Um olhar sobre o hospital prisional mais antigo do país

Jornalistas entram, pela primeira vez, no Hospital de Custódia de Niterói — e descobrem práticas efetivas de recuperação psiquiátrica. Leia também: A relação bilionária (e promíscua) entre a indústria farmacêutica e médicos nos EUA

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Por Maíra Mathias e Raquel Torres

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UM OLHAR SOBRE O HOSPITAL DE CUSTÓDIA

O Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Henrique Roxo, em Niterói (RJ), é o mais antigo do sistema prisional brasileiro. Pela primeira vez, uma equipe de jornalistas foi autorizada a entrar no local inaugurado em 1968. O resultado é uma reportagem publicada na revista Época, que conta como funciona a rotina da unidade conveniada ao SUS, pioneira na adoção das chamadas ‘saídas terapêuticas’, benefício de socialização a que tem direito internos que apresentam melhora.

Hoje, estão presas 97 pessoas (80 homens e 17 mulheres) caracterizadas pela Justiça como inimputáveis, quando se constata falta de capacidade para entender os crimes que cometeram. “Um denominador comum entre a maior parte dos internos é o fato de terem apresentado, ao longo da vida, sintomas de doença psiquiátrica não captados pela família ou por pessoas próximas. Por isso, não recebiam tratamento adequado”, escreve a repórter Vera Araújo. É o que acontece em 90% dos casos, segundo a unidade. Um desses ficou famoso: Daniel Coutinho, que num surto matou o pai, o documentarista Eduardo Coutinho, e atacou a mãe, que sobreviveu. Ele foi internado no Henrique Roxo em 2015 e, pela primeira vez na vida, recebeu tratamento medicamentoso. Melhorou com a terapia, pode sair para tratamento no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) ou passeios e em maio deste ano recebeu autorização para se mudar para uma residência terapêutica.

Depois de muitas histórias de pacientes, o texto lembra do caso de William Augusto da Silva, o sequestrador do ônibus na ponte Rio-Niterói que foi alvejado por um sniper na operação que culminou na cena chocante de comemoração do governador Wilson Witzel. O rapaz já havia contato a parentes que ouvia “vozes dentro da cabeça”. Para a psiquiatra Cristina Erthal, há 18 anos trabalhando no sistema prisional, é necessário ampliar a conscientização sobre os transtornos mentais. Segundo ela, isso poderia evitar a maioria dos crimes. “As famílias precisam prestar atenção aos sinais. Quem tem algum tipo de problema mostra os sintomas, mas há quem finja não ver. Qualquer um pode surtar, mas desenvolver a doença é outra coisa”, explicou. E mandou o recado: o hospital de custódia não é um “depósito de pacientes irreversíveis”.

PADRINHO IMPORTANTE

No Globo de hoje, um artigo assinado por Luiz Roberto Londres e João Andrada, ambos da ONG Instituto de Medicina e Cidadania, fala sobre o projeto bolado pelas empresas de planos e seguros de saúde para maximizarem seus lucros. Em breve, dizem, o texto vai chegar às cada vez mais poderosas mãos do presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ). 

Eles resumem: “os planos de saúde aumentariam sua receita com a arrecadação dos novos planos, reduziriam suas despesas com a exclusão dos “onerosos” e transferência para o SUS de atendimentos de alta complexidade, estariam livres para promover reajustes de acordo com seus critérios próprios e estariam protegidos por lei contra ações judiciais. Seria um projeto curioso se estivéssemos falando especificamente de economia, mas o assunto em pauta é assistência à saúde, e como dizia Edmund Pellegrino, o grande filósofo da medicina: ‘Os cânones financeiros costumam ser incompatíveis com os cânones éticos’. A aprovação de uma proposta como esta coloca a saúde na contramão e inverte prioridades, pondo os interesses financeiros de poucos acima da necessidade de muitos, justamente em um momento de vulnerabilidade da população, que não consegue arcar com os custos elevados de planos privados, pela atual situação do SUS.”

BOLSOS CHEIOS

ProPublica analisou mais de 56 milhões de pagamentos feitos pela indústria farmacêutica a médicos dos EUA entre 2014 e 2018, e descobriu 700 profissionais que receberam individualmente mais de US$ 1 milhão. Nesse período, foram cerca  de 2,5 mil médicos os que ganharam mais de US$ 500 mil – e esses pagamentos não incluem dinheiro para pesquisa ou royalties por patentes. Os repórteres bolaram até uma página com vários rankings, como o das empresas que mais gastaram e o dos médicos que mais receberam.  

Não é a primeira vez que o site faz tal análise. Em 2013, com dados recolhidos nos quatro anteriores, esse tipo de relação já havia sido denunciada. Mas piorou: na época, havia sido encontrado um médico que recebeu  US$ 1 milhão em palestras e consultorias, e outros 21 que haviam embolsado mais de US$ 500 mil. Nos últimos anos, vários pesquisadores vêm estudando como os altos pagamentos se ligam com os tratamentos prescritos pelos profissionais, e alguns previram que essa exposição poderia levar empresas a repensar o repasse de dinheiro. Obviamente, não foi o que aconteceu. Empresas de medicamentos e dispositivos médicos gastam, em média, US$ 2,2 bilhões por ano em palestras pagas, consultorias, refeições, viagens e brindes para médicos. 

O CASO DO BEBÊ SEM ROSTO

Ontem, veio à tona um chocante erro médico em Portugal. Ao longo de toda a gestação, Marlene foi acompanhada por um obstetra em uma clínica particular. Realizou três ultrassonografias no período, e em nenhum momento foi detectado qualquer problema com o feto. Até que surgiu a vontade de fazer um exame de imagem 5G, para ver melhor os detalhes do rosto do bebê. Foram a outra clínica e, pela primeira vez, souberam que não estava tudo bem: havia má formações graves, alertaram. Marlene e o marido levaram a informação ao obstetra, Artur Carvalho, que lhes disse que era tudo bobagem. Pois bem: no dia 7 de outubro o bebê nasceu e foi constatado que não tinha olhos, nariz e parte do crânio. O caso da negligência médica ao “bebê sem rosto” está sendo investigado pelo Ministério Público português. O médico responsável pelo pré-natal já respondia a quatro processos disciplinares na Ordem dos Médicos de lá. 

VAI E VEM

A Justiça revogou o benefício de prisão domiciliar humanitária de Roger Abdelmassih, condenado por estuprar 52 pacientes em sua clínica de reprodução assistida. O caso do ex-médico é muito curioso: ele foi condenado pela primeira vez em 2009 e ficou preso por poucos meses, mas recorreu e respondeu em liberdade graças a um habeas corpus concedido pelo ministro do STF Gilmar Mendes. Depois, em 2010, nova condenação. Novamente, um HC foi concedido por Mendes. Abdelmassih fugiu do país e só seria preso pela Polícia Federal em 2014, no Paraguai. Em 2017, ele recebeu o benefício da prisão domiciliar por problemas cardíacos. Agora, uma perícia constatou que Abdelmassih tem condições de fazer seu tratamento de saúde na prisão. 

GRAÇAS AOS ERROS

No ano passado, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos anunciou que apreendeu e fechou um dos maiores sites de pornografia infantil da dark web, o Welcome to Video. Nesta quarta, houve uma entrevista coletiva com representante do órgão, e ficaram conhecidos mais detalhes sobre a operação que já prendeu mais de 300 pessoas em 38 países, inclusive o Brasil. 

Foi mais fácil do que poderia se imaginar. O site não ocultava o IP do servidor, de modo que rapidamente se chegou ao administrador, Jong Woo Son, de 23 anos. Ele já está cumprindo uma sentença de 18 meses de prisão na Coréia do Sul. Além disso, os pagamentos de usuários eram feitos por Bitcoin, por meio de corretoras que apresentavam o nome, número de celular e endereços de e-mail verdadeiros dos envolvidos. Eles pagavam US$ 350 por uma assinatura de seis meses e downloads ilimitados. 

Havia mais de 250 mil vídeos de crianças e bebês sendo abusados sexualmente. Pelo menos 23 foram identificados e resgatados. 

CRISE DE SAÚDE PÚBLICA

Os números são de um relatório do governo dos Estados Unidos: na última década, de 2007 a 2017, o número de suicídios entre pessoas de dez a 24 anos aumentou 56%, passando de 6,8 mortes por 100 mil pessoas para 10,6. A partir de 2013, o crescimento foi maior. E a taxa de homicídios na mesma faixa etária cresceram 18% entre 2014 e 2017, depois de quase uma década em declínio. Apesar de as mortes acidentais ainda serem as mais frequentes neste grupo, os suicídios e homicídios já vêm logo em seguida. 

MAIS DO QUE SIMBÓLICO

Fotografias na página do Batalhão de Ações Especiais da PM de São José do Rio Preto (SP) no Facebook mostram policiais em treino, atirando no seguinte alvo: um muro formado por tapumes e com a palavra “FAVELA” escrita num deles, em letras garrafais. 

DINHEIRO LIBERADO

Bolsonaro sancionou ontem a lei que remaneja pouco mais de R$ 3 bilhões do Orçamento. O Ministério da Saúde vai receber a segunda maior quantia: R$ 732 milhões. E o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações Marcos Pontes anunciou ontem que a pasta já tem dinheiro garantido para pagar todas as bolsas do CNPq em 2019. 

AGENDA

Amanhã, no Rio, acontece o Fiocruz pra Você, que todo ano tem campanha de vacinação e várias atividades para crianças e famílias. Nesta edição, diante da queda das coberturas vacinais, vai ter ainda um ato em favor da imunização.

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