Uma morte por minuto

Em novo recorde, Brasil registra 1.349 mortes em 24 horas. Total passa de 32 mil

Imagem: Junião / Ponte
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No Brasil não há mea culpa nem investigação sobre as falhas da resposta à epidemia, só recordes consecutivos. Ontem, o Ministério da Saúde anunciou o registro de 1.349 mortes – o equivalente a uma vida perdida por minuto. No dia anterior, o recorde tinha sido de 1.262. No total, temos 32.528 óbitos registrados, e se continuarmos assim vamos ultrapassar o Reino Unido em número de mortes já na semana que vem, passando a ocupar o segundo lugar nesse ranking trágico.

Em número de casos confirmados, já estamos em 584.016, com mais de 28 mil registros nas últimas 24 horas. Olhando para os últimos dias, é provável que cheguemos à marca dos 600 mil amanhã mesmo.

Se Jair Bolsonaro já estava com seu cavalo parado nessa chuva de mortes há muitíssimo tempo com sua necropolítica baseada em “e daí?” e “é assim mesmo”, agora vemos chegar estados e municípios que cederam e reabriram atividades econômicas. Só de shoppings centers, já temos mais de 200 que voltaram a funcionar.  

Uma reportagem do El País Brasil mostra que a epidemia está se espalhando a galope para além dos primeiros epicentros da doença: entre 27 de maio e 2 de junho, o país contabilizou 143.562 novos casos, um total 35% maior do que as 411.821 infecções de uma semana atrás. E nada menos do que 20 estados viram seus casos crescerem em uma velocidade maior que a média do país. Goiás e Alagoas são os piores nessa aceleração: o primeiro passou de 2.843 para 4.377 casos em uma semana, alta de 54%, enquanto o segundo foi de 7.580 para 11.559, um número total 52% maior.

Enquanto isso, o Amapá está com 99% de ocupação de UTIs. Pernambuco, com 98%. Acre, com 96%. E Rio Grande do Norte, com 91%. O secretário estadual de Saúde potiguar admitiu ontem: “Estamos à beira do colapso”. 

No Maranhão, que está em plena reabertura, o índice de ocupação de unidades de tratamento intensivo é de preocupantes 90%. O Ceará – idem – está quase lá, com 88%. E o Rio de Janeiro, estado cuja capital teve o isolamento flexibilizado e onde já é possível se espantar com imagens de praias lotadas, está nos 86%. Depois de 20 dias veremos o resultado?

É o que sugere o exemplo de Feira de Santana, cidade importantíssima da Bahia por fazer ligação com praticamente o estado inteiro. Em maio, o prefeito Colbert Martins (MDB), que é médico de formação, olhou para o número de novos casos e para os índices de ocupação de UTIs e resolveu reabrir. “Fui liberando aos pouquinhos e quando chegou no dia das mães (10 de maio) estava quase tudo aberto, menos bares, restaurantes e academias”, disse ao EstadãoTrês semanas depois, os números eram bem diferentes, com crescimento de 105% nos casos

O fato é que o potencial de propagação da covid-19 nas capitais é semelhante à algumas cidades importantes do interior, como Feira, Caruaru (PE) ou Ribeirão Preto (SP) – onde o povo saiu correndo às ruas quando as lojas foram reabertas na segunda-feira. E são essas cidades que ajudam a acelerar e amplificar a interiorização da epidemia, portanto, as decisões de reabrir não deveriam ser baseadas somente nos seus números de casos ou UTIs disponíveis… 

Outra reportagem do El País explora a possibilidade de que os gestores públicos sejam processados na Justiça por suas respostas à epidemia de covid-19. Porque não adiante ter agido bem durante um tempo e depois jogar tudo pro alto sem base científica para a tomada de decisões, não é mesmo? Como indicativo desse movimento, o repórter Felipe Betim cita alguns processos que já estão sendo movidos nas esferas penal, civil e administrativa. 

O Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) estuda mover ações por danos morais e coletivos usando como base (e provavelmente adaptando para a realidade nacional) o estudo da Universidade de Columbia que mostrou que o atraso de duas semanas em determinar medidas de distanciamento social custou 36 mil vidas nos Estados Unidos

O principal alvo desses esforços é Jair Bolsonaro, como não poderia deixar de ser. Há duas denúncias movidas contra ele no Tribunal Penal Internacional; ambas citam suas atitudes durante a crise. 

Mas o presidente brasileiro não para de fornecer material para essas ações. O mais recente exemplo é de ontem: Bolsonaro vetou um dispositivo aprovado no Congresso Nacional que destinava R$ 8,6 bilhões de um fundo do Banco Central para governos estaduais e municipais usarem no combate à pandemia. Esse movimento veio originalmente do Executivo, numa medida provisória que pedia a extinção do fundo, mas queria usar o dinheiro no pagamento da dívida pública federal. Os parlamentares olharam o caos sanitário e resolveram que, não, os recursos teriam mais serventia salvando vidas do que rolando dívida. O veto seguiu o conselho de Paulo Guedes, cuja sensibilidade social e teimosia ideológica já são lendárias – e também poderia ser responsabilizado judicialmente por um punhado de omissões nessa pandemia.

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