Uma bomba antes da votação da cannabis na Anvisa

Prestes a decidir sobre comércio da planta em tratamentos, diretor favorável ao projeto, que poderia equilibrar votação, pede afastamento. Leia também: ministério pode ser multado em 13 milhões ao dia por prejudicar saúde indígena

Foto: Anvisa
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Por Maíra Mathias e Raquel Torres

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Não falta drama à votação da Anvisa sobre a comercialização e plantio da Cannabis medicinal no Brasil. Como se fosse uma novela, estourou uma bomba e tanto antes do capítulo final. Isso porque o advogado Renato Alencar Porto pediu afastamento da agência na última sexta. O mandato dele, que estava na diretoria desde 2005, terminaria no dia 12 de dezembro. Trata-se de alguém declaradamente favorável à regulamentação. Em entrevista ao G1, Porto disse que sai por motivos particulares e que seria “pura especulação” estabelecer uma relação entre sua renúncia e a votação de hoje. “Nenhum sentido”, afirmou. 

“Acho muito estranha a saída de Porto na véspera de uma votação tão importante. Estamos esperando por isso fazem 13 anos”, disse o deputado federal Eduardo Costa (PDT-PA) à Folha. O parlamentar integra a comissão de estudos da Cannabis medicinal na Câmara.

Segundo a assessoria de imprensa da Anvisa, a votação segue normalmente, sem substituição. Serão apreciados dois pontos: a regulamentação da produção, plantio e transporte da maconha medicinal por parte de empresas farmacêuticas; e o registro de medicamentos produzidos à base de Cannabis. Votam Alessandra Bastos, farmacêutica com experiência em assuntos regulatórios, Fernando Garcia Neto, cirurgião dentista e Antônio Barra Torres, contra-almirante da Marinha indicado ao cargo pelo governo em julho. Segundo o regimento da Anvisa, caso haja empate nas decisões, caberá ao diretor-presidente da agência, Willian Dib, decidir pela aprovação. Ele é favorável, como sabemos. Seu mandato também acaba no dia 12 de dezembro.

Jair Bolsonaro já sinalizou que não deve indicar nomes entusiastas do cultivo da Cannabis ou da venda de remédios derivados dela para a Anvisa no ano que vem.

DESCASO

O Ministério Público Federal no Pará pediu ontem uma multa diária de R$ 13 milhões ao Ministério da Saúde e outra multa à secretária especial de saúde indígena, Silvia Waiãpi, por descumprimento de uma decisão judicial que deveria garantir atendimento diferenciado em terras tradicionais ainda não homologadas no baixo Tapajós e centros urbanos da região. No ofício enviado à Justiça Federal de Santarém, o MPF diz que Waiãpi descumpre “voluntariamente” a decisão que prejudica, pelo menos, 13 etnias.

As informações são do UOL, que explica que a decisão que deu ganho de causa ao MPF foi proferida lá atrás, em 2017, e confirmada em janeiro deste ano. A Justiça previa três etapas para atender os indígenas: cadastro, inclusão dos usuários na Casa de Saúde Indígena em Santarém e, finalmente, seleção e contratação das equipes para realizar o atendimento. Todas elas foram cumpridas. Mas, segundo o MPF, depois que Silvia Waiãpi assumiu a Sesai, o processo foi “paralisado”. 

Este ano, depois de dificuldades financeiras, houve finalmente uma seleção pública para contratar dois enfermeiros, dois cirurgiões dentistas, dois auxiliares de saúde bucal e seis técnicos de enfermagem para atender os indígenas. Os nomes dos selecionados foram publicados no Diário Oficial em maio. E, além disso, os trabalhadores  chegaram a ser apresentados para os indígenas, mas “a atual gestora não autorizou sua contratação, nem há qualquer sinalização de que irá rever sua decisão”, diz o MPF. 

35 ANOS SEM JUSTIÇA

No dia 3 de dezembro de 1984, 40 toneladas de Isocianato de Metilo (MIC) vazaram de uma fábrica de agrotóxicos da empresa Union Carbide na cidade indiana de Bhopal. Naquela primeira noite, 3,8 mil pessoas morreram. Outras oito mil morreram ao longo da semana, e a estimativa oficial é que pelo menos 20 mil pessoas tenham morrido deste então. Até hoje, pessoas que foram expostas ao gás têm filhos que nascem com transtornos físicos e mentais.

A empresa, dos EUA, havia instalado seu projeto de fábrica na Índia com falhas de segurança. Mas nenhum dos seus oito executivos principais foi preso, e o presidente da multinacional, que aprovou o projeto inseguro da fábrica, pagou uma fiança e morreu impune, como lembra a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida. Hoje a empresa pertence à Dow Chemical. A Campanha Internacional por Justiça em Bhopal tem uma série de reivindicações. Algumas delas: que a Dow pague um mínimo de US$ 8 mil para cada sobrevivente, que os executivos sejam julgados criminalmente, que o governo indiano garanta o desenvolvimento de protocolos de tratamento padronizados para doenças crônicas relacionadas à exposição a gases; que a Dow pague pela limpeza do solo e das águas subterrâneas de acordo com os padrões internacionais.

Em imagens: no India Today há uma galeria com fotografias da época e, na BBC, fotos atuais da população afetada.

A MORTE E OS SOJEIROS BRASIGUAIOS

Em agosto, o Comitê de Direitos Humanos da ONU responsabilizou pela primeira vez um país por uma morte relacionada ao uso de agrotóxicos: foi a de Rubén Portillo, que morreu há oito anos após sintomas de intoxicação. E o veneno nem era aplicado por ele ou seus familiares, mas por sojeiros de terras próximas. A reportagem da Agência Pública conta os pormenores desse caso e como o Estado paraguaio foi omisso em vários momentos. As terras da colônia de Yerutí, onde Rubén vivia, foram vendidas para pequenos camponeses dentro do plano nacional da reforma agrária. Mas não havia controle sobre as barreiras ambientais necessárias para o plantio seguro da soja; não houve instrumentos para impedir que os camponeses arrendassem ou vendessem essas terras para sojeiros; não houve controle sobre quais venenos eram pulverizados no ar e despejados na água. Além disso, não houve investigações do Estado sobre a morte de Rubén.

Mas empresas brasileiras também tiveram sua grande parcela de responsabilidade: a Cóndor S.A./KLM S.A. e a Hermanos Galhera Agrovalle del Sol S.A./Emmerson Shinin, pertencentes a sojeiros brasileiros, tinham plantação ao lado da casa de Portillo. E não tinham licença ambiental para plantar soja nem para pulverizar os agroquímicos, o que era feito com aviões leves, seus tanques sendo lavados em um riacho próximo. Na região, metade das terras são controladas por “brasiguaios”.

CAVALO DE TROIA?

Na Radis deste mês, uma reportagem de Luiz Felipe Stevanim analisa as diferenças entre o Mais Médicos e o Médicos pelo Brasil – com grande ênfase na criação da Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (Adaps), encarada pelos entrevistados como um “cavalo de Troia” (nas palavras de Vinícius Ximenes, da Rede de Médicos e Médicas Populares) e “célula cancerosa” (nas de Maria Inez Padula, professora da Uerj). “Ela deve prestar serviços, desenvolve atividades de ensino, promove a educação continuada, pode contratar serviços privados, comprar tecnologia, firmar convênios e contratos, ou seja, pode praticamente tudo. E, ao fazer este tudo, desloca as atribuições do Estado e ameaça o cumprimento constitucional”, diz Maria Inez. Um ponto importante é que este “praticamente tudo” não deve passar por nenhum controle de participação popular. O conselho deliberativo da agência conta com representações do Ministério da Saúde, do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e… do setor privado, mas nenhuma representação do controle social.

Na capa da mesma revista, entrevista com Drauzio Varella: “Um país como o Brasil vai ter sempre dificuldade para distribuir médicos. A gente teria que substituir esses médicos gradativamente, pois é muito difícil conseguir tanta gente capacitada para atender em lugares tão pobres. Há 450 mil médicos concentrados no Sudeste; no Norte e Nordeste eles estão nas capitais e cidades grandes. Temos 300 faculdades de Medicina — sem professores para tanto. Fazem faculdades esperando que os médicos se espalhem. Quem garante isso? As faculdades privadas custam R$ 10 mil, R$ 12 mil reais por mês. Você acha que quem paga esse valor e se forma depois vai para a periferia de Quixadá, no Ceará, atender gente pobre? Vai se especializar e ficar por um grande centro. Precisamos de médicos de família, que resolvem 90% dos problemas. Temos que ter essa formação. Os Estados Unidos têm esse mesmo problema nas pequenas cidades do interior. Temos que criar alternativas para poder fazer o trabalho que os médicos não são capazes de fazer. A ESF cobre dois terços da população. O esforço para acabar de cobrir o resto não é grande. Então, faz a entrada toda por ela, usa a Enfermagem de uma forma decente — porque nós desperdiçamos os enfermeiros no Brasil. Eles se formam, se especializam, fazem pós, e depois enfrentam resistência porque a classe médica corporativa acha que só ela pode fazer o atendimento. Ótimo, só que não faz. Esse corporativismo exagerado não ajuda em nada”.

OTIMISMO E SOBRIEDADE

O ministro Luiz Henrique Mandetta anunciou ontem que o Brasil terá uma vacina contra a dengue em um ano. “Temos uma expectativa boa, sou otimista em relação à vacina. Ela está indo muito bem, tem marcado só gol e está na última fase pré-licença em vários continentes. A gente acha que nessa época, para o verão do próximo ano, já vai contar com essa vacina, dose única, para os quatro vírus e 90% de bloqueio”. Faltou combinar com o Instituto Butatan, responsável pela produção em parceria com a farmacêutica Merck, que informou em nota ao jornal O Globo que embora a fase de ensaios clínicos esteja bastante avançada, “ainda não é possível precisar uma data” para que a vacina seja disponibilizada para a população: “No cenário mais otimista, a vacina poderá ficar pronta em 2021, porém fatores que fogem ao nosso controle, como o número de casos de dengue na população, podem prolongar este prazo.”

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