Câncer: haverá exames em 30 dias?

Senado aprova projeto para reduzir filas no SUS. Mas só canetadas não mudam realidade: faltam serviços estruturados e profissionais capacitados em todas regiões. Leia também: falta de saneamento custa R$ 217 milhões por ano ao SUS

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Por Maíra Mathias e Raquel Torres

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NÃO SE CONSERTA A CANETADAS

O Senado aprovou ontem um projeto de lei que fixa prazo de 30 dias para a realização de exames de diagnóstico de câncer pelo SUS. O tempo passa a correr a partir do momento em que um médico do Sistema Único solicita os exames. “Casos mais avançados, mesmo que submetidos ao melhor e mais caro tratamento disponível, têm chance muito menor de cura ou de longa sobrevida, quando comparados aos casos detectados e tratados ainda no início. Em resumo, o momento da detecção do câncer impacta decisivamente a sua letalidade, ou seja, o percentual de pessoas acometidas que vêm a falecer por causa da doença”, resumiu Nelsinho Trad (PSD-MS), que relatou o PL na Comissão de Assuntos Sociais.

A intenção é das melhores, mas é preciso debater melhor iniciativas como essa. Primeiro porque elas partem do princípio que determinar prazos podem consertar a realidade. Mas, por outro lado, é verdade que podem fazer pressão sobre o Executivo. E não é preciso ir muito longe para ver como cada um desses aspectos desempenha um papel em iniciativas assim. Isso porque o deadline dos 30 dias para exames foi incluído em uma lei (n.12.732) aprovada em um já longínquo 2012 que determinava outro prazo: 60 dias para o início do tratamento de câncer pelo SUS. 

Naquela época, o principal projeto do Ministério da Saúde era a implantação de redes de atenção. Para quem não lembra, a mais famosa (por conta do nome) ficou sendo a Rede Cegonha, mas eram cinco. Dentre elas, a rede de atenção à saúde das pessoas com doenças crônicas, que priorizava ações de prevenção e controle do câncer. Nesse caso, o diagnóstico era o de que os cenários variavam drasticamente dependendo da região do país. No Norte, faltavam muito mais profissionais qualificados para fazer exames do que no Sul. A ideia era investir em muitas coisas, inclusive na formação de técnicos de citopatologia que pudessem fazer exames, por exemplo.

As redes foram lançadas em 2011, então é claro que a lei que veio no ano seguinte de alguma forma pressionava o governo a perseguir a estratégia. Mas mesmo naquela época, se observava que o tiro poderia sair pela culatra: serviços desestruturados e trabalhadores sobrecarregados poderiam optar, erradamente, desesperadamente, por não dar o diagnóstico para que o prazo dos 60 dias não corresse. 

De lá para cá muita coisa aconteceu e as redes deixaram de ser o principal projeto do Ministério da Saúde ainda naquela gestão, com o lançamento do Mais Médicos em 2013. Estadão destaca que 57% dos usuários conseguiram iniciar a terapia de câncer dentro do prazo dos 60 dias em 2016. Seria preciso de uma série histórica maior para saber se na comparação com antes da lei, o número era muito diferente… 

No PL aprovado ontem há ainda outro detalhe digno de nota: o texto fixa o prazo para exames, mas não especifica quais exames são esses. Nelsinho Trad explicou que pensou em mudar a redação para “exames específicos”. Mas o senador mudou de ideia e manteve o projeto da Câmara dos Deputados na íntegra, evitando que voltasse para lá. O texto segue para sanção presidencial. 

FALTA MUITO

Como era de se esperar, já há uma fila de pessoas buscando a terapia personalizada conhecida como CART T-cells, que ganhou destaque na semana passada com a notícia do sucesso do tratamento de Vamberto Luiz de Castro. Mas Dimas Tadeu Covas (USP), um dos responsáveis pelo tratamento pioneiro na América Latina, observa que o país ainda não aprovou o tratamento. No caso de Vamberto, foi feito em caráter experimental. Para ser promovido em larga escala, é necessário que passe por um teste clínico – algo caro. “Para ampliar, precisaríamos de apoio, investimento. Estamos tentando parcerias com outros laboratórios que tenham condições de reproduzir a tecnologia, mas não é fácil; trata-se de pessoal muito especializado”, disse ao Estadão. E continuou: “O estudo clínico apresenta dificuldades, ainda mais nesse assunto de terapias avançadas, que ainda não é totalmente regulamentado no País. O ambiente regulatório para esse tipo de avanço não é favorável. O Brasil não tem o hábito de fazer isso (aprovar terapias novas). O mais comum é trazer coisas já aprovadas por agências do exterior. Vamos fazer a proposta (para o teste clínico), claro, mas não vejo isso acontecendo de forma rápida. Em geral, um teste clínico para uma nova droga leva de um a dois anos para ser aprovado.” Para ele, o governo deveria se encarregar do estudo clínico e acelerar os processos junto às agências reguladoras.

SANEAMENTO EM PAUTA

A falta de saneamento básico custou R$ 1 bilhão ao SUS nos últimos cinco anos. Segundo o Ministério da Saúde, há pelo menos 27 doenças comprovadamente ligadas ao problema, que levam a um gasto anual de cerca de R$ 217 milhões. Só em 2018, foram registradas 487 mil internações e 533 mil procedimentos ambulatoriais relacionados às doenças. Entram na lista enfermidades causadas pela ingestão de água e alimentos contaminados, como esquistossomose e amebíase, mas também outras ligadas às condições de moradia, abastecimento de água e pobreza, como a dengue. Como foi feita em 2010, seria necessário atualizar a relação para incluir outras arboviroses que se tornaram um problema por aqui: zika e chicungunha. 

Os dados fazem parte da série de reportagens da Folha sobre saneamento, que está sendo publicada desde a semana passada. O esforço do jornal acontece em um momento-chave para o saneamento: há um projeto de lei que muda completamente o marco legal do setor, tirando poder dos municípios – que segundo a Constituição, são os responsáveis (ou titulares) desses serviços – e abrindo para o setor privado esse grande mercado. O saneamento básico, que envolve além de distribuição de água e coleta de esgoto também manejo do lixo e drenagem das águas, é uma bandeira antiga da saúde pública. A relação entre condições de vida e doenças, conhecida. Nesse momento, não dá para olhar para os números sem debater o PL 3.261, de autoria do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que tramita cercado de disputas e polêmicas

ZIKA

Ontem, a comissão especial que analisa a medida provisória da pensão vitalícia para crianças com microcefalia decorrente do zika aprovou o relatório do senador Izalci Lucas (PSDB-DF). E houve mudanças na redação original. Crianças com outras síndromes congênitas decorrentes do vírus serão beneficiadas. Além disso, a partir de um acordo com o governo costurado com o ministro da Cidadania Osmar Terra, foi possível estender o prazo: antes teriam direito ao benefício crianças nascidas entre 2015 e 2018; agora essa data abrange 2019. A pensão terá o valor de um salário mínimo. Estima-se que poderá beneficiar seis mil crianças.

MORTALIDADE INFANTIL – DE PERTO

As taxas de mortalidade infantil têm caído no mundo nas últimas décadas, mas um estudo publicado na Nature, ao mesmo tempo em que evidencia essa queda, põe freio em avaliações demasiado animadoras. Pesquisadores da Universidade de Washington analisaram 99 países de baixa e média renda onde ocorreram 93% das mortes de crianças menores de cinco anos em 2017. Detalharam bem a análise, observando as taxas em cada região administrativa desses países, entre os anos 2000 e 2017. E quantificaram algo que já era intuitivamente esperado: nas áreas mais ricas, as taxas são muito mais baixas. Das 123 milhões de mortes mapeadas ao longo desses 17 anos, 58% poderiam ter sido evitadas se não houvesse desigualdades geográficas. 

As metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável para a mortalidade infantil são taxas de 25 óbitos infantis e 12 óbitos neonatais. Em muitos dos países estudados, havia áreas onde essa meta já foi alcançada e outras que estão longe disso – os autores esperam que seus resultados estimulem debates sobre determinantes sociais. Eles também notam que, mesmo se todas as regiões atingissem esse objetivo, ainda haveria 2,4 milhões de mortes de crianças menores de 5 anos. Ou seja, “acabar com as mortes evitáveis ​​de crianças é mais complexo do que simplesmente atingir um limite-alvo”. 

ABISMOS

O índice de Gini, que mede a desigualdade nos países, cresceu no Brasil em 2018. Não só isso: é o maior da série histórica do IBGE, iniciada em 2012. Os dados foram divulgados ontem pelo Instituto, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) contínua. O rendimento da elite econômica hoje é nada menos que 33,8 vezes maior do que o dos 50% da população de menor rendimento – são R$ 27.744 contra R$ 820. No ano passado, o rendimento médio dessa elite, o 1% mais rico do país, cresceu 8,4%, enquanto o dos 5% mais pobres caiu 3,2%. Estes últimos vivem, hoje, com em média R$ 158 por mês. 

A única região onde a desigualdade não piorou foi o Nordeste, porque os mais ricos tiveram perdas. Mesmo assim, ainda é lá que estão os piores números de concentração de renda.

E diminuiu o número de pessoas que recebem o Bolsa Família. Eram 15,9% dos domicílios em 2012; depois 14,9% em 2014; e, no ano passado, 13,7%.

CRIMINALIZAR PRA VALER

O deputado federal Charlles Evangelista, do PLS-MG, propôs um projeto de lei em que tipifica como crime “qualquer estilo musical que contenha expressões pejorativas ou ofensivas nos casos trazidos por esta lei”. De acordo com ele, é pela saúde mental das famílias. O deputado escreve, na justificativa: “O mal-estar se deve ao conteúdo explícito das letras, que abordam temas de cunho sexual e, por vezes, fazem apologia a crimes. Desse modo, a criminalização de estilos musicais nesse sentido seria uma forma de garantir a saúde mental das famílias e principalmente das crianças e adolescentes que ainda não têm o discernimento necessário para diferenciar o real do imaginário”. 

FINALMENTE

O Girls Do Porn foi processada por 22 mulheres que a acusavam de fraude, danos por estresse emocional e uso inapropriado de sua imagem – a empresa atraía mulheres para os vídeos prometendo que o conteúdo não seria amplamente divulgado ou postado na internet, mas, depois, ele era. Na semana passada, seus donos e funcionários receberam acusações de tráfico sexual. “Ter suas identidades expostas para sua comunidade e parentes levou várias mulheres dos vídeos do Girls Do Porn a sofrer assédio, depressão e pensamentos suicidas”, diz a matéria da Vice. Finalmente, ontem o Pornhub, um dos sites mais visitados do mundo, removeu a página oficial e os vídeos da empresa.

VELHINHAS

O colesterol alto é um problema antigo. Bem antigo: de pelo menos quatro mil anos atrás. Pesquisadores da Universidade do Texas estudaram artérias de cinco múmias originárias do Egito e da América do Sul. Em todas, encontraram grande acúmulo de colesterol. Trabalhos anteriores já haviam encontrado acúmulo de cálcio em corações e artérias de múmias, mas, agora, foram descobertos danos que só acontecem em estágios mais avançados de problemas do coração. O artigo, publicado no American Heart Journal, está aqui.

SARAMPO

Novo número do sarampo em SP: segundo balanço divulgado pela secretaria estadual de Saúde, foram confirmados 970 casos, totalizando 8.619, 12% a mais que na semana anterior, quando foram notificados 7.649. “Não quer dizer que os 970 novos casos foram contraídos nesta semana. Os números vêm aumentando por causa daqueles que ainda permanecem em investigação e quando confirmados alimentam o banco de dados. Provavelmente, quando diminuírem as notificações, as confirmações seguirão a mesma tendência, de queda. Em São Paulo, o período compreendido entre os dias 4 e 10 de agosto registrou o maior pico de notificações —quase 4 mil. De lá para cá tem se observado a diminuição das notificações. A impressão é que estamos no momento de declínio de circulação do vírus do sarampo”, explicou Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, à Folha.

AGENDA

Estão abertas as inscrições para o Hackathon em Saúde 2019, que começa no dia 30 de novembro.

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