.

Trabalho infantil

Logo que Jacira voltou de seu curto, porém, tenebroso exílio no convento, ela começa a flertar com o trabalho. Primeiro, foi observando a labuta da mãe que fazia de tudo um pouco: lavava, passava e trabalhava em “casa de madame”. Dona Maria Aparecida tinha muita inciativa para o trabalho. Jacira narra no capítulo Outra possibilidade uma de suas estratégias de geração de renda: “Mãe descobriu um nicho: vender roupa na feira. Ela se educou pra isso, sabia que tinha que ter todo o sortimento de tamanho, cores e modelos. Mãe vendia anágua, ‘combinação’, soutien de bojo, calcinha infantil bundinha rica e meias maravilhosas com bolinhas penduradas”. Ela trabalhava todos os dias na feira de manhã (exceto segunda) e de tarde na antiga Ligth, atual Eletropaulo. Saia de casa com a barraca feita por ela mesma e uma enorme sacola nas costas, o que denota que para empreender na quebrada, ainda mais naqueles tempos (início da década de 1970), não bastava talento e criatividade, precisava de muita disposição.

Talvez o exemplo da mãe nem fosse inspirador para Jacira que sentia a ausência dela por conta do trabalho: “foi aí que acabou o cheiro de café pela casa”. Mas ela percebeu que trabalhar lhe daria a autonomia para comprar o que queria. E o que queria a menina Jacira quando saiu para buscar emprego com 10 anos de idade? Comprar alguma roupa fora do padrão fornecido em casa, doces e guloseimas as quais não tinha acesso. Poderia ir ao cinema no Jaçanã, ir num parque de diversões no Tucuruvi. Mas ela queria muito era comprar um estojo de canetinhas coloridas que ela já teve, mas, lhe foi roubado. Queria também comprar livros que lhe foram oferecidos por aqueles vendedores de porta em porta que haviam antigamente, mas que sua mãe se recusou a adquirir desprezando o gosto que Jacira tinha pela leitura.

E assim a menina, que não era mais miúda, fez seu corre. Trabalhou em lojas de roupa no Brás e em casa de madame no Bom Retiro nas quais passou por situações muito traumáticas, até chegar numa grande papelaria em Santana onde, finalmente, “se realizou profissionalmente” e pôde acessar brinquedos que ela só via em propagandas, pois sua função era organizá-los nas prateleiras. Além disso, passou a frequentar a biblioteca pública que ficava próxima à loja. A empresa, porém, faliu e ela voltou aos trabalhos precários. Jacira se virou tendo inclusive atuado como pedinte, passando o dia na rua com os moleques na Praça da Sé, onde recolhia moedas no chafariz. A menina adulta rodava a cidade, andava para todos os lados, de ônibus, metrô, trem, a pé. Fazia seu itinerário em busca de uns trocados para assegurar a desejada autonomia de poder comprar um sorvete com o dinheiro que ela própria conseguiu.

O bairro

A autora foi morar no bairro Ataliba Leonel, no extremo da zona norte no ano de 1970, quando tinha 6 anos. Procedente do Paraná, sua família ali se estabeleceu quando a região era uma gleba rural. Antes de se instalarem definitivamente neste local, viveram um tempo no bairro da Cachoeirinha, também na zona norte. Compraram um lote grande como eram os terrenos da época. Ao longo dos anos construíram casa ampla, porém, de instalações modestas. No lote ao lado veio morar uma família também chefiada por uma mulher valente, Dona Antonia que tinha marido, mas ela é que mandava. Uma sólida amizade se deu entre as matriarcas. O vínculo, porém, se deteriorou quando os filhos ficaram jovens na década seguinte e a discórdia começou a se espalhar pelo bairro na medida em que a comunidade crescia. A autora se recorda do aspecto bucólico do local: “lembrando as ruas da minha Vila, no estradão, hoje Avenida Antonelo da Messina, barulho de água batendo, sinalizando todas as minas e cachoeiras e tanques no meio da mata onde vivi (…)”.

No terreno, cultivaram um vasto quintal: “na frente, onde antes era um barraquinho, foi plantado um abacateiro, uma goiabeira, uma mangueira e um pé de mixirica. E tinha um pé de planta que soltava flores bem branquinhas na minha cabeça. Fiz dali meu território”. No estilo Manuel de Barros, o quintal era seu mundo. O entorno era de mata, sítios e, no horizonte, a Serra da Cantareira, elemento geográfico do território, por sinal pouco citado pela autora, mesmo quando ela se muda para o Jardim Fontalis, bairro que, assim como o Cachoeira, onde ela vive atualmente, fica encravado no terreno montanhoso que margeia São Paulo na zona norte.

Naquele tempo a ocupação dos lotes se dava “deitando o mato”. A autora fala dos rolês que a criançada dava em meio à vegetação: “entrávamos no Ataliba e íamos até Vila Galvão, passávamos onde é hoje o Jardim Filhos da Terra (Serra Pelada) e Jova Rural”. Trinta anos depois, já densamente povoada, essa mesma região, foi cantada pelo Racionais MC’s (Edi Rock é filho daquele território) no Rap Expresso da Meia Noite: “vida do fundão é desequilibrada/ Hebrom, Piquiri, Jova, Serra Pelada”.

Logo depois de casada, Jacira e Miguel, seu companheiro, com quem se casou grávida ainda com 13 anos, se mudaram para o Jardim Fontalis, um bairro que fica no limite da cidade, junto à Rodovia Fernão Dias onde, mais uma vez, ela deita o mato. Quando chegou lá, só havia três ruas; hoje deve ter cerca de 70 mil pessoas morando naquela quebrada em que cresceram seus filhos: Katia, Katiane, Leandro, Evandro e Jaqueline. Esta última morreu, destino também de Miguel, cuja morte é narrada por ela na música Crisântemo, de Emicida.

No filme AmarElo, lançado pelo cantor em 2019, há imagens panorâmicas do Jardim Fontalis, um bairro que vi surgir. Na década de 1980, eu também morava no Jardim Ataliba Leonel e tinha uma namorada no bairro de Dona Jacira. Para chegar lá cruzávamos um estradão de terra que passava pelas Furnas. Fazia o percurso todo a pé e morria de medo quando o trajeto era feito de noite. Provavelmente eu cruzei com ela e seus filhos, pois a região era ainda pouco povoada na época e eu fazia trabalho no local com a Pastoral de Juventude, vinculada à Paróquia Nossa Senhora do Carmo. Por conta dessa familiaridade com o território, a leitura do livro de Jacira teve um acréscimo de emoção. O barro do bairro dela também foi amassado por mim.

Guardiã de sementes

Jacira entendeu em algum momento de sua vida madura que ela é um griô, a guardiã da memória da família: “(…) minha memória tem cheiro, o teu cheiro [da mãe]. Eu sou a memória de toda a nossa linhagem, guardei tudo ou quase tudo”. Convencida de sua vasta memória, marota, ela acrescenta: “e do que não lembro eu invento”. Em outra passagem do livro, ela se vê como uma repórter: “Eu poderia ter me formado em jornalismo, como não consegui e conheço os fatos, pois são os que vivi, sou contadora de histórias ou fofoqueira, como quiser”. Ela poderia também se afirmar como historiadora daquelas que se vale dos registros orais para compor sua narrativa histórica. Cabe ressaltar aqui que toda as fotos da família de Jacira foram destruídas por uma de suas irmãs que se converteu a uma religião para a qual o culto de imagens era proibido.

Jacira lida com o tema da memória com densidade filosófica compondo inúmeros aforismos como este: “Venho de uma estrada difícil e sombria, cheia de armadilhas e contradições. Ainda bem cedo, precisei criar estratégias pra não perder segredos do tempo na estrada, pois era toda a minha bagagem e mais nada”. Ela realizou com Café, um romance de formação, como foi dito no início, mas, diferente do que sugere o gênero, as experiências narradas não acontecem na juventude, na transição para a vida adulta ali em torno dos 15 aos 20 anos. Do ponto de vista etário, ela viveu essa fase entre os 10 e 14 anos, tornando-se inclusive mãe.

Por imposição da vida, Jacira se tornou adulta precocemente, mas ela também curtiu essa antecipação, especialmente de ser mãe: ela teve cinco filhos, quatro deles ainda jovem. Talvez por isso, ela se veja como guardiã de sementes, ou seja, de tudo que há por vir e não só daquilo que já se foi. Que o café de Dona Jacira se mantenha sempre quentinho pronto para servir e embalar muitas outras histórias, pois a memória é uma fonte inesgotável.

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3 comentários para "Literatura: O barro do meu bairro"

  1. Ademir Figueiredo disse:

    A leitura das resenhas do Eleilson sempre nos traz um livro para a fila do desejo… Além de grande conhecedor das quebradas e da literatura chamada de periférica, ele expressa sua forte identidade com a população trabalhadora e explorada que fez, e faz a cidade. O amargor é a essência do sabor café, alguns preferem açucara-lo. Não é o caso da autora, adeverte. Então, vamos ao Café…

  2. Josué Gonçalves de Araujo disse:

    Ler um texto, de Eleilson Leite, sobre qualquer livro, já é uma leitura proveitosa.

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