Uma bomba antes da votação da cannabis na Anvisa
Prestes a decidir sobre comércio da planta em tratamentos, diretor favorável ao projeto, que poderia equilibrar votação, pede afastamento. Leia também: ministério pode ser multado em 13 milhões ao dia por prejudicar saúde indígena
Publicado 03/12/2019 às 10:09 - Atualizado 03/12/2019 às 13:10
Por Maíra Mathias e Raquel Torres
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ÚLTIMO CAPÍTULO
Não falta drama à votação da Anvisa sobre a comercialização e plantio da
Cannabis medicinal no Brasil. Como se fosse uma novela, estourou uma
bomba e tanto antes do capítulo final. Isso porque o advogado Renato
Alencar Porto pediu afastamento da agência na última sexta.
O mandato dele, que estava na diretoria desde 2005, terminaria no dia
12 de dezembro. Trata-se de alguém declaradamente favorável à
regulamentação. Em entrevista ao G1,
Porto disse que sai por motivos particulares e que seria “pura
especulação” estabelecer uma relação entre sua renúncia e a votação de
hoje. “Nenhum sentido”, afirmou.
“Acho muito estranha a saída de Porto na véspera de uma
votação tão importante. Estamos esperando por isso fazem 13 anos”,
disse o deputado federal Eduardo Costa (PDT-PA) à Folha. O parlamentar integra a comissão de estudos da Cannabis medicinal na Câmara.
Segundo a assessoria de imprensa da Anvisa, a votação
segue normalmente, sem substituição. Serão apreciados dois pontos: a
regulamentação da produção, plantio e transporte da maconha medicinal
por parte de empresas farmacêuticas; e o registro de medicamentos
produzidos à base de Cannabis. Votam Alessandra Bastos,
farmacêutica com experiência em assuntos regulatórios, Fernando Garcia
Neto, cirurgião dentista e Antônio Barra Torres, contra-almirante da
Marinha indicado ao cargo pelo governo em julho. Segundo o regimento da
Anvisa, caso haja empate nas decisões, caberá ao diretor-presidente da
agência, Willian Dib, decidir pela aprovação. Ele é favorável, como
sabemos. Seu mandato também acaba no dia 12 de dezembro.
Jair Bolsonaro já sinalizou que não deve indicar nomes
entusiastas do cultivo da Cannabis ou da venda de remédios derivados
dela para a Anvisa no ano que vem.
DESCASO
O Ministério Público Federal no Pará pediu ontem uma multa diária de R$ 13 milhões ao Ministério da Saúde
e outra multa à secretária especial de saúde indígena, Silvia Waiãpi,
por descumprimento de uma decisão judicial que deveria garantir
atendimento diferenciado em terras tradicionais ainda não homologadas no
baixo Tapajós e centros urbanos da região. No ofício enviado à Justiça
Federal de Santarém, o MPF diz que Waiãpi descumpre “voluntariamente” a
decisão que prejudica, pelo menos, 13 etnias.
As informações são do UOL, que explica que a
decisão que deu ganho de causa ao MPF foi proferida lá atrás, em 2017, e
confirmada em janeiro deste ano. A Justiça previa três etapas para
atender os indígenas: cadastro, inclusão dos usuários na Casa de Saúde
Indígena em Santarém e, finalmente, seleção e contratação das equipes
para realizar o atendimento. Todas elas foram cumpridas. Mas, segundo o
MPF, depois que Silvia Waiãpi assumiu a Sesai, o processo foi
“paralisado”.
Este ano, depois de dificuldades financeiras, houve
finalmente uma seleção pública para contratar dois enfermeiros, dois
cirurgiões dentistas, dois auxiliares de saúde bucal e seis técnicos de
enfermagem para atender os indígenas. Os nomes dos selecionados foram
publicados no Diário Oficial em maio. E, além disso, os trabalhadores
chegaram a ser apresentados para os indígenas, mas “a atual gestora não
autorizou sua contratação, nem há qualquer sinalização de que irá rever
sua decisão”, diz o MPF.
35 ANOS SEM JUSTIÇA
No dia 3 de dezembro de 1984, 40 toneladas de Isocianato de Metilo (MIC)
vazaram de uma fábrica de agrotóxicos da empresa Union Carbide na
cidade indiana de Bhopal. Naquela primeira noite, 3,8 mil pessoas
morreram. Outras oito mil morreram ao longo da semana, e a estimativa
oficial é que pelo menos 20 mil pessoas tenham morrido deste então. Até hoje, pessoas que foram expostas ao gás têm filhos que nascem com transtornos físicos e mentais.
A empresa, dos EUA, havia instalado seu projeto de
fábrica na Índia com falhas de segurança. Mas nenhum dos seus oito
executivos principais foi preso, e o presidente da multinacional, que
aprovou o projeto inseguro da fábrica, pagou uma fiança e morreu impune,
como lembra a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida.
Hoje a empresa pertence à Dow Chemical. A Campanha Internacional por
Justiça em Bhopal tem uma série de reivindicações.
Algumas delas: que a Dow pague um mínimo de US$ 8 mil para cada
sobrevivente, que os executivos sejam julgados criminalmente, que o
governo indiano garanta o desenvolvimento de protocolos de tratamento
padronizados para doenças crônicas relacionadas à exposição a gases; que
a Dow pague pela limpeza do solo e das águas subterrâneas de acordo com
os padrões internacionais.
Em imagens: no India Today há uma galeria com fotografias da época e, na BBC, fotos atuais da população afetada.
A MORTE E OS SOJEIROS BRASIGUAIOS
Em agosto, o Comitê de Direitos Humanos da ONU responsabilizou pela
primeira vez um país por uma morte relacionada ao uso de agrotóxicos:
foi a de Rubén Portillo, que morreu há oito anos após sintomas de
intoxicação. E o veneno nem era aplicado por ele ou seus familiares, mas
por sojeiros de terras próximas. A reportagem da Agência Pública
conta os pormenores desse caso e como o Estado paraguaio foi omisso em
vários momentos. As terras da colônia de Yerutí, onde Rubén vivia, foram
vendidas para pequenos camponeses dentro do plano nacional da reforma
agrária. Mas não havia controle sobre as barreiras ambientais
necessárias para o plantio seguro da soja; não houve instrumentos para
impedir que os camponeses arrendassem ou vendessem essas terras para
sojeiros; não houve controle sobre quais venenos eram pulverizados no ar
e despejados na água. Além disso, não houve investigações do Estado
sobre a morte de Rubén.
Mas empresas brasileiras também tiveram sua grande
parcela de responsabilidade: a Cóndor S.A./KLM S.A. e a Hermanos Galhera
Agrovalle del Sol S.A./Emmerson Shinin, pertencentes a sojeiros
brasileiros, tinham plantação ao lado da casa de Portillo. E não tinham
licença ambiental para plantar soja nem para pulverizar os agroquímicos,
o que era feito com aviões leves, seus tanques sendo lavados em um
riacho próximo. Na região, metade das terras são controladas por “brasiguaios”.
CAVALO DE TROIA?
Na Radis deste mês, uma reportagem de Luiz Felipe Stevanim
analisa as diferenças entre o Mais Médicos e o Médicos pelo Brasil – com
grande ênfase na criação da Agência para o Desenvolvimento da Atenção
Primária à Saúde (Adaps), encarada pelos entrevistados como um “cavalo
de Troia” (nas palavras de Vinícius Ximenes, da Rede de Médicos e
Médicas Populares) e “célula cancerosa” (nas de Maria Inez Padula,
professora da Uerj). “Ela deve prestar serviços, desenvolve atividades
de ensino, promove a educação continuada, pode contratar serviços
privados, comprar tecnologia, firmar convênios e contratos, ou seja,
pode praticamente tudo. E, ao fazer este tudo, desloca as atribuições do
Estado e ameaça o cumprimento constitucional”, diz Maria Inez. Um ponto
importante é que este “praticamente tudo” não deve passar por nenhum
controle de participação popular. O conselho deliberativo da agência
conta com representações do Ministério da Saúde, do Conselho Nacional de
Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), do Conselho Nacional de
Secretários de Saúde (Conass) e… do setor privado, mas nenhuma representação do controle social.
Na capa da mesma revista, entrevista com Drauzio
Varella: “Um país como o Brasil vai ter sempre dificuldade para
distribuir médicos. A gente teria que substituir esses médicos
gradativamente, pois é muito difícil conseguir tanta gente capacitada
para atender em lugares tão pobres. Há 450 mil médicos concentrados no
Sudeste; no Norte e Nordeste eles estão nas capitais e cidades grandes.
Temos 300 faculdades de Medicina — sem professores para tanto. Fazem
faculdades esperando que os médicos se espalhem. Quem garante isso? As
faculdades privadas custam R$ 10 mil, R$ 12 mil reais por mês. Você acha que quem paga esse valor e se forma depois vai para a periferia de Quixadá, no Ceará, atender gente pobre?
Vai se especializar e ficar por um grande centro. Precisamos de médicos
de família, que resolvem 90% dos problemas. Temos que ter essa
formação. Os Estados Unidos têm esse mesmo problema nas pequenas cidades
do interior. Temos que criar alternativas para poder fazer o trabalho
que os médicos não são capazes de fazer. A ESF cobre dois terços da
população. O esforço para acabar de cobrir o resto não é grande. Então,
faz a entrada toda por ela, usa a Enfermagem de uma forma decente —
porque nós desperdiçamos os enfermeiros no Brasil. Eles se formam, se
especializam, fazem pós, e depois enfrentam resistência porque a classe
médica corporativa acha que só ela pode fazer o atendimento. Ótimo, só
que não faz. Esse corporativismo exagerado não ajuda em nada”.
OTIMISMO E SOBRIEDADE
O ministro Luiz Henrique Mandetta anunciou ontem que o Brasil terá uma
vacina contra a dengue em um ano. “Temos uma expectativa boa, sou
otimista em relação à vacina. Ela está indo muito bem, tem marcado só
gol e está na última fase pré-licença em vários continentes. A gente
acha que nessa época, para o verão do próximo ano, já vai contar com
essa vacina, dose única, para os quatro vírus e 90% de bloqueio”. Faltou combinar com o Instituto Butatan, responsável pela produção em parceria com a farmacêutica Merck, que informou em nota ao jornal O Globo que
embora a fase de ensaios clínicos esteja bastante avançada, “ainda não é
possível precisar uma data” para que a vacina seja disponibilizada para
a população: “No cenário mais otimista, a vacina poderá ficar pronta em
2021, porém fatores que fogem ao nosso controle, como o número de casos
de dengue na população, podem prolongar este prazo.”
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