Um novo hospital para atender os yanomamis

• Hospital para indígenas em Roraima é lançado com forte presença do governo • Caixas de medicamentos que estranhamente não chegaram aos indígenas • E o governador de Roraima? • Doenças negligenciadas podem atingir 15% do Brasil •

.

Na última quinta, a ministra da Saúde Nísia Trindade foi a Roraima anunciar a criação da Unidade de Retaguarda Hospitalar aos Povos Indígenas (URHPI), que será parte do futuro Hospital Universitário deste estado. É ali onde fica localizado o território dos yanomami, etnia indígena que passa por uma profunda crise humanitária causada pelo garimpo ilegal. Em construção, o hospital é parte do projeto da Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares) de reforma de hospitais universitários e criação de novos, e está orçado em R$ 1,5 bilhão. A ala hospitalar indígena será parte de um equipamento que atenderá a toda a população indígena do estado, de mais de 100 mil pessoas. Trata-se de uma experiência inédita no país, como destacou o Ministério. “Com esse ato contínuo, teremos a construção de 22 novos pavilhões agregados ao hospital atual, incluindo uma unidade de terapia intensiva, aumentando em 180 leitos, o que será fundamental para toda a população”, explicou Nísia.

Peso político

O evento de anúncio da retaguarda hospitalar indígena associada ao Hospital Universitário reuniu nomes importantes do Governo Federal e de alguns órgãos públicos relacionados à defesa dos povos indígenas. “Além da ministra Nísia Trindade, e do Ministro Rui Costa, estiveram presentes na cerimônia de instalação os ministros: Ricardo Lewandowski (Justiça), José Múcio (Defesa), Sonia Guajajara (Povos Indígenas), Nísia Trindade (Saúde), Wellington Dias (Desenvolvimento e Assistência Social), Esther Dweck (Gestão e Inovação), Marina Silva (Meio Ambiente), Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar) e Jorge Messias (AGU). Além de representantes de: Ibama, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Força Nacional de Segurança (FNS), Funai. Também participaram da cerimônia o Governador de Roraima, Antonio Denarium, o prefeito de Boa Vista, Arthur Henrique Brandão, as lideranças indígenas Davi Kopenawa, Júnior Hekurari e outras autoridades locais”, informou a nota. Agora, é preciso acompanhar se a situação grave em que os yanomami se encontram será enfim superada.

Denúncia de medicamentos sonegados

Uma história a respeito da negligência com os yanomami chama atenção e ainda carece de maiores esclarecimentos. Uma operação contra o tráfico de drogas em Boa Vista, capital de Roraima, encontrou caixas com diversos medicamentos que deveriam ser enviados aos yanomami. Escondidos em uma casa cuja relação com a estocagem de remédios não está explicada, foram descartados por passar do prazo de validade. Resta saber agora quais são as conexões entre as operações de narcotráfico combatido pela PF e a armazenagem, aparentemente em local inadequado, de remédios que deveriam chegar aos indígenas. “Em 2020, nós Yanomami cobramos muito, avisamos muito que o medicamento estava faltando na Terra Indígena Yanomami. Muita gente, muitas crianças morreram por falta de medicamento. Antibióticos, azitromicina, de febre, e outros. Naqueles anos, 2020, 2021, 2022, faltou medicamento na comunidade. E profissionais, também. Na época, denunciamos à Polícia Federal e eles descobriram que havia desvios de medicamentos”, declarou a liderança Junior Yanomami, ao Estadão.

O governador de Roraima

No meio dessa denúncia, impossível não notar a figura de Antonio Denarium, o governador de Roraima, liderança bolsonarista e filiado ao Partido Liberal (PL). Por abuso de poder econômico e crimes eleitorais, já teve seu cargo cassado três vezes pela justiça eleitoral – decisões que até agora conseguiu reverter. A última delas, em 22 de janeiro, segue em aberto, de maneira que Denarium poderá prosseguir no cargo. Dois dias depois, uma operação policial encontrou 200 quilos de skunk, uma variedade da maconha, em sua fazenda. Além disso, Denarium também apareceu no noticiário por reclamar de apreensões de madeiras cortadas ilegalmente no estado. Tempos depois, veio a público sua sociedade com o frigorífico Frigo10, a quem doou 2,5 mil hectares de floresta pública. A empresa foi acusada pelo delegado da PF, Alexandre Silveira, de promover cortes ilegais de madeira. Por fim, Denarium é investigado por dificultar a destruição de equipamentos usados pelos madeireiros, prática comum do Ibama e da PF em suas operações de combate a atividades ilegais na floresta.

Quase 30 milhões de brasileiros sob risco de doenças negligenciadas

Como mostrou o Outra Saúde, o governo federal lançou o Plano Brasil Saudável com vistas a controlar as chamadas doenças negligenciadas. No caso, visa-se a organizar ações de controle de 12 doenças, geralmente associadas às más condições socioeconômicas, de onde vem o conceito de doenças socialmente determinadas. Uma reportagem da BBC abordou o tema e informa que, segundo o Ministério da Saúde, 28,9 milhões de brasileiros estão expostos a doenças como leishmaniose, hanseníase, HTLV, malária, tracoma, entre outras, que estão na mira da nova política pública. Como explica o infectologista e pesquisador da Fiocruz, Julio Croda, tais iniciativas são importantes, mas só poderão funcionar se caminharem ao lado de outros avanços. “São aquelas condições em que não existe um investimento importante, principalmente no que diz respeito à inovação tecnológica e à descoberta de novos medicamentos, vacinas ou testes diagnósticos. Falamos de doenças negligenciadas, mas o correto seria falar de doenças que acometem populações negligenciadas”, contextualizou.

Leia Também: