Porto Rico, em crise, será 51º Estado dos EUA?

Incorporação venceu, em plebiscito polêmico. Mas Washington a aceitará? Enquanto aguarda, ilha caribenha vive incertezas políticas e perde população

Por James Cohen, no Le Monde Diplomatique

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Manifestação sindical maciça em 2009. Partidos que defenderam incorporação aos EUA  venceram consulta, mas perderam poder: eleitorado rejeitou políticas de “austeridade”

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Incorporação venceu, em plebiscito polêmico. Mas Washington a aceitará? Enquanto aguarda, ilha caribenha vive incertezas políticas e perde população

Por James Cohen, no Le Monde Diplomatique

Os porto-riquenhos escolheram transformar sua ilha no 51º estado da União Federal norte-americana? Para Luis Fortuño, governador em exercício e dirigente do Partido Nuevo Progresista (PNP) no momento do referendo do dia 6 de novembro de 2012, a resposta não deixa dúvidas: os 61% da população que votaram a favor da incorporação de Porto Rico aos Estados Unidos, explica ele, demonstraram uma “clara recusa de que Porto Rico continue nessa situação territorial em que está atualmente”.1

O resultado do referendo, contudo, é menos evidente do que parece. A primeira pergunta relacionava-se à manutenção do estatuto atual de Porto Rico. Dos 1.798.987 votantes, 53,97% responderam negativamente: é a primeira vez, desde seu nascimento, em 1952, que esse Estado Livre Associado (ELA) aos Estados Unidos é submetido a tal questionamento. Sem dúvida mais ambígua, a segunda pergunta oferecia aos porto-riquenhos três possibilidades de escolha: a incorporação aos Estados Unidos (ou estadidad), a independência nacional e uma forma de Estado associado descrita como “soberana”. A opção atual — manter-se como ELA —  não estava presente. Muitos partidários da situação atual protestaram votando em branco, deixando de fora da conta 498 mil cédulas. Se fossem incluídos nos cálculos, esses votos representariam 26,5% do total, de modo que a porcentagem dos que são a favor da incorporação diminuiria de 61% para 44%: menos que os 46% registrados nos referendos de 1993 e 1998.2 A opção “Estado associado soberano” teve 24,2% de eleitores favoráveis, enquanto a opção “independência” arrecadou apenas 3,98% dos votos.

Apesar da modesta porcentagem de votos que alcançaram, os independentistas comemoraram a rejeição do ELA, porque a interpretam como o início de um processo de “descolonização”, 115 anos após a conquista da ilha pelos Estados Unidos. Para Fernando Martín García, jurista e dirigente histórico do Partido Independentista Porto-Riquenho (PIP) e um dos formuladores do referendo, o “não” à primeira pergunta é uma excelente novidade, ao passo que a incorporação não representa nenhum perigo real: o Congresso dos Estados Unidos, que deverá se pronunciar nos próximos meses, teria todas as oportunidades para recusá-la. De fato, os parlamentares, notadamente os mais à direita, não mostram nenhum entusiasmo em acolher um Estado pobre (45% de seus habitantes vivem abaixo da linha da pobreza) e hispanófono, que provavelmente seria representado no Congresso pelos democratas.

Ferrenho defensor do ELA e opositor histórico do PNP, o Partido Popular Democrático (PPD) consolou-se com a derrota graças à apertada vitória que obteve nas eleições gerais, organizadas no mesmo dia. Além de instalar o jovem dirigente Alejandro García Padilla no posto de governador, retomou o controle das duas câmaras legislativas. Apenas o cargo de comisionado residente em Washington, ocupado por Pedro Pierluisi, permanece nas mãos do PNP, favorável à incorporação total aos EUA. Mas, para conter a influência desse partido, o PPD pode contar com o Prime Policy Group, um lobby próximo aos republicanos, que ele contrata pela módica quantia de US$ 50 mil por mês.

A derrota do PNP mostra que os debates sobre o estatuto da ilha não conseguiram ainda superar o descontentamento suscitado pelo governo desde o início da crise econômica. Admirador de Ronald Reagan, Fortuño, o governador que deixou o posto, catalisou a cólera popular ao adotar, desde março de 2009, a “lei 7” sobre o “estado de urgência fiscal”, que culminou com a demissão de 30 mil funcionários públicos – 14% do efetivo total – e desencadeou uma greve geral.

Os enfrentamentos no seio da Universidade Pública de Porto Rico também contribuíram para piorar a imagem do PNP: com o objetivo de impor uma alta de US$ 800 nas taxas de matrícula, o governo ordenou, no fim de 2010, que o campus Río Piedras fosse ocupado pela polícia – acusada de numerosos atos de brutalidade.3

No posto desde 2 de janeiro de 2013, o novo governador, Alejandro García Padilla, rapidamente tentou diferenciar-se de seu antecessor. No discurso de posse, proclamou seu compromisso com a educação, a saúde e o bem-estar social antes de pedir ao povo porto-riquenho que tenha “coragem” para enfrentar “o desemprego, a dívida pública, a degradação sem precedentes do crédito, os números angustiantes da criminalidade e a fragmentação social”.4 Em entrevista à reportagem, ele chegou a sustentar uma “aproximação com [François] Hollande” contra a “aproximação de [Angela] Merkel”. Mas essa distância da chanceler alemã ainda permanece no plano da retórica, e as ambições progressistas do PPD – organização fundada nos anos 1930, na época do New Deal – evaporaram-se em grande parte. E, ao aumentar a idade da aposentadoria dos funcionários públicos sob o pretexto de agudização da dívida pública, García Padilla alinhou-se imediatamente a seu predecessor.

No início de 2013, a dívida da ilha atingia US$ 67 bilhões, obrigado ao pagamento anual de US$ 4 bilhões, em juros. No fim do ano passado, após o encerramento do plano de relançamento do governo Obama (o American Recovery and Reinvestment Act, no valor de US$ 7 bilhões), Porto Rico evitou ao máximo uma situação de não regulamentação dos salários dos servidores.5 As agências de risco rebaixaram a quotação dos títulos do Tesouro porto-riquenho, embora evitassem classificá-los como “obrigações especulativas”.

A situação social, entretanto, necessitaria de uma intervenção pública de envergadura: a taxa de desemprego, que atingiu 16,5% no auge da recessão, situava-se ao redor de 13,8% no início de 2013. Com uma renda familiar média6 de US$ 20.425 diante dos US$ 58.526 nos cinquenta estados norte-americanos, Porto Rico seria de longe a porção mais pobre dos Estados Unidos caso fosse incorporado, ainda que seja a república caribenha mais rica – menos por seu aparelho produtivo do que pelo apoio financeiro de Washington. Estabelecidos em 2010 com US$ 17,2 bilhões, os “fundos federais” protegem os habitantes do ELA de uma miséria mais radical e ao mesmo tempo reforçam os laços de dependência.

Migração maciça para o continente

Para fugir da aflição econômica, muitos porto-riquenhos de condições sociais diversas partiram para viver no continente. Entre 2000 e 2010, a população caiu de 3,8 milhões para 3,72 milhões de habitantes7 – e talvez até menos: após confessar um possível erro de cálculo, o Censo indica que o índice de imigrantes poderia ser de três a quatro vezes maior.Desde 2009, e pela primeira vez, há mais porto-riquenhos nos EUA do que na ilha.

Todos esses são sintomas da dependência história da economia porto-riquenha em relação à norte-americana. Adotado na década de 1950, o modelo de industrialização “por convite” – um sistema de incentivo fiscal para empresas dos Estados Unidos – esgotou-se rapidamente, antes de ser progressivamente eliminado, entre 1996 e 2006. Os empregos e a malha industrial criados nesse contexto não foram suficientes para impedir o êxodo dos porto-riquenhos. Ao permitir às empresas norte-americanas extrair seus lucros nos circuitos econômicos do país, o modelo jamais engendrou uma dinâmica autônoma de desenvolvimento. O economista James Tobin observava já em 1975 – e a constatação permanece válida – a excepcional defasagem entre o produto interno bruto (PIB) e o produto nacional bruto (PNB) de Porto Rico, ou seja, a renda gerada pela ilha e a renda de seus habitantes.9

É pouco provável que esse cenário mude nos próximos anos. As clivagens se acentuam ainda mais em função das opções estatutárias, tornando cada vez mais difíceis os desafios econômicos e sociais. Dessa forma, não surpreende que, na liderança do PNB, o ex-governador Fortuño (notoriamente próximo aos republicanos do Tea Party) tenha sido substituído por Pedro Pierluisi, democrata e entusiasta do governo de Obama. Ambos são favoráveis à incorporação…

1 El Nuevo Día, San Juan, 14 nov. 2012.

2 Ler James Cohen, “Porto Rico toujours en quête d’un statut” [Porto Rico sempre em busca de um status] e “Consensus introuvable à Porto Rico” [Consenso difícil em Porto Rico], Le Monde Diplomatique, respectivamente mar. 1992 e abr. 1999.

3 Cf. Victor M. Rodriguez Domínguez, “Partisan politics, neo-liberalism, and struggle for democracy and public education in Puerto Rico” [Política partidária, neoliberalismo e a luta pela democracia e educação pública em Porto Rico], 4 abr. 2011. Disponível em: .

4 “Discurso íntegro del gobernador Alejandro García Padilla” [Discurso na íntegra do governador Alejandro García Padilla], 2 jan. 2013. Disponível em: .

5 “Enero luce complicado” [Janeiro será complicado], El Nuevo Día, 30 dez. 2012.

6 Que separa a população em duas metades iguais: uma que ganha demais e outra de menos.

7 “Población de una década perdida” [População de uma década perdida], El Nuevo Día, 3 jan. 2011.

8 “Somos menos”, El Nuevo Día, 24 ago. 2012.

9 César J. Ayala e Rafael Bernabe, Puerto Rico en el siglo americano: su historia desde 1898 [Porto Rico no século norte-americano: sua história desde 1898], Callejón, San Juan, 2011.

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